Parece tinta, mas este revestimento permite coletar água do ar

Pesquisadores desenvolvem polímero capaz de resfriar prédios e captar água da atmosfera

Revestimento reflete luz e refresca
Divulgação Universidade de Sydney

Nate Berg 3 minutos de leitura

Com algo tão simples quanto uma demão de tinta, prédios poderão, em breve, refrescar o ar ao redor e ainda extrair litros de água diretamente da atmosfera.

Pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália, criaram um revestimento polimérico nanoestruturado que resfria superfícies e permite que elas coletem água, como folhas cobertas de orvalho. A ideia pode ajudar a combater o aumento das temperaturas e a crescente insegurança hídrica em diversas regiões do mundo.

O novo material – um revestimento branco e poroso que lembra tinta – reflete até 97% da luz solar e dissipa o calor para o ambiente, mantendo as superfícies até 10 graus mais frias do que o ar ao redor, mesmo sob sol forte. Com essa queda de temperatura, o vapor presente no ar se condensa como orvalho sobre a superfície lisa do revestimento, onde pode ser coletado. Em um teste recente, uma área de cerca de um metro quadrado foi capaz de coletar aproximadamente 390 mililitros de água em um único dia.

A pesquisa foi liderada por Chiara Neto, professora do Nano Institute e da Faculdade de Química da Universidade de Sydney. Neto também é cofundadora da startup Dewpoint Innovations, startup que está levando o revestimento ao mercado. “Nosso objetivo era enfrentar a escassez de água, oferecendo uma fonte sustentável e descentralizada que funciona de maneira totalmente passiva”, afirma.

TINTA REFLETIVA 2.0

Tintas que refletem a luz solar já são usadas há anos para diminuir a temperatura dentro dos edifícios, caminhões de entrega e até playgrounds. O novo revestimento parte dessa ideia, mas dá um passo além: ele aproveita o ar mais frio que se forma quando o calor é refletido, criando uma superfície na qual o vapor d’água pode se condensar. E como o material é poroso, ele resiste melhor ao desgaste do que tintas reflexivas comuns – e, por isso, coleta mais água.

Universidade de Sydney

De acordo com um estudo publicado na revista “Advanced Functional Materials”, o potencial de resfriamento e captação de água é grande. Os pesquisadores monitoraram o desempenho do material por seis meses em testes ao ar livre no telhado de um prédio da universidade. Superfícies especialmente preparadas e instrumentos de medição registraram a temperatura e o volume de água coletada minuto a minuto, além de dados meteorológicos, para identificar as melhores condições de funcionamento.

Com esses dados, eles criaram um modelo teórico para estimar a captação de água em outras regiões da Austrália – e descobriram que a área com maior potencial fica no nordeste do país. Neto afirma que o modelo pode ser aplicado a outros lugares do mundo, ajudando a encontrar áreas onde o revestimento seria mais útil.

“As áreas mais adequadas para o resfriamento passivo são aquelas com céu geralmente limpo e níveis de umidade que não sejam nem muito altos nem muito baixos – algo perto de 80% de umidade relativa”, explica. “Assim, a superfície resfria mais e condensa mais água.”

Ela ressalta que o revestimento precisa estar ao livre para funcionar melhor. “Nas paredes, ele ainda proporciona algum resfriamento, mas não tanto quanto no telhado”, diz Neto. O ideal é aplicá-lo em superfícies levemente inclinadas – cerca de 30 graus – para facilitar o escoamento da água condensada.

Universidade de Sydney

Mas mesmo em regiões onde o ar é seco demais para produzir muito orvalho, o revestimento ainda traz benefícios, como diminuir a temperatura ambiente e reduzir a demanda de energia nos edifícios. Embora não tenha sido projetado para revestir pisos, Neto afirma que ele pode ser aplicado em superfícies planas ou inclinadas próximas a quadras esportivas, parques, abrigos de animais e outros espaços.

Se usado em larga escala, o revestimento poderia se tornar uma fonte constante – embora modesta – de água. O estudo aponta que cada metro quadrado de superfície coberta com o material pode coletar até 390 mililitros de água por dia. Em um prédio inteiro, isso pode significar vários litros diários. 

Pode parecer pouco, considerando que uma pessoa nos EUA consome, em média, mais de 560 litros por dia, mas o volume de água coletada pode aumentar significativamente se mais edifícios receberem o revestimento – ou já forem projetados com o material desde o início.

Essa forma de captar água “abre caminho para fontes sustentáveis, de baixo custo e descentralizadas de água potável – algo essencial diante das mudanças climáticas e da crescente escassez hídrica”, conclui Neto.


SOBRE O AUTOR

Nate Berg é jornalista e cobre cidades, planejamento urbano e arquitetura. saiba mais