Rir é o melhor remédio?

O que os memes e reels sobre o ambiente de trabalho ensinam sobre nossa realidade

Os memes e o ambiente de trabalho
Créditos: svt1992 e Deagreez via Getty

Laura Hauser 3 minutos de leitura

Acho que é justo dizer que todos nós nos divertimos com a quantidade de Reels que exploraram de forma bem-humorada nossa absoluta falta de vontade de trabalhar e desconforto no ambiente de trabalho.

Tipo esse reel do @daniloreiss em que ele explora o paradoxo da frase "POV: quero trabalhar, ganhar meu dinheiro, ser independente." versus a cena que representa ele indo ao trabalho, chorando e esperneando como uma criança.

Confesso que eu ri alto, com respeito! Ri porque me identifiquei. E, visto que esse conteúdo foi compartilhado mais de nove mil vezes, parece que muita gente se identificou.

danilo reiss_Reels

Como pesquisadora em tecnologias de comunicação digitais e consultora em diversas empresas, tenho notado o exponencial crescimento do humor nas redes sobre o ambiente de trabalho.

Por um lado, não surpreende. Afinal, muita gente está nas empresas e é natural fazer piada com os dilemas do cotidiano. Além disso, o humor faz sucesso e gera likes.

Mas acho que existem porquês mais profundos para essa onda.

Como disse, a grande humorista Marisa Orth (a Magda do "Sai de Baixo") em uma entrevista de anos atrás: "a bunda da piada é feia." Ou seja, usamos o humor para suportar e até desautorizar aquilo que nos faz mal.

E, sinceramente, acho que boa parte dos ambientes de trabalho têm nos feito mal.

Além disso, o humor é um imã para captar hipocrisias e dissonâncias cognitivas normalizadas e apresentá-las ao grande público.

Então, pensemos sobre alguns desses conteúdos:

Temos inúmeros Reels e memes que zoam da nossa cara de tédio nas famosas "reuniões que poderiam ser emails", nas quais todo mundo sabe que o que está sendo dito não dará em absolutamente nada…

Acho que aqui todos que já passaram por uma empresa se identificam. Não adianta falar em performance, dar o seu melhor etc. sem que possamos ser honestos como equipe, inclusive para apontar a perda de tempo.

Ou ainda, os maravilhosos vídeos da "Rê do time de People" (@aquela.miranda). Em especial aquele que ela fala sobre

as iniciativas da empresa para o Setembro Amarelo, de compromisso com prevenção ao suicídio: um webinar gratuito sobre saúde mental e um ebook "Ser feliz for dummies", o mascote "Amareludo" e o melhor, claro, cupom de desconto para terapia para os "collabers" que baterem metas primeiro…

Esse aqui me pegou fundo. Acho uma verdadeira prova de doença social quando empresas não apenas não tomam ações efetivas em prol da saúde mental, mas ainda utilizam para sua própria capitalização de marca, dentro e fora do ambiente de trabalho. Pode-se dizer que há ética ou justiça ou inclusão quando agimos assim?

Voltando ao tema desse texto: acredito que esse tipo de humor online seja um sintoma. E sintomas representam que algo não vai bem, mas também a possibilidade de diagnóstico e possível cura.

Vejo que estamos percebendo que muitas coisas não estão bem e estamos nos tornando menos receptivos à bullshitagem corporativa, ainda que ela venha imersa em palavras bonitas.

Acredito que, como profissionais da área – quer sejamos consultores, colaboradores, gestores ou líderes – precisamos:

1. Fugir dos discursos falsos e superficiais que validam soluções fáceis para problemas difíceis (como fazem muitas consultorias carésimas…);

2. Ter ética (fazer a coisa certa, porque ela é certa para as pessoas e não para nossa autopromoção);

3. Ter força o bastante para, primeiro, ser honesto e apontar aquilo que não faz sentido (por exemplo, as reuniões e-mail) e, segundo, escutar genuinamente as críticas que podem vir de qualquer lugar.

Enquanto ainda estamos nesse processo, acredito que sim, rir continua sendo um ótimo remédio . Mas tenhamos em mente que ele não é o único.


SOBRE A AUTORA

Laura Hauser é consultora em inovação e doutoranda do departamento de comunicação e semiótica da PUC/SP, onde desenvolve estudos sobre... saiba mais