5 perguntas para Paulo Rogério Nunes, futurista e autor

Nunes é cofundador do Vale do Dendê e foi homenageado pela Most Influential People of African Descent como um dos 100 futuristas mais influentes do mundo

5 perguntas com Paulo Rogério Nunes, futurista
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Camila de Lira 5 minutos de leitura

Entre festas, retrospectivas e listas de desejos para 2026, que tal um tempinho para falar de 2050. O autor, futurista e consultor de inovação Paulo Rogério Nunes nos convida a conversar e criar as bases para as próximas décadas. Um espaço em que a utopia ganha da distopia.

Nunes é cofundador do Vale do Dendê, empresa de aceleração de startups de Salvador, na Bahia, e foi homenageado pela plataforma global Most Influential People of African Descent como um dos 100 futuristas mais influentes do mundo. Ele já participou de encontros com Barack Obama e lidera a conversa sobre afro-empreendedorismo com publicações como Oportunidades Invisíveis (2019) e Um outro futuro (ainda) é possível (2025).  

Essas cinco perguntas são diferentes do que já fizemos. Sorteamos 4 perguntas da nova publicação de Nunes: Vamos falar de Futuro, um livro-caixa que contém 100 perguntas para discutir tendências de tecnologia e para incentivar o pensamento de cenários de futuro. 

Como já é quase ano novo, feliz 2050!

FC Brasil - O que significa construir o futuro?

Paulo Rogério Nunes - Significa especular de uma maneira propositiva sobre cenários possíveis. Construir o futuro significa também a gente escolher qual caminho quer seguir, se é o da utopia ou da distopia. Em geral, as séries ficcionais e filmes futuristas usam a lógica da distopia. Filmes como Blade Runner, Matrix, Minority Report têm essa ideia de que o futuro será apocalíptico. Entendo essa escolha da ficção, mas isso nos leva a pensar que o futuro será, fatalmente, dessa forma.

A gente precisa pensar em novas perspectivas de futuros mais utópicos, onde possa ter base para construção de um cenário mais inclusivo, que tenha integração com o meio ambiente, onde a vida humana seja, de fato, preservada na Terra em harmonia com outros elementos da natureza. Construir esses futuros significa atuar no presente de maneira concreta, colocando as bases, semeando esses cenários mais plausíveis. Especialmente, que sejam mais para o lado da utopia. 

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FC Brasil - Para você, qual será o papel da espiritualidade em um mundo cada vez mais tecnológico?

Paulo Rogério Nunes - Creio que a espiritualidade terá um papel importante porque as relações estão cada vez mais rasas, artificiais, mediadas pela tecnologia e por telas. A espiritualidade será a válvula de escape, o caminho alternativo para religar as pessoas com o seu propósito e com o seu próprio entendimento de como o mundo precisa ser e estar. 

"A espiritualidade será a válvula de escape, o caminho alternativo para religar as pessoas com o seu propósito"

Novas religiões vão surgir, religiões híbridas. Já vemos que há muitas pessoas usando tecnologia para consultar sobre questões pessoais, para tomar decisões íntimas e criar rituais. A gente vai viver um momento de religiões baseadas em tecnologia e em inteligência artificial, onde as pessoas vão cultuar os algoritmos. 

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FC Brasil - Na sua opinião, que grave problema que existe hoje e vai  futuro? Por quê?
Paulo Rogério Nunes - Um problema grave que não existe hoje nessa dimensão e que, com certeza, existirá no futuro será a dependência completa das tecnologias para a existência humana funcional. É algo que já existe hoje, mas que tende a se aprofundar. Por exemplo, se falta energia num prédio que usa reconhecimento facial, as pessoas ficam sem conseguir entrar em casa.

Hoje os dados bancários, os dados de identificação estão no celular e devem migrar para os aparelhos vestíveis. Daqui a 10, 15, 20 anos, esses dispositivos não serão mais o celular, mas sim óculos,  roupas, tudo integrado e conectado. Imagina um cenário em que isso é hackeado, ou em que os governos podem fazer um “shutdown” dessa tecnologia para alguns cidadãos. Isso vai criar um sistema de dependência funcional muito grande.

FC Brasil - Para você, o futuro será mais coletivo, mais individualista ou algo totalmente novo?

Paulo Rogério Nunes - Tem algumas respostas para essa pergunta. A primeira é uma análise superficial, que diz que o mundo será mais individualista, visto que hoje as pessoas já estão mais sozinhas em casa, assistindo a plataforma de streaming, evitando sair à noite. É um fato concreto que a tecnologia foi do coletivo para o individual. 

"As pessoas vão ter que reivindicar direitos coletivos e tomar atitudes coletivas para proteção, segurança."

Ao mesmo tempo, é possível que surja algo novo, mais coletivo. O ser humano vai precisar se agrupar ou em clusters ou em subculturas para sua própria sobrevivência. Uma das razões é o impacto que a automação e a robótica trarão no trabalho tradicional.

A meu ver, isso vai criar uma nova classe de coletividade quase  forçada, como os sindicatos do futuro, em que as pessoas vão ter que reivindicar direitos coletivos e tomar atitudes coletivas para proteção, segurança. Acho que o individualismo vai ser mais preponderante no curto prazo mas, no longo prazo, poderá existir uma identidade mais coletiva.

FC Brasil - Você confiaria mais em um governo administrado por uma IA do que por humanos? Por quê?

Paulo Rogério Nunes - Parece sedutora a ideia de confiar mais num algoritmo do que em políticos em carne e osso, até pelo histórico que temos no Brasil. Mas sabemos que as decisões tomadas somente por algoritmos podem ser enviesadas pelas bases de dados e pelos prompts. Por isso, eu creio que o melhor cenário seria um governo híbrido, em que as tecnologias vão investigar a corrupção e poderão ajudar a gerir políticas públicas.

Os algoritmos podem ser aliados dos tomadores de decisão, podem apoiar a criação e a execução de leis e, porque não, criar novos mecanismos de participação popular.  


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais