Por que eficiência sem relação não leva à alta performance?

As lições de Stanford para construir times extraordinários

Entrevista com Carole Robin
Créditos: freepik.com e Alona Horkova via Getty

Carol Romano 10 minutos de leitura

Em um mundo em que empresas disputam quem automatiza mais rápido, quem mede mais coisas e quem faz mais com menos, a renomada professora Carole Robin começa pelo oposto: gente. E não é discurso motivacional. É estratégia de construção de alta performance.

Por décadas, ela ensinou o lendário curso de Dinâmicas Interpessoais na escola de negócios de Standford. Depois, cofundou a Leaders in Tech, iniciativa para formar líderes do Vale do Silício a partir de uma premissa simples e nada óbvia para o ambiente de tecnologia: negócios são feitos entre pessoas, e não entre máquinas, processos ou planilhas.

Mês passado, durante a minha participação em uma das vivências do Leaders in Tech que aconteceu em Napa Valley, me juntei a um grupo de doze investidores de tecnologia do Vale para experimentar a metodologia, e aproveitei para entrevistá-la. 

A primeira pergunta que coloco para ela vai direto ao dilema de praticamente todo executivo hoje: Como construir relações de confiança sem perder eficiência?

Ela não desvia.“Essa é uma falsa dicotomia. As pessoas acham que precisam sacrificar eficiência para cuidar das relações. Eu diria o contrário: quanto mais forte é o relacionamento, mais eficiente ele se torna, e mais eficiente o trabalho em conjunto também.”

A tese é desconfortável, principalmente para culturas que tratam tudo que é “humano” como custo indireto. Mas Robin insiste: a maior perda de produtividade não está em processos mal desenhados, nem em tecnologia defasada. Está no atrito invisível entre as pessoas.

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Quando não sabemos o que o outro está pensando, começamos a adivinhar. Quando ninguém fala o que incomoda, o conflito não desaparece — ele migra para o corredor, para o chat privado, para a decisão adiada. Quando não há confiança, a energia do time é sugada para gerenciar medo, ressentimento e suposições. E isso não entra em nenhum KPI.

“Pense em quanto tempo e energia são desperdiçados quando eu não sei o que está acontecendo com você e tenho que adivinhar, e você não sabe o que acontece comigo e tem que adivinhar também. A gente adivinha errado, age em cima disso, e tudo fica mais lento”, diz.

É aqui que ela introduz um ponto que, em um ambiente obcecado por performance, soa quase herético: antes de falar em eficiência, é preciso falar de relação.

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Com o intuito de investigar o que times de alta performance fazem diferente e quase ninguém nomeia, minha segunda pergunta gira em torno de quais comportamentos diferenciam times altamente eficientes daqueles “apenas bons”? 

Carole não fala de cargo, organograma ou bônus. Ela fala de relação.

Carol Romano e Corole Robin

Ao longo da pesquisa e da prática, ela chegou a alguns marcadores de relações saudáveis. Nem todas precisam ser “excepcionais”, mas todas precisam ser minimamente sólidas para que o trabalho aconteça sem corrosão constante. Ela agrupa em dois blocos.

No primeiro, está a disposição de se tornar conhecido e de confiar. Não no sentido de exposição descontrolada, mas de revelar o suficiente para que o outro consiga, de fato, trabalhar com você, e não com uma persona corporativa genérica. É um jogo de recíprocidade: eu compartilho um pouco, você compartilha um pouco. A confiança cresce em camadas.

No segundo bloco, entra o que a maioria das organizações declara querer, mas poucas sustentam na prática: honestidade real, capacidade de enfrentar conflitos de forma produtiva e compromisso com o crescimento mútuo. Equipes fortes, diz ela, são aquelas em que as pessoas falam a verdade umas às outras. Inclusive quando dói.

“Se o seu comportamento está me afastando, não é melhor você saber disso?”, provoca. “Se eu simplesmente passo a te evitar, você não tem chance de fazer diferente. Vai inventar histórias sobre mim, eu invento histórias sobre você, e a relação entra numa espiral disfuncional.”

Feedback deixa de ser um ritual de avaliação formal e vira infraestrutura de confiança

Nesse ponto, feedback deixa de ser um ritual de avaliação formal e vira infraestrutura de confiança. E aqui vem um ponto central do trabalho dela: não existe feedback efetivo sem emoção.

