Alegria que cura pode inspirar novas maneiras de trabalhar

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A primeira ideia que veio à mente de Wellington Nogueira quando viu um palhaço num hospital pela primeira vez foi: “isso é o futuro”. Ele só não sabia como. Corriam os anos 1980, Wellington vivia em Nova York e ainda demoraria alguns anos para fundar os Doutores da Alegria, que completam 30 anos em setembro. Muito tempo depois, em algum momento entre 2013 e 2014, quando começou a interagir com o Instituto do Futuro, em Palo Alto, e teve contato com “uma coleção de mentes brilhantes que olham o futuro de uma maneira muito alinhada com a minha”, ele passou a articular as conexões entre os Doutores e um novo conceito de vida profissional. Quando recebeu dos californianos a proposta de fazer apontamentos sobre o futuro do trabalho, resistiu de início. O que um clown que visita crianças em hospitais teria a dizer sobre o assunto?

Os futuristas de Palo Alto responderam que ele estava criando uma profissão do futuro. “Para mim, a figura do palhaço era muito importante pela sua capacidade de, ludicamente, introduzir novas formas de trabalhar, de uma maneira não ameaçadora”, nota Wellington. A base de sua pesquisa foi uma pergunta: como transpor o que a ONG faz no hospital para o ambiente corporativo? O idioma encontrado para essa tradução é o da ludicidade: “uma forma de olhar a vida sempre podendo dar um jeito, achar uma solução, como o palhaço faz”. Olhar uma situação e ver possibilidades. Um dos desafios que ele enxerga para isso é a dificuldade de confiar na simplicidade. “Porque o conceito de trabalho duro ainda é tão forte que, se chega ao resultado por um caminho lúdico, divertido, parece que você não está fazendo nada”, pondera. “É tanta patologia que, se você tiver uma atitude mais relaxada, ou é visto como trouxa ou não fará parte do jogo.”

“Para mim, a figura do palhaço era muito importante pela sua capacidade de, ludicamente, introduzir novas formas de trabalhar, de uma maneira não ameaçadora”

Essa cultura cobra seu preço. Wellington hoje faz parte de um grupo de professores de uma disciplina chamada Suicidologia. “Não é mórbido, não é lúgubre. Muito pelo contrário. Estamos vivendo as consequências de uma mudança de era: uma está morrendo; outra está nascendo”, nota ele. Esta fase de transição não é fácil. No entender de Wellington, a pandemia vem para fazer a humanidade parar e aproveitar a oportunidade para rever tudo – a começar pela relação do ser humano com o trabalho.

Há, no momento, uma sobrecarga de estímulos novos, associados a trabalhar de casa, lidar com a complexidade do lar-escritório, ver as jornadas de trabalho aumentarem no universo online. A bolha de trabalhadores que vive a pandemia em home office, em escala global, vai sair dessa com muita experiência e com muito problema de saúde mental para resolver. Logo, a sociedade vai precisar lançar mão de ações profiláticas.

O ócio criativo, conceito já celebrado e já esquecido, pode ganhar uma segunda chance. O sociólogo Domenico De Masi, criador da expressão, já dizia que a tecnologia nos ajudaria em tantas tarefas que sobraria tempo para criar. “Como tudo é cíclico, penso que estamos passando por algo que vai nos ajudar a criar obras incríveis, de novo ancoradas pela parceria entre arte e ciência que marcou o Renascimento”, diz Wellington. “Parece uma loucura falar, mas como é incrível estar vivo neste momento.”

“Como tudo é cíclico, penso que estamos passando por algo que vai nos ajudar a criar obras incríveis, de novo ancoradas pela parceria entre arte e ciência que marcou o Renascimento”

Pode até ser, mas muitas características negativas do trabalho se fortaleceram no primeiro ano pandêmico. A ameaça do 24 x 7 não diminuiu. A rigor, avançou no período da pandemia. “Essa exacerbação vem do medo, da insegurança”, nota Wellington. “A gente está tendo a oportunidade de trazer todo o lixo à tona.” Esse processo, segundo ele, ainda vai promover muita coisa ruim.

A mudança não vai ser do dia para a noite.

Quando ganhar escala e ritmo, porém, a chegada da nova era será, na visão dele, comparável à transição do que entendemos por escravidão para o trabalho livre. “De quantas formas você pode escravizar as pessoas?”, questiona Wellington. A sutil servidão corporativa contemporânea estaria chegando a seus momentos finais. “Quanto mais você exacerba, mais rápido vai para a conclusão do problema”, afirma ele.  

SANTO DE DEVOÇÃO

Os Doutores da Alegria estão fazendo 30 anos. A trupe foi fundada no dia 26 de setembro de 1991 – mas Wellington mudou a data oficial para 28, dia de São Judas, seu santo de devoção. Ele esteve à frente do grupo até o final de 2016. Em 2018, Wellington dedicou-se à política. No primeiro semestre fez o curso do Renova Brasil, uma escola de formação política idealizada pelo empreendedor e investidor Eduardo Mufarej. Entre maio e junho entrou em campanha como candidato a deputado federal, pela Rede.

Não eleito, Wellington reaproximou-se dos Doutores da Alegria em 2019. Criador (ele próprio) e criatura (a ONG) passaram por uma “terapia organizacional” que resultou em um livro, ainda inédito, chamado Palhaços no Divã. Wellington segue, porém, em sua carreira solo – em suas palavras, ajudando a criar um antídoto. Algo capaz de, pelo menos, mitigar os males da vida profissional contemporânea. “A gente precisa ressignificar a relação com o trabalho para não perpetuar a escravidão”, afirma ele. Os avanços tecnológicos e os traumas causados pela pandemia, na visão dele, vão impulsionar o desenvolvimento do que chama de “tecnologia humana”. Indício? O renovado interesse por filosofia, para Wellington associado à mudança de era, pode ser uma pista, mas convém não levá-la demasiadamente a sério. O futuro, afinal, é lúdico.


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