O que as demissões em massa podem ensinar para startups early stage

Startups em fase inicial de captação apontam a importância da cultura organizacional, do planejamento e do crescimento sustentável

Crédito: Peter Cade/ GettyImages

Redação Fast Company Brasil 6 minutos de leitura

Desde abril, o ecossistema brasileiro de startups teve sua imagem idílica balançada pela sequência de demissões em massa em companhias como Quinto Andar, Loft, Facily e Creditas.

Especialistas apontam diferentes motivos para esse movimento, como o cenário macroeconômico conturbado e a falta de uma estratégia mais conservadora para usar os bilhões de reais injetados por fundos de capital de risco para criar modelos de negócios sólidos e lucrativos.

Do outro lado, as startups estão tendo de lidar com funcionários cada vez mais conscientes do seu valor. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que as demissões voluntárias em empresas brasileiras alcançaram 600 mil trabalhadores apenas no mês de março, um aumento de 37% em comparação ao mesmo mês de 2021.

Dados da consultoria Gallup revelam que 63% dos que deixam seus empregos o fazem por motivos não-financeiros. “Se quisermos crescer com as melhores pessoas, evitando uma nova onda de demissões, é preciso haver um alinhamento de expectativas e planejamento em relação a novos projetos e investimentos”, afirma Fabiana Pauli, head de pessoas da logtechFreto.

“O crescimento da receita tem que estar alinhado com os objetivos e resultados-chave das empresas. E as pessoas estão no centro de tudo. Para quem está ganhando tração agora, acredito que planejamento e organização são diferenciais olhados por investidores, mas serão cada vez mais essenciais na atração de talentos”, avalia Fabiana.

Felipe Novaes,da The Bakery (Crédito: Divulgação)

Os episódios de demissão em massa viram casos de estudo para as startups iniciantes, que buscam suas primeiras rodadas de investimento. “Quando elas vão para rodadas de captação, a aposta é em crescimento acelerado, não estão se dispondo a crescer devagar. É uma aposta de ambos os lados”, afirma Felipe Novaes, sócio e cofundador da The Bakery, empresa global de inovação corporativa.

“Quando uma empresa tem um plano de crescimento estruturado, se torna mais atrativa aos olhos dos investidores, sobretudo em lugares nos quais exista um mercado mais conservador, como é o caso do Brasil”, complementa.

LIÇÕES DAS DEMISSÕES EM MASSA

A Fast Company Brasil conversou com Felipe Novaes, sócio e cofundador da The Bakery; Taynah Carvalho, head de pessoas e cultura do banco digital Zro Bank; e Aline Gomes, sócia-diretora da empresa de treinamentos corporativos Conquer In Company, para saber o que pensam sobre as recentes demissões em massa e o que elas trazem de ensinamentos para startups early stage

Como vocês enxergam as recentes ondas de demissões pelos unicórnios?

Taynah - Com muita preocupação e pesar. Fazemos um planejamento mundial para distanciar ou tornar inexistente essa realidade para nossa empresa. Todos o nosso orçamento e crescimento é planejado, temos muito cuidado para não inflar a empresa e buscamos pagar salários justos. Não entramos em hype de bolha de desenvolvedores e salários astronômicos. Quando passamos por fases de mais necessidade de recursos, seguimos com parceiros que nos ajudam nesses períodos de mais demandas. Assim, nosso time interno sempre fica resguardado da volatilidade das entregas dos produtos.

Novaes - As ondas de demissões fazem parte do ajuste necessário de eficiência operacional para que as empresas, startups ou não, tenham projeções mais rentáveis no futuro. Como as valuations passadas eram exorbitantes – e agora estão mais “pé no chão” – esses ajustes são necessários para que o dinheiro captado no passado dure mais.

