Use com sabedoria. IA sem contexto leva à armadilha das “falsas certezas”

Sem contexto, estratégia e questionamento, a tecnologia transforma pontos cegos em riscos sistêmicos para as organizações

IA sem contexto
Créditos: koya79, xefstock via Getty Images

Louisa Loran 5 minutos de leitura

A inteligência artificial está por toda parte. Ela pauta discussões em reuniões de conselho, ajuda a definir prioridades, regula o acesso à informação e molda a experiência dos consumidores. Mas, embora prometa análises mais precisas e decisões mais rápidas, também amplia pontos cegos que líderes já têm dificuldade de perceber.

O paradoxo é claro: a IA pode ampliar o campo de visão, mas, sem o discernimento necessário, acaba fazendo o oposto. E quando esses pontos cegos encontram a velocidade da adoção da inteligência artificial , os efeitos disso se multiplicam.

O padrão se repete: a tecnologia não para diante dos pontos cegos. Em vez disso, muitas vezes apaga os sinais – até que a vantagem competitiva, quase sem ser notada, se transforme em algo comum.

A seguir, três maneiras pelas quais a IA amplia esses pontos cegos e como reduzi-los.

1. DADOS SEM CONTEXTO CRIAM FALSA SENSAÇÃO DE SEGURANÇA

Toda inteligência artificial é moldada pelo que consegue acessar. A IA generativa funciona com base em probabilidades. Os agentes de IA atuam a partir dos dados com os quais foram treinados. Em ambos os casos, sua utilidade depende da capacidade de compreender o contexto.

É aí que surge o primeiro ponto cego: líderes começam a tratar as respostas da inteligência artificial como se fossem a própria realidade, esquecendo que o sistema é limitado pelos dados que recebe. Um painel pode estar todo “verde”, ou a IA pode oferecer respostas muito precisas – mas precisão sem contexto produz apenas uma falsa sensação de segurança.

Isso lembra um problema bastante conhecido: a dependência excessiva de KPIs fixos pode fazer o desempenho interno parecer positivo, enquanto deixa de refletir mudanças reais no mercado.

Já vi equipes bem-intencionadas trabalhando em sentidos opostos: uma sendo premiada por aumentar o ticket médio com adicionais, enquanto outra penaliza clientes que ajustam pedidos – anulando esforços, afastando clientes e destruindo valor.

Trate os dados como um cenário a ser testado, não como um painel a ser confirmado.

Em todos esses casos, a armadilha é a mesma: quando os dados se descolam do contexto, líderes passam a otimizar o que é fácil de medir, e não o que realmente importa. A disponibilidade acaba sendo confundida com confiabilidade.

Como lidar com o ponto cego: mude o foco de validar o que você já monitora para explorar o que você ainda não vê. Trate os dados como um cenário a ser testado, não como um painel a ser confirmado.

Pergunte onde as contradições aparecem, onde os sinais entram em conflito e onde as extremidades do sistema revelam algo diferente do centro. Os pontos cegos diminuem quando os líderes são curiosos o suficiente para explorar anomalias em vez de simplesmente explicá-las.

2. TERCEIRIZAR O JULGAMENTO ESVAZIA O VALOR CENTRAL

Outro ponto cego surge quando responsabilidades demais são transferidas para sistemas externos ou parceiros. Ao terceirizar o julgamento sem integrar sua própria expertise ao processo, líderes correm o risco de enfraquecer justamente o que torna o negócio único.

Pense assim: existe o conhecimento individual, o conhecimento coletivo dentro da organização e o conhecimento acumulado globalmente. As empresas tentam, naturalmente, aproveitar essa inteligência coletiva – então por que, quando se trata de IA, tantas deixam de compartilhar, contextualizar e atualizar ativamente esse conhecimento?

O ponto-chave é saber com clareza o que realmente diferencia a organização e garantir que esse conhecimento não seja simplesmente entregue. A terceirização de centrais de atendimento, por exemplo, pode gerar economias significativas, mas também transfere para fora da empresa aprendizados valiosos sobre os clientes.

Com a IA, esses aprendizados se acumulam rapidamente. O que começa como ganho de eficiência pode terminar em comoditização, quando o que torna o negócio único acaba absorvido por um modelo de terceiros – especialmente se não houver clareza sobre como a IA está sendo usada.

Como lidar com o ponto cego: embora a IA seja essencial para a eficiência e as operações futuras, a estratégia deve vir em primeiro lugar. Conheça sua proposta — o valor hoje e no futuro — e construa sua abordagem de IA com base nisso, não na disponibilidade de software pré-treinado, nas taxas de parceiros ou na conveniência do que outros já oferecem.

Pergunte-se quem se beneficia dos dados que você possui e quem tem acesso aos dados que poderiam ajudá-lo a crescer. Em muitos setores, isso se tornará a base para novos modelos de receita e parcerias mais sólidas — ou o caminho para eliminar aqueles que não possuem clareza estratégica.

3. A ARMADILHA COGNITIVA DO CONFORTO ALGORÍTIMICO

Mesmo com dados amplos, atualizados e uma estratégia bem definida, a IA ainda pode prender líderes em ciclos de confirmação. Algoritmos aprendem a partir de padrões – mas padrões não são sinônimo de insight. Eles reforçam o que é mais frequente, não necessariamente o que é mais revelador.

Pensar de novas formas exige novos contextos, mas muitos líderes tendem a voltar ao que já conhecem. Quanto mais instável e imprevisível o mundo se torna, mais difícil é resistir a esse impulso. A IA não corrige esse comportamento – ela o intensifica. Ela entrega a sensação de certeza que os líderes procuram, acelerando a transformação de suposições não testadas em estratégia.

Pensar de novas formas exige novos contextos, mas muitos líderes tendem a voltar ao que já conhecem.

O resultado é um estreitamento do olhar – mais convincente, mais rápido e mais difícil de perceber. Sem o devido cuidado, é assim que organizações acabam presas ao conforto de padrões familiares, enquanto concorrentes redesenham o mercado.

Como lidar com o ponto cego: a solução é manter os pés no chão o suficiente para perceber quando a certeza se torna conforto em vez de verdade. Isso significa questionar e eliminar suposições que não servem mais e permitir que a narrativa seja testada novamente à luz da realidade atual e futura.

A vulnerabilidade é o ponto de partida – não a fraqueza, mas um sinal de onde as suposições não foram atualizadas. Deixe-as vir à tona, reconheça o que seria necessário para você mudar de ideia, tenha curiosidade sobre o que poderia se encaixar e explore novas direções emergentes para moldar uma nova perspectiva.


SOBRE A AUTORA

Louisa Loran liderou o crescimento transformador em algumas das empresas mais respeitadas do mundo, como Diageo, Maersk e Google. Por ... saiba mais