Para Carole, tentar dar feedback apenas no plano racional é como ouvir uma música só com metade das notas. Ela costuma dizer que, assim como a música é feita de agudos e graves, a comunicação humana é feita de pensamentos e sentimentos. Quando um lado falta, a experiência fica incompleta.

O exemplo que ela traz é didático. Não basta dizer “você me interrompe na reunião”. O que muda o jogo é algo como: “Quando você me interrompe na reunião, eu fico irritada e fico menos inclinada a trazer minhas ideias — mesmo quando você diz que quer ouvir todo mundo.” É concreto. É emocionalmente honesto. E é acionável.

NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE CONFIANÇA, QUAL O PAPEL DO LÍDER?

Outro eixo que atravessa toda a fala de Carol é o tema do poder. Para ela, não é aceitável romantizar vulnerabilidade sem falar de assimetria: quem tem mais poder, deve arriscar primeiro.

“Há sempre diferenças de poder nas organizações. E quem tem mais poder deve assumir o primeiro risco”, afirma. “Pedir que a pessoa em posição mais vulnerável seja a primeira a se expor é injusto.” Na prática, isso significa que a responsabilidade por abrir conversas difíceis, admitir dúvidas ou pedir ajuda é, antes de tudo, da liderança. Não como gesto simbólico isolado, mas como padrão.

"Quem tem mais poder deve assumir o primeiro risco.”

Modelar a expressão da vulnerabilidade, e não um colapso emocional em público, é parte do trabalho. Ao fazer isso, o líder não só desmonta o mito do “eu sei tudo”, como também cria espaço psicológico para que o time fale a verdade para cima, e não só para os lados.

É aqui que entra um conceito chave: vulnerabilidade apropriada. Carole é crítica tanto do líder que finge que está tudo bem quanto daquele que despeja angústia bruta sobre o time.

Ela conta o caso hipotético de uma VP de Marketing que perdeu participação de mercado por três meses seguidos. Diante do time, ela teria três caminhos. No primeiro, o da negação triunfalista, ela poderia dizer que “está tudo ótimo” e que “estamos indo muito bem”. Não haveria credibilidade alguma.

No segundo, o da exposição sem contorno, ela poderia admitir que não faz ideia do que está acontecendo, que se sente péssima e que talvez nem devesse ocupar o cargo. É honesto, mas desorganiza, não oferece direção e tende a gerar insegurança generalizada. O terceiro caminho, que Robin considera o mais saudável, é dizer algo como: “Perdemos participação três meses seguidos. 

É vulnerabilidade, mas com propósito: admitir limites, convocar o coletivo, manter o foco no problema, não no drama.

Eu gostaria de estar aqui dizendo que sei exatamente o que está acontecendo, mas não sei. Tenho algumas hipóteses, e nunca precisei tanto de vocês quanto agora. Acredito que juntos teremos ideias melhores do que as minhas.” É vulnerabilidade, mas com propósito: admitir limites, convocar o coletivo, manter o foco no problema, não no drama.

A sugestão é sair apenas um pouco da zona de conforto a cada vez, e não tentar um salto que deixe todo mundo desregulado. Você se arrisca de pouco em pouco além do que é confortável, o outro também, vocês se acostumam com esse novo patamar e, então, avançam de novo. Ao longo do tempo, a zona de conforto relacional se expande. É assim que relações se aprofundam sem implodir.

EM TEMPOS DE IA, O QUE DÁ E O QUE NÃO DÁ PARA AUTOMATIZAR?

Quando a conversa chega à Inteligência Artificial, a visão de Carol escapa tanto do entusiasmo ingênuo quanto da rejeição automática. Ela própria tem uma “Carol Robin AI”,  um sistema que ajuda ex-participantes dos cursos a acessarem conceitos antes de reuniões importantes, em mais de cem idiomas.

Ela acredita no potencial da tecnologia para apoiar desenvolvimento, mas desenha uma fronteira clara: IA pode fazer muita coisa melhor do que humanos, mas não substitui a experiência de seguir alguém.

“Eu não acho que as pessoas vão começar a seguir uma IA”, diz. “Negócios ainda são feitos entre seres humanos. Esquecer isso é um risco enorme.” O risco, para ela, não é usar IA para se preparar melhor, pensar cenários, organizar informações. O perigo está em usá-la como substituto de conexão social, algo que já aparece e, segundo ela, em histórias preocupantes envolvendo jovens que se isolam em relações exclusivamente mediadas por tecnologia.

