Assédio e abusos contra funcionários mostram que o cliente nem sempre tem razão

A pressão por agradar a qualquer custo alimenta abusos e afeta a saúde emocional de quem trabalha no atendimento ao público

Ambiente tóxico de trabalho
Créditos: SvetaZi e AzmanL via Getty

Megan Carnegie 4 minutos de leitura

Houve um tempo em que dizer que “o cliente tem sempre razão” era sinônimo de bom atendimento. Hoje, esse lema parece ter saído do controle. O que começou como bom senso nos negócios acabou se transformando em uma espécie de servidão corporativa, que coloca os funcionários no papel de escudos humanos diante de comportamentos abusivos.

“A ideia de que ‘o cliente tem sempre razão’ virou um passe livre para as pessoas se comportarem como quiserem, sem sofrer consequências”, afirma Gordon Sayre, professor da Emlyon Business School, em Lyon, na França, que pesquisa os impactos dessa mentalidade sobre os trabalhadores. “Isso cria um sentimento de direito absoluto – e ele é facilmente abusado, deixando os funcionários quase sem possibilidade de reagir.”

Em uma pesquisa de 2025 com 21 mil trabalhadores da linha de frente nos Estados Unidos, nos setores de saúde, alimentação, educação, varejo e transporte, mais da metade (53%) relatou ter lidado recentemente com clientes verbalmente abusivos ou hostis.

E esse comportamento está se tornando cada vez mais comum. De acordo com a pesquisa anual National Customer Rage, da Arizona State University, 43% dos consumidores nos EUA admitem ter levantado a voz para demonstrar insatisfação, contra 35% em 2015. Desde 2020, o número de pessoas que buscam algum tipo de “vingança” por frustrações mais do que triplicou.

Esse tipo de situação cobra um preço alto. Funcionários que lidam com esse tipo de abuso têm o dobro de chance de dizer que o trabalho está prejudicando sua saúde física e quase o dobro de chance de se sentirem inseguros no ambiente profissional, segundo dados da plataforma de análise Perceptyx.

A GESTÃO NÃO FICA DO LADO DE QUEM ATENDE

Madison trabalha como garçonete há mais de dez anos, tendo passado por estabelecimentos modestos e de alta gastronomia. Hoje, atua em um restaurante de Nova York que já teve uma estrela Michelin e, há muito tempo, se acostumou com a devoção do setor à ideia de que “o cliente tem sempre razão”.

Ela vê isso se repetir todas as noites, geralmente quando alguém insiste que um prato não foi preparado corretamente – ou simplesmente admite que não gostou. “Existe um tipo muito específico de pessoa que fica embriagada com o poder e passa a agir de forma grosseira e abusiva”, conta.

O problema é que essa mentalidade acaba premiando o mau comportamento. Recentemente, um cliente afirmou ter consumido apenas uma cerveja – quando estava claro que foram duas. “O gerente não apoiou meu colega, e o cara acabou pagando só uma, o que no fim sai do nosso fundo de gorjetas”, diz Madison. “Ele pode até ter saído meio irritado, mas conseguiu exatamente o que queria.”

"Há um tipo de pessoa que fica embriagada com o poder e passa a agir de forma grosseira e abusiva”

A maioria dos profissionais do setor de serviços ouvidos pela Fast Company relatou a mesma situação: oferecer bebidas, sobremesas ou até isentar a conta inteira virou algo comum sempre que alguém reclama. Essa generosidade, porém, acontece justamente em um momento em que bares e restaurantes menos conseguem absorver esse tipo de custo.

Na era das avaliações online, todo cliente insatisfeito vira uma enorme dor de cabeça para o negócio. Uma única postagem pode arruinar a reputação de um estabelecimento – e citar funcionários pelo nome virou prática comum.

Para evitar esse tipo de exposição negativa, as empresas estão abrindo mão de parte do lucro, fazendo concessões para garantir as tão cobiçadas avaliações de cinco estrelas. Até mesmo uma avaliação mediana de três estrelas – que muitos consumidores enxergam como uma experiência razoável ou aceitável – pode comprometer seriamente a visibilidade de um negócio em plataformas como Yelp ou Google.

Para quem está na linha de frente, essas críticas pesam ainda mais. Uma queda na avaliação pode significar ser transferido para uma área menos movimentada ou perder um turno lucrativo. E, na economia das plataformas, em que algoritmos decidem quem trabalha e quem não trabalha, uma única avaliação negativa pode significar menos oportunidades – ou nenhuma.

Danielle, dona de um salão de beleza em Washington, nos EUA, lembra de quando uma cliente insatisfeita não apenas deixou uma avaliação negativa, como mobilizou outras 200 pessoas para fazer o mesmo. “Não faço ideia de como ela conseguiu tanta gente, mas foi desesperador ver uma enxurrada de avaliações de uma estrela”, conta. Danielle já tentou contato com Google e Yelp, mas as plataformas se recusaram a remover os comentários.

O verdadeiro problema dessa lógica não são apenas as reclamações ou a perda de gorjetas. É o desgaste emocional de ter que continuar sendo educado enquanto se é tratado como um saco de pancadas.

"O trabalho emocional é profundamente desvalorizado"

Rose Hackman, autora de “Emotional Labor: The Invisible Work Shaping Our Lives and How to Claim Our Power” (Trabalho emocional: o trabalho invisível que molda nossas vidas e como reivindicar nosso poder), entrevistou trabalhadores de diversos setores para seu livro e chegou a uma conclusão clara: muitas vezes, o que mais importa não é o serviço em si, mas o sorriso.

“O trabalho emocional é profundamente desvalorizado, feminilizado e invisibilizado, apesar de ser um dos mais centrais da nossa economia”, conclui Hackman. “Precisamos valorizá-lo muito mais.”

E essa responsabilidade não é só dos consumidores – ela também é das empresas. Até que essa cultura mude de verdade, os funcionários terão que continuar lidando com essa realidade.


SOBRE A AUTORA

Megan Carnegie é jornalista e escreve sobre tecnologia, negócios e trabalho. saiba mais