Obrigar a divulgação da pegada de carbono faria empresas reduzirem emissões?

Exposição dos dados nem sempre leva à redução das emissões e pode abrir brechas para mais greenwashing

Crédito: Mike Marrah/ Unsplash/ Rawpixel.com

Lily Hsueh 5 minutos de leitura

A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) está considerando passar a exigir que as empresas norte-americanas de capital aberto divulguem os riscos relacionados ao clima que vêm enfrentando. Mas enquanto esse debate esquenta, o que ainda está faltando é uma discussão séria: será que essas divulgações realmente influenciam o comportamento corporativo?

Uma premissa subjacente a respeito das divulgações financeiras é que tudo o que pode ser medido se torna mais fácil de ser administrado. Mas as corporações que divulgam informações sobre mudanças climáticas realmente estão realmente reduzindo suas pegadas de carbono?

Minha pesquisa mostra que a divulgação de carbono não é suficiente, por si só, para garantir que as emissões de gases de efeito estufa das empresas caiam. Pior que isso: algumas usam esses números para praticar o greenwashing – publicidade falsa ou enganosa, em que uma empresa alega ser mais ambiental ou mais socialmente responsável do que realmente é.

Por isso, acredito que a SEC tem em mãos agora uma oportunidade sem precedentes de projetar um programa efetivo contra o greenwashing.

FORMAS DE MENSURAÇÃO

Investiguei as divulgações de carbono feitas por quase 600 empresas listadas ao menos uma vez no índice S&P 500 entre 2011 e 2016. As divulgações foram feitas ao CDP, (Carbon Disclosure Project), organização sem fins lucrativos que pesquisa as emissões de carbono emissões e sua gestão por empresas e governos.

Algumas usam os dados sobre emissão de carbono para praticar o greenwashing.

À primeira vista, todos achavam que uma regra obrigatória e unificada para relatar a gestão climática das empresas, bem como seus dados de risco e suas emissões de gases de efeito estufa (como a regra proposta pela SEC) levaria a um uso mais eficiente de combustíveis fósseis, reduzindo emissões à medida que a economia crescesse.

O que descobri foi que as empresas que divulgaram proativamente suas emissões ao CDP reduziram, em média, a intensidade de emissões de carbono em pelo menos um indicador: emissões per capita de funcionários em tempo integral.

Isso significa que, à medida que uma empresa aumenta de tamanho, estima-se que ela reduza sua pegada de carbono por funcionário. No entanto, isso não se traduz necessariamente em uma redução no total da emissão. Boa parte da queda nas emissões envolveu grandes empresas intensivamente poluentes, como concessionárias, que tentavam se antecipar às regulamentações climáticas esperadas.

Cerca de um quarto das empresas do S&P 500 que completaram a pesquisa anual de mudanças climáticas do CDP realizaram avaliações dos impactos de seus negócios no meio ambiente e integraram o gerenciamento de riscos climáticos na estratégia de negócios. No entanto, as emissões nas empresas como um todo ainda aumentaram.

Pesquisas anteriores encontraram resultados semelhantes na primeira década do Registro Voluntário de Gases de Efeito Estufa do Departamento de Energia dos EUA.

No geral, constatou-se que a participação no registro não teve efeito significativo na intensidade das emissões. Só que muitas empresas passaram a filtrar o que declaram nos relatórios, relatando reduções mentirosas de emissões.

NINGUÉM ESTÁ LIVRE DE SUSPEITA

Mesmo as empresas que entraram na cobiçada “Lista A” de líderes climáticos do CDP podem não estar necessariamente livres do greenwashing.

Diversas empresas fizeram avaliações do impacto de seus negócios no meio ambiente, mas mesmo assim as emissões como um todo aumentaram.

Uma empresa recebe nota A quando atende aos critérios de divulgação, conscientização, gestão e liderança, incluindo a adoção de melhores práticas globais, como uma meta de emissões com base científica, independentemente de essas práticas se traduzirem em melhor desempenho ambiental.

Como a classificação do CDP é feita com base nos resultados de sustentabilidade e não nos resultados gerais, uma empresa de primeira linha pode ser “neutra em carbono” quando considera apenas as instalações que possui, mas exclui desse cálculo as unidades que fabricam seus produtos.

Além disso, uma companhia que obteve um A pode até ter se comprometido a remover todo o carbono emitido, mas muitas vezes mantém parcerias com empresas de petróleo e gás para “gerar novas oportunidades de exploração”. Os gigantes de varejo e vestuário Walmart, Target e Nike são exemplos desse paradoxo.

Elas divulgam regularmente seus planos de gestão de carbono e emissões para o CDP. Ao mesmo tempo, fazem parte da Sustainable Apparel Coalition, liderada pelo setor, que considerou (de forma controversa) os sintéticos à base de petróleo como a escolha mais sustentável, acima das fibras naturais.

COMBATE AO GREENWASHING

Há três maneiras principais de projetar um programa de divulgação climática que seja resistente ao greenwashing.

Primeiro, a desinformação sobre fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) poderia ser minimizada se as empresas recebessem diretrizes claras sobre o que constitui uma iniciativa de baixo carbono.

Em segundo lugar, as empresas deveriam ser obrigadas a comparar suas metas de emissões com base em emissões históricas. Deveriam também passar por auditorias independentes e relatar mudanças concretas.

Finalmente, é urgente solicitar às empresas que divulguem um prazo fixo para a eliminação progressiva dos ativos de combustíveis fósseis.  Isso garantirá que os compromissos se traduzam em ações concretas de maneira mais transparente.

Em última análise, os investidores e os mercados financeiros precisam de informações precisas e verificáveis para avaliar o risco futuro de seus investimentos e para determinar por si mesmos se as promessas de “zero líquido” feitas pelas empresas são de fato confiáveis. Há agora um impulso em todo o mundo para responsabilizar as empresas por suas emissões e seus compromissos climáticos.

Se os países adotarem políticas semelhantes, permitindo consistência, comparabilidade e verificabilidade, haverá menos oportunidades para praticar greenwashing e a exploração. Acredito que não apenas o nosso clima, mas também a nossa  economia se beneficiará disso.


SOBRE A AUTORA

Lily Hsueh é professora associada de economia e políticas públicas da Arizona State University. saiba mais