Gostar do trabalho era uma questão pessoal, mas está virando obrigação profissional
É ótimo amar o que você faz, mas isso pode virar um problema quando esse tipo de motivação passa a ser visto como moralmente superior

As discussões sobre o papel do trabalho em nossas vidas quase sempre caem em dois extremos. De um lado, quem diz: “faça o que você ama e nunca precisará trabalhar na vida”. Do outro, quem acredita que “um emprego só precisa pagar as contas”.
A primeira visão é um exemplo de “motivação intrínseca”: quando o próprio trabalho já é motivação suficiente, sem depender de salário ou reconhecimento. E, embora seja ótimo amar o que você faz, pesquisas recentes mostram que isso pode se tornar um problema quando esse tipo de motivação passa a ser visto como moralmente superior aos demais.
“Quando uma preferência pessoal ganha um tom moral, chamamos isso de ‘moralização’”, explicou Mijeong Kwon, professora assistente de comportamento organizacional da Rice Business, em um artigo para o “The Conversation”. “Quando isso acontece, amar o que você faz deixa de ser apenas algo bom – passa a ser tratado como uma virtude.”
Um estudo de 2023, coassinando por Kwon, mostrou que pessoas que enxergam a motivação intrínseca como algo virtuoso tendem a desvalorizar outras motivações comuns, como ganhar dinheiro ou buscar reconhecimento.
A ideia de que não basta ter um emprego – é preciso amá-lo – está tão enraizada em algumas culturas que, se alguém não se define pelo trabalho, isso é visto como uma falha pessoal.
Mas, apesar dos inúmeros benefícios da motivação intrínseca, transformar isso em um valor moral também cria problemas.
A verdade é que a maioria dos empregos – até mesmo os que amamos – envolve tarefas repetitivas ou simplesmente chatas. Quando amar o trabalho vira uma exigência moral, as pessoas podem se sentir culpadas por não acordar todos os dias animadas para trabalhar.
Esse tipo de expectativa também pode aumentar o risco de burnout ou fazer com que alguém fique em um posto que já não faz sentido, ignorando outras necessidades básicas – como pagar as contas.

Além disso, muitos profissionais simplesmente nunca vão sentir esse tal “amor pelo trabalho”. Isso não é uma falha de caráter; é apenas a realidade. Ainda assim, quem moraliza a motivação intrínseca tende a esperar o mesmo dos outros.
Em um estudo com quase 800 funcionários de 185 equipes, Kwon e seus colegas descobriram que trabalhadores que moralizam a motivação intrínseca são menos dispostos a ajudar colegas considerados “menos apaixonados” pelo trabalho, em comparação aos que parecem amar o que fazem.
A verdade é que a maioria dos empregos envolve tarefas repetitivas ou apenas chatas.
Demissões em massa, salários que não acompanham o custo de vida e a sensação de frustração generalizada reforçam o "desengajamento", impulsionando movimentos como o minimalismo de carreira, no qual profissionais desiludidos escolhem guardar sua energia e ambição para a vida fora do trabalho. Afinal, por que se dedicar tanto a um emprego que pode nem existir no mês seguinte?
E, claro, essa ideia de que amar o trabalho é o ideal acaba sendo bastante conveniente para quem está no topo e se beneficia de funcionários que se dedicam além do necessário, mesmo sem garantia de compensação justa.
Enquanto mais pessoas repensam o papel do trabalho em suas vidas, vale lembrar: amar o que você faz é um privilégio, não um sinal de superioridade.