“Negócios ainda são feitos entre seres humanos. Esquecer isso é um risco enorme.”

A solução não é demonizar IA, mas recolocar o foco no que só o humano pode oferecer: presença, leitura emocional, toque, nuance, responsabilidade afetiva.

AS COMPETÊNCIAS QUE VOCÊ ENSINA PODEM AJUDAR A RECONSTRUIR DIÁLOGO EM SOCIEDADES POLARIZADAS?

A resposta é imediata: podem, e precisam. A lógica é a mesma das equipes: quando não há relação, não há incentivo para buscar qualquer “terceiro caminho”. Eu estou certo, você está errado, e o resto é guerra. Quando há algum grau de vínculo, discordar deixa de ser sinônimo de romper. Continuamos podendo divergir de forma intensa, mas sem desumanizar o outro. E isso abre espaço para compromissos criativos — nem 100% sua solução, nem 100% a minha.

Nesse sentido, habilidades relacionais deixam de ser “soft skills” e passam a ser competências democráticas.

O QUE É UM T-GROUP? É VERDADE QUE VOCÊ APRENDE SOBRE HUMANIDADE TODA VEZ QUE CONDUZ UM?

Ela faz uma pausa, talvez a mais longa de toda a conversa, e responde:

“Aprendo que esse trabalho é incrivelmente difícil. E que a maioria das pessoas está lutando para se reconectar com algo que veio naturalmente na infância: ser direto, ser vulnerável, dizer o que está sentindo. Essas habilidades foram socialmente arrancadas das crianças. O T-group é sobre ajudá-las a reencontrar isso. É uma tragédia termos perdido essas capacidades.”

É um diagnóstico duro. Mas, na forma como ela fala, há menos nostalgia e mais uma convocação: recuperar essas capacidades não é luxo emocional, é requisito para trabalhar, liderar e viver em sociedades complexas.

As dinâmicas em T-Group são ambientes sem roteiro, onde cada um testa, em tempo real, como impacta e é impactado pelo outro. “Ali, o espinafre no dente aparece”” explica Carole.. Não é sobre teoria. É vivência.

“Quanto mais eu permito que você saiba sobre mim, mais o espaço entre nós fica honesto."

Existe o que eu sei sobre mim e você sabe. Existe o que eu sei sobre mim e você não sabe, minha área privada. Existe o que você sabe sobre mim e eu não sei, o espaço cego. E existe o desconhecido de ambos. A transformação acontece exatamente na fronteira entre essas dimensões, quando abertura e feedback circulam.

“Quanto mais eu permito que você saiba sobre mim, mais o espaço entre nós fica honesto. Quanto mais você me diz o impacto que causo, mais minha consciência se expande.” Acessar esses espaços é o objetivo do T-Group. É simples. É desconfortável. É poderoso.

Antes de qualquer exercício, os facilitadores provocam o grupo a acessar emoções concretas, o que sentiram desde o momento em que chegaram, desde a fila de registro até a primeira atividade. Medo, curiosidade, empolgação, irritação. Nomear isso não é psicologismo, é ferramenta. É o que lubrifica o diálogo honesto. Quando alguém fala do que sentiu, não do que acha, não do que interpreta, algo sólido aparece: presença influente.

VOCÊ ARRISCARIA UMA ÚNICA REEGRA PARA MELHORAR QUALQUER RELACIONAMENTO?

“Comprometam-se a aprender a serem mais competentes interpessoalmente, juntos.” É simples. Não é fácil. E talvez seja exatamente por isso que seja o tipo de frase que não sai da cabeça.

Num cenário em que empresas correm para escalar IA, reorganizar estruturas e extrair mais produtividade de cada minuto, Carol Robin nos lembra de algo quase óbvio — e, por isso mesmo, frequentemente negligenciado: a qualidade das nossas relações é o sistema operacional invisível sobre o qual todo resto roda.

Até acertarmos esse nível, todo ganho de eficiência será, no máximo, provisório.


SOBRE A AUTORA

Carol é cofundadora da consultoria de inovação Futuro Co. É estrategista de negócios, especialista em cultura organizacional e futuro ... saiba mais