Sem escritórios: futuro das cidades está nos espaços abertos ao público

A vida urbana gira em torno do trabalho. É hora de investir em parques, bibliotecas e centros comunitários

Crédito: Chan Lee/ Unsplash

Brooks Rainwater 4 minutos de leitura

Durante mais de dois anos, as cidades precisaram lidar com o vai e vem dos lockdowns e reaberturas provisórias. Tudo isso alterou a forma como residentes e turistas circulam pelos espaços públicos.

Se compararmos com os tempos pré-pandêmicos, o número de pessoas que voltaram ao presencial ainda é baixo. Mas, mesmo com a redução do trabalho nos escritórios, a vibração das cidades está voltando a atingir altos patamares conforme os turistas retornam, a vida noturna aumenta, os restaurantes lotam e as atrações culturais atraem mais e mais pessoas.

Depois de termos alcançado um novo equilíbrio entre trabalho remoto e híbrido, os bairros comerciais do centro de diversas cidades nunca mais serão os mesmos. Mas tudo bem, porque o futuro da vida urbana está nos lugares acessíveis ao público e de uso misto, espalhados por toda a cidade. 

Para estarmos à altura desse futuro, o espaço comercial precisa ser repensado, as empresas de serviços precisam se adaptar e nossos paradigmas precisam mudar. Precisamos priorizar lugares localizados a no máximo 15 minutos de distância uns dos outros, que conduzam o engajamento nos centros para outros espaços além dos prédios de escritórios.

O resultado disso são cidades mais vibrantes e focadas em pessoas que não necessariamente trabalham fora. O caminho para atender a esse momento é um investimento contínuo em espaços cívicos.

Precisamos priorizar lugares localizados a no máximo 15 minutos de distância uns dos outros.

Eu tive a oportunidade de observar em primeira mão essa re-imaginação da ideia de cidade, em uma recente visita a Paris. Passar um tempo lá deixou claro que essa capital está de novo a todo vapor: as pessoas andando, pedalando ou sentadas no parque revelavam a vida urbana em seu melhor.

É perceptível que as políticas da prefeita Anne Hidalgo, como fechar ruas para carros e abri-las para pedestres e liderar o movimento global das “cidades de 15 minutos”, amplificaram aquilo que moradores e visitantes sempre amaram na cidade: a possibilidade de acessar tudo o que eles precisam com uma curta caminhada ou pedalada.

PARIS EM 15 MINUTOS

Não é por acaso que o conceito de cidades de 15 minutos surgiu em Paris, especialmente no final de 2019 e início de 2020. É uma cidade histórica e rica em entretenimento, mas, mesmo com todas as suas atrações, ainda possui bairros que não são bem servidos e onde faltam recursos. Além disso, ainda há muitos carros poluindo o ar, quando bicicletas poderiam estar cumprindo o mesmo papel. 

A prefeita Hidalgo concorreu explicitamente à reeleição no início de 2020 com seu “plano da cidade em 15 minutos”, focado em disponibilizar comodidades e serviços em toda a cidade, ruas de pedestres, livrar-se dos estacionamentos, incentivar o ciclismo e criar conexões sociais mais fortes.

O movimento de vanguarda iniciado em Paris ajudou a lançar as bases para outras cidades durante a pandemia.

Seu movimento de vanguarda ajudou a lançar as bases para muitas outras cidades durante a pandemia, que adotaram esses princípios depois que seus centros ficaram esvaziados e perderam sua antiga glória, já que há muito menos trabalhadores circulando para entrar e sair dos prédios comerciais. 

Durante muito tempo, grande parte da vida urbana moderna foi estruturada em torno da vida profissional. Mas Paris – um lugar que é ao mesmo tempo uma capital europeia do comércio e uma das cidades mais visitadas do mundo – reforça que a vibração urbana não vem dos escritórios, mas sim das pessoas que frequentam os cafés, fazem compras nas lojas, encontram-se nos parques, em eventos nas bibliotecas ou participam da agitada vida noturna.

CONCEITO ULTRAPASSADO

A ideia de que os centros urbanos devem estar voltados para o trabalho em vez de voltados para as pessoas é antiquada. Ela remonta à Revolução Industrial, momento histórico há muito tempo longe do seu auge. Isso quer dizer que as reuniões presenciais e os encontros fortuitos no bebedouro ou no café do trabalho ficaram ultrapassados? É claro que não.

Será ainda mais necessário dobrar os investimentos em parques, espaços comunitários e atrativos culturais.

Vamos ser sinceros: sempre haverá gente trabalhando nas cidades e certamente elas ainda se encontrarão lá para reuniões e eventos importantes. Mas o fato de tantos poderem se libertar do trabalho monótono atrás de uma mesa deve ser comemorado, não criticado.

Independentemente de os trabalhadores estarem fisicamente numa baia, a grande atração das cidades continua viva, porque as pessoas sempre se interessarão pelos benefícios culturais e sociais centrados no ser humano que as cidades oferecem.

Com as cidades totalmente abertas ao público, será ainda mais necessário dobrar os investimentos em parques, espaços comunitários e atrativos culturais. Para atender às necessidades contemporâneas, as cidades precisarão apoiar espaços e lugares públicos excepcionais. Isso significa investir em opções de transporte e espaço para as pessoas caminharem, andarem de bicicleta e se locomoverem sem carro.

Quando todos aceitarmos que as cidades nunca voltarão a ser como eram antes da pandemia, poderemos celebrá-las por aquilo que elas são e pelo que serão. As cidades ainda são, no fim das contas, os lugares que nos unem.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Brooks Rainwater é executivo sênior da National League of Cities e diretor do Center for City Solutions. saiba mais