Você está sendo observado mesmo quando ninguém está olhando

É importante saber até que ponto o monitoramento físico e o digital trabalham juntos

Crédito: Lianhao Qu/ Parker Coffman/ Unsplash

Peter Krapp 5 minutos de leitura

Os EUA têm o maior número de câmeras de segurança por pessoa no mundo. Elas estão por toda parte, de ruas a hotéis, de restaurantes a shoppings e escritórios. Também são usadas pelo órgão de Administração de Segurança de Transporte para monitorar passageiros em aeroportos no país. Isso sem contar as campainhas inteligentes e outras câmeras de segurança doméstica.

A maioria da população está ciente dessa vigilância em espaços públicos. Mas, como pesquisadora que estuda a cultura digital e as comunicações secretas acredito que, para entender o quão difundida é a vigilância, é importante saber como o monitoramento físico e digital trabalham juntos.

Os bancos de dados são capazes de correlacionar dados de localização de smartphones, de câmeras domésticas, de leitores de placas de automóveis em viaturas policiais e em pedágios e de tecnologias de reconhecimento facial. Portanto, se a polícia quiser rastrear onde você está ou esteve, ela consegue.

É necessário um mandado de busca para coletar dados de um aparelho celular: conectando seu smartphone a uma ferramenta forense, ela pode extrair e analisar todos os seus dados.

No entanto, os corretores de dados privados (mais conhecidos como “data brokers”) também monitoram e ajudam a vigiar os cidadãos – sem necessidade de mandado. Há um grande mercado para dados pessoais, compilados a partir de informações que fornecemos voluntária ou involuntariamente – por exemplo, por meio de aplicativos –, além de dados roubados em vazamentos ou ataques hacker. Entre seus clientes estão as forças policiais, sejam federais, estaduais ou locais.

COMO VOCÊ É MONITORADO

Quer você passe ou não por uma câmera de vigilância ou leitor de placas, ainda é rastreado pelo celular. Os aplicativos de previsão do tempo ou de mapas, e até mesmo o wi-fi, têm acesso a sua localização através do GPS. A triangulação da torre de telefonia móvel também é capaz de rastrear seu aparelho.

Há um grande mercado para dados pessoais, compilados a partir de informações que fornecemos voluntária ou involuntariamente.

O bluetooth, por sua vez, pode identificar e rastrear seu smartphone, não apenas para monitorar o contato com pessoas infectadas pela Covid-19, ou para usar o aplicativo “Buscar” da Apple ou ainda para conectar fones de ouvido.

As pessoas autorizam o acesso de sua localização em aplicativos de transporte particular ou em jogos como Pokémon Go ou Ingress, mas esses apps também podem coletar e compartilhar os dados sem o seu conhecimento. Muitos carros novos possuem telemática que rastreia a localização. Tudo isso faz com que seja praticamente impossível bloquear o acesso aos dados.

O mesmo vale para a internet. A maioria dos sites tem rastreadores de anúncios e cookies de terceiros, que são armazenados em seu navegador sempre que você os visita. Eles monitoram o acesso a outros sites para que os anúncios possam acompanhá-lo.

Alguns sites também usam key loggers, softwares que monitoram cada tecla digitada. Da mesma forma, rastreiam os movimentos do mouse, cliques e rolagem.

Os rastreadores de anúncios sabem que sites você acessa, qual navegador usa e qual é o IP do seu dispositivo. O Google e o Facebook estão entre os principais beneficiados, mas existem muitos corretores de dados segmentando informações por religião, etnia, filiação política, perfis em redes sociais, renda e histórico médico – tudo para obter lucro.

O BIG BROTHER DO SÉCULO 21

As pessoas costumam consentir com a perda de parte de sua privacidade em prol de segurança, seja ela percebida ou real – por exemplo, em estádios, na estrada e em aeroportos, ou em troca de serviços online mais baratos ou de graça. Mas essa prática beneficia muito menos os indivíduos do que as empresas por trás dela.

Os rastreadores de anúncios sabem que sites você acessa, qual navegador usa e qual é o IP do seu dispositivo.

Dados de localização de centenas de milhões de smartphones permitem que o Departamento de Segurança Interna dos EUA rastreie os cidadãos. Os wearables (ou tecnologia vestível) apresentam riscos semelhantes, e especialistas observam que os usuários não têm conhecimento sobre a segurança dos dados que esses aparelhos coletam. Há bastante semelhança entre seu Fitbit ou smartwatch e tornozeleiras eletrônicas, usadas para monitorar pessoas que estão sendo processadas criminalmente ou cumprindo pena.

O maior responsável pela coleta de dados e pelo rastreamento da população nos EUA é a Agência de Imigração (ICE), que acumulou uma enorme quantidade de informações sem autorização judicial ou conhecimento público.

O Centro de Privacidade e Tecnologia do Centro de Direito da Universidade de Georgetown reportou como o ICE coletou fotos da carteira de motorista de 32% da população, rastreou carros de 70% e atualizou os registros de endereço de 74%.

QUEM VIGIA OS VIGILANTES?

Ninguém espera ser invisível nas ruas, nas fronteiras ou nos shopping centers. Mas quem tem acesso a todos esses dados

É possível limitar o rastreamento de localização no smartphone, mas não impedi-lo completamente.

de vigilância e por quanto tempo eles são armazenados? Não existe uma única lei de privacidade nos EUA em nível federal. Apenas cinco estados – Califórnia, Colorado, Connecticut, Utah e Virginia – têm leis de privacidade.

É possível limitar o rastreamento de localização em seu smartphone, mas não impedi-lo completamente. Os corretores de dados precisam mascarar seus dados de identificação pessoal antes de vendê-los. Mas essa “anonimização” não tem sentido, pois somos facilmente identificados graças ao cruzamento com outros conjuntos de dados. Isso torna mais fácil para criminosos abusarem do sistema.

O maior risco para a maioria das pessoas surge quando há uma violação de dados, o que vem acontecendo com mais frequência – seja um aplicativo com vazamento, uma rede de hotéis descuidada, a venda de dados do Departamento de Veículos Automotores,  uma agência de crédito comprometida ou um intermediário de corretagem de dados cujo armazenamento em nuvem foi hackeado.

Esse fluxo ilícito de dados não apenas coloca em risco nossa privacidade, mas também põe endereços, passaportes, dados biométricos, perfis em redes sociais, números de cartão de crédito, perfis em aplicativos de namoro, informações de saúde, seguro e muito mais à venda.


SOBRE O AUTOR

Peter Krapp é professor de cinema e estudos de mídia na Universidade da Califórnia. saiba mais