Começar pelo mais difícil torna seu dia mais fácil. A ciência comprova

Pesquisas recentes comprovam a eficácia deste velho truque de produtividade

Começar pelo difícil
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David Robson 4 minutos de leitura

A Revolução Francesa pode parecer um cenário improvável para encontrar uma dica de produtividade, mas foi durante este período, nos anos 1790, que o satirista francês Nicolas Chamfort deixou um conselho bastante direto para encarar os desafios do dia a dia.

“É preciso engolir um sapo pela manhã se não quiser encontrar nada mais nojento no resto do dia”, escreveu. Em outras palavras, comece pela tarefa que você mais evita, e tudo o que vier depois vai parecer mais fácil.

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O nome de Chamfort acabou caindo no esquecimento, mas a imagem perturbadora resistiu ao tempo e virou um mantra conhecido de produtividade. A ideia chegou até a inspirar um livro de autoajuda que se tornou best-seller nos anos 2000. A pergunta é: isso realmente funciona?

Foi apenas nos últimos anos que cientistas passaram a investigar essa estratégia – e os resultados indicam que “engolir o sapo” pode ser surpreendentemente eficaz, aumentando a sensação de satisfação, a motivação e o desempenho no trabalho, além de ajudar as pessoas a chegarem ao fim do dia se sentindo menos exaustas. Basta criar coragem e encarar o desafio.

Mulher trabalhando feliz
Créditos: Freepik.

É natural torcer o nariz para essa ideia, já que ela vai contra a crença de que sempre deveríamos começar pelo mais fácil. Em geral, acreditamos que assim vamos ganhando confiança aos poucos – mas essa suposição está errada. Rachel Habbert e Juliana Schroeder, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, demonstraram isso pela primeira vez em 2020.

Em uma série de experimentos, as pesquisadoras pediram que os participantes avaliassem diferentes palavras cruzadas e escolhessem a ordem em que gostariam de resolvê-las. A grande maioria preferiu deixar as mais difíceis para o final, acreditando que isso ajudaria a ganhar confiança ao longo do processo.

“Engolir o sapo” logo no início permitiu que as pessoas encerrassem a atividade em alta.

Para verificar se essa preferência fazia sentido, Schroeder e Habbert pediram então que os participantes as resolvessem em ordem crescente ou decrescente de dificuldade.

Contrariando as expectativas iniciais, aqueles que começaram pelas mais difíceis terminaram se sentindo muito mais confiantes do que os que fizeram o inverso. Ao que tudo indica, “engolir o sapo” logo no início permitiu que essas pessoas encerrassem a atividade em alta.

FORA DO LABORATÓRIO 

Esses resultados dialogam com uma descoberta posterior de Edward Lai, professor assistente de marketing da Universidade Politécnica de Hong Kong. Ele se inspirou, em parte, na chamada “regra do pico-fim”. Em termos simples, esse princípio diz que nossa memória de uma experiência é influenciada principalmente pelos momentos mais intensos e pela forma como ela termina, enquanto a duração total tende a ser deixada de lado.

Nossa memória é influenciada principalmente pelos momentos mais intensos.

Nos experimentos originais que descrevem esse fenômeno, o psicólogo Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel e professor da Universidade de Princeton, nos EUA, pediu que os participantes mergulhassem uma das mãos em água fria a 14 °C por 60 segundos.

Depois de secarem a mão, eles repetiram o procedimento com a outra, na mesma temperatura e pelo mesmo tempo, mas com um acréscimo de 30 segundos em água um pouco menos fria, a 15 °C. Em seguida, tiveram que escolher qual das duas experiências gostariam de repetir. A resposta lógica seria a primeira, mas a maioria escolheu a segunda, simplesmente porque terminava de forma menos desagradável.

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Lai e seus colegas quiseram entender como esse efeito poderia se aplicar no trabalho. Para isso, atribuíram a alguns participantes tarefas administrativas comuns, como organizar livros em ordem alfabética ou responder a dúvidas de clientes.

Alguns receberam apenas uma lista de tarefas. Outros, além disso, receberam uma segunda, com tarefas mais fáceis.

Mesmo tendo trabalhado mais no total, as pessoas que receberam as tarefas extras sentiram que haviam se esforçado menos do que aquelas que lidaram apenas com as tarefas principais – e, como consequência, se sentitsm mais satisfeitas. Elas também demonstraram maior persistência.

Embora experimentos de laboratório tenham limitações, esses resultados já foram replicados em contextos reais.

Em um estudo de uma semana, Chen Zhang, professor de liderança e gestão organizacional da Universidade Tsinghua, em Pequim, e seus colegas incentivaram 83 profissionais do conhecimento de uma empresa de tecnologia da informação a reorganizar suas rotinas para se dedicar aos maiores desafios do dia logo pela manhã.

Como os achados de Schroeder e Lai já sugeriam, essas pessoas encerraram o dia de forma mais positiva e com menor sensação de cansaço ao sair do trabalho. Uma segunda pesquisa, realizada em uma empresa de comércio eletrônico, mostrou que essa estratégia também pode aumentar a produtividade. Os supervisores relataram, por exemplo, que os participantes passaram a ir além de suas responsabilidades habituais depois de resolver primeiro as tarefas mais difíceis.


SOBRE O AUTOR

David Robson escreve sobre ciência e é autor, entre outro livros, de "The Scientific Secrets of Building a Strong Social Network" (Os ... saiba mais