Mercado de criptomoedas: risco de explodir como a bolha das pontocom?

Entender as semelhanças e as diferenças do colapso das pontocom é fundamental para sairmos do inverno cripto mais fortes

Crédito: rawpixel.com/ Tezos/ Unsplash

Denelle Dixon 6 minutos de leitura

A contínua baixa no mercado cripto das últimas seis semanas e a queda de projetos importantes, que resultaram em cerca de US$ 2 trilhões em prejuízos, acenderam debates sobre o futuro das criptomoedas, fazendo surgir comparações entre a indústria de blockchain e a bolha das pontocom de 2000.

Tendo visto de perto as evoluções da Web 1.0, 2.0 e agora 3.0, deixe-me responder: estamos prestes a ver o colapso das criptomoedas? Não.

Certamente há semelhanças: taxas de juros crescentes, um ambiente regulatório desafiado a acompanhar a inovação, estratégias de marketing caras para aumentar a base de usuários e muito entusiasmo no investimento de capital de risco. Mas existem também algumas diferenças importantes: a dependência arriscada de alavancagem e pouco ou nenhum conhecimento por parte dos consumidores.

Compreender as semelhanças e as diferenças é fundamental para sairmos do inverno cripto mais fortes. O que o passado e o presente podem nos revelar sobre como introduzir essa tecnologia transformadora ao grande público para que faça jus à sua história de democratização do acesso financeiro? Aqui está a minha opinião.

O QUE A BOLHA DAS PONTOCOM NOS DIZ

Em março de 2000, eu era sócia de um escritório de advocacia que representava as mais recentes e inovadoras empresas de tecnologia no espaço pontocom. Na época, as oportunidades de negócios na internet ainda eram desconhecidas. Não havia regulamentação. Estávamos tentando traçar limites com base em regulamentos que não tinham nada a ver e não contemplavam o mundo digital.

Operávamos no escuro, sem nada definido, mas motivados pelo desafio de definir e estabelecer os padrões para o futuro. O ambiente regulatório estava tentando acompanhar a tecnologia.

após o estouro da bolha, a regulamentação ficou mais rígida e a tecnologia começou a se consolidar em torno de alguns grandes players.

Então, houve um boom de sites e empresas na internet. Entre 1999 e 2000, o número de sites cresceu de 3.177.453 para 17.087.182 – 528% em apenas um ano!

Há alguns fatores que explicam o estouro da bolha das pontocom. Um deles é que as empresas estavam sendo criadas com base em estratégias de crescimento do número de clientes, como marketing pesado e venda de produtos com prejuízo para maximizar a participação de mercado. Outro era o fato de que empresas e investidores loucos por IPOs estavam criando um abismo entre avaliação e lucratividade.

Basta considerar que 199 ações (totalizando US$ 450 bilhões em valor de mercado) eram de empresas cujas vendas totais anuais combinadas atingiram US$ 21 bilhões e as perdas totalizavam US$ 6,2 bilhões. Além disso, mudanças macroeconômicas, como as baixas taxas de juros de 1998, atraíram empresários que, ao longo do ano seguinte, as viram subir três vezes.

Em retrospecto, não é surpresa que a bolha tenha estourado. Ao mesmo tempo em que os investidores institucionais começavam a se retirar, os individuais estavam comprando empresas pontocom. Os grandes investimentos secaram e as empresas perderam receita e a base de clientes.

Logo após o estouro da bolha, a regulamentação ficou mais rígida e a tecnologia começou a se consolidar em torno de alguns grandes players com recursos para sobreviver à tendência brutal de baixa que se seguiu. Infelizmente, essas decisões acabaram criando muitos dos problemas que temos na web hoje.

REPETIREMOS OS MESMOS ERROS?

Parte disso se assemelha com o que está acontecendo hoje no mercado cripto. No ano passado, mais de 1,2 mil empresas de criptomoedas lideraram rodadas de financiamento, representando um total de US$ 25 bilhões em investimentos. Apenas no primeiro semestre de 2021, o CoinMarketCap adicionou 2.655 novos criptoativos, elevando o número total de moedas listadas para 10.810.

Mas, ao contrário do estouro da bolha das pontocom, o acesso ao capital não foi responsável pelo cenário atual do mercado de criptomoedas. Na verdade, continua abundante. No primeiro trimestre de 2022, houve um investimento total de US$ 9,2 bilhões.

O capital, embora desacelerado no atual clima econômico, ainda está fluindo: US$ 4,219 bilhões em maio, um aumento de 89% em relação ao mesmo período no ano passado.

Se os investidores individuais tiverem que arcar com todas as consequências perdemos sua confiança, prejudicando toda a indústria.

O que estaria por trás disso? Sim, os juros estão subindo. Sim, o mercado de ações está sob pressão e sua relação com criptomoedas ficou evidente. E sim, até certo ponto, algumas empresas cripto não têm bons modelos de negócios, mas contam com altas avaliações e acesso a muito capital.

Eu diria que o principal fator para a desaceleração das criptomoedas foi impulsionado por rendimentos e subsídios insustentáveis. Buscar vantagens para obter maiores retornos resulta em uma dependência excessiva de empréstimos baratos. Trata-se de confiar em capital emprestado para gerar retornos insustentáveis, também conhecidos como alavancagem.

Veja a Terra (empresa por trás dos tokens Luna e UST), por exemplo. Imediatamente antes de sua queda, a Anchor, uma plataforma de empréstimo de criptomoedas, estava oferecendo 20% de rendimento para os usuários emprestarem UST (20%?!). Infelizmente, as pessoas ainda acreditam em coisas que são boas demais para ser verdade.

Segundo a revista “Time“, a equipe da Terra sabia que isso não daria certo, que não seria possível oferecer tal retorno, mas justificou como um gasto de marketing para atrair clientes.

Quando vimos a volatilidade do mercado, que parece ter se originado com investidores buscando vender UST, comprovou-se que os rendimentos subsidiados da Terra não eram de verdade. A empresa estava apostando em uma “superalavancagem” e não teve sucesso. Por fim, os investidores individuais foram os grandes prejudicados e perderam milhões.

O que aconteceu? Para ser sincera, as pessoas ficaram mais gananciosas. Ou, melhor, foram tomadas pela empolgação. E, infelizmente, algumas delas não tinham como cobrir os custos.

A regulamentação sempre protege o consumidor – e é por isso que precisamos ter certeza de que, como indústria, estamos fornecendo instruções e orientações sobre os riscos.

Se os investidores individuais tiverem que arcar com todas as consequências, como no estouro da bolha das pontocom, perdemos sua confiança. Quando isso acontece, prejudicamos a indústria.

NÃO É O FIM DAS CRIPTOMOEDAS

A internet sobreviveu ao colapso de 2000. Mas forçou tanto as empresas que sobreviveram quanto as novas a se concentrarem em produtos reais, com modelos de negócios viáveis. É exatamente sobre isso que precisamos refletir.

Este deve ser um momento de humildade para todos na indústria de blockchain e cripto. Devemos encará-lo como um desafio para provar o valor prático que podemos agregar e torná-la mainstream

Precisamos evitar as principais ameaças enfrentadas pelas criptomoedas hoje – os riscos para os consumidores e o risco de centralização. Não podemos sujeitá-los a ver as economias de toda uma vida evaporarem em horas.

Estas são as lições que devemos aprender e as decisões que precisamos tomar para definir o futuro das criptomoedas.


SOBRE A AUTORA

Denelle Dixon é CEO e diretora executiva da Stellar Development Foundation. saiba mais