Declínio cognitivo e exaustão: o impacto da IA ​​no desempenho dos funcionários

Apesar das muitas vantagens, a inteligência artificial também traz efeitos colaterais que precisam ser considerados ao incorporá-la à rotina de trabalho

Declínio cognitivo e exaustão
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Meg Rouje 4 minutos de leitura

A promessa da IA era facilitar nossas vidas: automatizar tarefas repetitivas, agilizar a comunicação e liberar tempo para o pensamento criativo. Mas e se essa mesma tecnologia, criada para aumentar a eficiência, estiver também contribuindo para o declínio cognitivo e o esgotamento profissional?

Desde que a inteligência artificial passou a fazer parte da rotina de trabalho, muitos gestores passaram a esperar que as equipes entreguem cada vez mais em menos tempo. Eles veem tarefas que antes levavam semanas sendo feitas em poucas horas – muitas vezes sem entender o processo por trás disso. 

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Ciência comprova que a IA nos deixa mais burros. Mas nem tudo está perdido

Por outro lado, a IA ainda comete muitos erros, o que obriga profissionais a revisar, ajustar e refazer quase tudo o que ela produz. Na prática, isso cria uma espécie de “inflação de trabalho”, que adiciona ainda mais demandas a rotinas já sobrecarregadas.

As expectativas aumentaram porque os gestores sabem que equipes que usam IA conseguem produzir mais rápido. O problema é que um trabalho bem-feito ainda requer tempo, foco e conhecimento técnico.

Um trabalho bem-feito ainda requer tempo, foco e conhecimento técnico.

“Estamos vendo que isso pode gerar muita rotatividade e um acúmulo de trabalho malfeito – especialmente quando a IA é usada por profissionais mais jovens”, diz Carey Bentley, CEO da Lifehack Method, empresa de coaching em produtividade. Quando falta experiência para avaliar criticamente o que a IA produz, muita gente acaba aceitando tudo como certo – o que pode resultar em erros ao custo de milhões de dólares para a empresa.

O QUE AS PESQUISAS MOSTRAM

Pesquisas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, mostram que depender da IA para pensar por nós, em vez de pensar com ela, leva ao chamado “descarregamento cognitivo” – quando terceirizamos o esforço mental de tal forma que, aos poucos, vamos perdendo parte da nossa capacidade de raciocínio, memória e pensamento crítico.

O estudo identificou quedas claras nessas habilidades em participantes que utilizam ferramentas de IA generativa em comparação com grupos de controle. Quando a inteligência artificial passa a substituir o pensamento, nossa capacidade de ter ideias próprias também diminui – afinal, o cérebro precisa ser exercitado para manter suas funções cognitivas.

Quando terceirizamos o esforço mental, perdemos parte da nossa capacidade de raciocínio, memória e pensamento crítico.

Quando somado ao aumento da produtividade que a inteligência artificial possibilita, o problema se torna ainda maior. Não estamos apenas entregando mais – estamos fazendo isso com capacidade mental reduzida. Revisamos materiais gerados por IA sem tempo para avaliar a qualidade, tomamos decisões sem refletir e produzimos conteúdos sem acionar os processos criativos que geram bons insights.

No longo prazo, essa sobrecarga se manifesta em pequenos erros, como esquecer de anexar um documento, deixar uma edição incompleta ou perder um prazo. Esses são os primeiros sinais de esgotamento. “Tudo começa de forma muito sutil, e é justamente por isso que passa despercebido na maioria das vezes”, explica Naomi Carmen, consultora empresarial especializada em liderança e cultura organizacional.

Esses deslizes não são preguiça, distração ou desinteresse. Quando gestores respondem a eles com cobranças e avaliações de desempenho – em vez de apoio –, o desgaste só aumenta.

FALTA DE TREINAMENTO

A maioria das pessoas que usa inteligência artificial nunca recebeu treinamento de verdade. Com isso, muita gente confunde uma resposta segura com uma resposta correta. O neurocientista David Eagleman chama isso de “ilusão do eco da inteligência” – a percepção de que a IA é inteligente porque soa convincente, quando, na prática, só reorganiza conhecimento humano que já existe.

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Sem entender como a inteligência artificial funciona, líderes acabam criando expectativas irreais que se espalham pelas organizações: entregas cada vez mais rápidas, cada vez melhores – algo difícil de sustentar por muito tempo. “Esperar que uma equipe use IA sem o treinamento adequado é como entregar uma Ferrari e achar que ela vai ganhar corridas automaticamente”, compara Bentley.

COMO USAR IA SEM ESGOTAR AS PESSOAS

A solução não é abandonar a inteligência artificial, mas usá-la com mais consciência. Aqui estão quatro formas de fazer isso:

  • Investir em treinamento adequado: contratar especialistas para revisar fluxos de trabalho, sugerir ajustes e ensinar as equipes a produzir entregas de qualidade.
  • Definir objetivos claros: ligar o uso da IA a metas específicas, em vez de sair adotando toda novidade que aparece. Missão e valores precisam vir antes da ferramenta.
  • Usar a IA como apoio, não como cérebro: deixá-la cuidar de pesquisas, rascunhos e organização de dados, mas manter o pensamento crítico e a criatividade nas mãos das pessoas.
  • Cuidar de quem faz o trabalho: vida pessoal, estresse e cansaço existem – ninguém sustenta um ritmo ditado por máquinas. A liderança precisa colocar o fator humano no centro das decisões, reconhecendo que políticas e expectativas devem refletir a complexidade da vida real, não apenas métricas de produtividade.

Em um mundo cada vez mais moldado pela inteligência artificial, desempenho sustentável depende de empatia, de conexão e de espaço para a criatividade. Ambientes de trabalho saudáveis – onde as pessoas conseguem descansar, se expressar e até se divertir – fortalecem o engajamento, a capacidade de resolver problemas, a inovação e a eficiência. A IA pode ser uma grande aliada, mas só quando é usada com cuidado, mantendo o ser humano no centro.


SOBRE A AUTORA

Meg Rouje é estrategista de marcas, consultora de cores, autora e artista. saiba mais