Aline - É importante avaliar algumas variáveis nessas ondas de demissões: cenário econômico; retorno do investimento versus planejamento estratégico de crescimento; rentabilidade dos produtos e serviços; e, acima de tudo, o amadurecimento da empresa. As que experimentam crescimento acelerado precisam se adaptar rapidamente a mudanças e a sustentabilidade do negócio pode não acompanhar. Ter indicadores de resultados consistentes, um bom planejamento estratégico e medidas ágeis são bons apoios para se tomar melhores decisões. Nesse contexto, o preparo das lideranças é fundamental para uma boa gestão de pessoas e negócios.

Quais são as lições que outras startups que estão crescendo devem aprender e pôr em prática para não passar pelo mesmo?

Taynah - Na Zro Bank, planejamos de forma estratégica quando o assunto é crescimento, principalmente quando precisamos aumentar o time. Nos processos de seleção, mantemos propostas que sejam reais e "pé no chão". Precisamos ter responsabilidade com a carreira de quem recrutamos.

O crescimento da receita tem que estar alinhado com os objetivos e resultados-chave das empresas.

Novaes - Com certeza, as startups que estão crescendo vão aprender que o dinheiro, apesar de existente e abundante, não deve aceitar mais tanto desaforo. Para isso, há a necessidade de investimento em time de gestão.

Aline - Crescimento acelerado e gestão das mudanças precisam andar juntos. Os papéis e canais de comunicação precisam estar alinhados. Como podemos desenvolver processos e uma boa base, mas com um olhar de inovação? Um modelo de negócio sustentável e formação de lideranças com forte repertório de gestão de pessoas fortalece os resultados. Um aprendizado importante que podemos compartilhar é o investimento em capacitação das lideranças e colaboradores como diferencial competitivo.

Qual o papel da cultura organizacional na hora de evitar demissões em massa?

Aline Gomes, da Conquer In Company (Crédito: Divulgação)

Taynah - Cultura organizacional nada mais é do que nosso modus operandi, nossa forma de pensar e agir. Isso reverbera na forma como fazemos negócios e criamos relações. Com isso, trazemos essa responsabilidade com todos os que estão envolvidos.

Novaes - Uma cultura forte significa que a empresa busca um ambiente saudável e audacioso para que as pessoas trabalhem, se desenvolvam e colaborem. O que elas precisam agora é da cultura de gestão, para que as decisões de investimento sejam bem estruturadas.

Aline - Independentemente do momento em que a empresa está, a cultura é que irá guiar o crescimento do negócio. Um propósito que gera o human centricity, ou seja, colocar as pessoas no centro da tomada de decisão, desenvolve uma experiência do cliente muito mais alinhada. Além disso, os valores precisam estar impressos no dia a dia de forma prática para os colaboradores. Na Conquer In Company, por exemplo, temos três valores: inovação, tamo junto e atitude de dono. Nos rituais, no plano estratégico, na experiência dos colaboradores e clientes, guiamos ações e programas alinhados a esses valores.

A busca pelo status de unicórnio tem prejudicado o planejamento das startups?

Taynah - Cada caso é um caso, cada cultura é uma cultura diferente. Mas qualquer busca desenfreada, sem planejamento, apenas pelo status, não seria saudável para nenhuma das partes. Falo pelas empresas, investidores e colaboradores, que são os mais afetados quando falamos de layoffs.

Novaes - O status de unicórnio é uma ótima meta. Não há nada de errado em uma empresa avaliada em US$ 200 milhões. Ela pode ser muito rentável e crescer de maneira sustentável e célere. O que acontece é que os investidores também têm o ego aflorado para terem unicórnios em seus portfólios e acabaram inflando essas avaliações, ou focando em crescimento em vez de rentabilidade. Agora, com o custo do dinheiro mais alto, a rentabilidade deverá ter um peso maior nas avaliações.

Aline - Os resultados são a consequência da sua proposta de valor e do propósito em movimentos. Entendo que o status vem com consistência e o valor percebido pelos colaboradores e clientes. Construir uma organização sustentável e com valores fortes vem antes de qualquer status. Investimentos, visibilidade e marca forte virão desse trabalho na jornada do negócio.


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