Algumas espécies de animais poderão sobreviver ao aquecimento global
Existem animais que superaquecem quando fazem sexo. Eles poderão ser os sobreviventes de uma catástrofe climática
Para o lagarto-de-barriga-rosada, espécie nativa do México e do sul do Texas, nem todas as partes do corpo são iguais. Em alguns lagartos machos, o testículo esquerdo evoluiu para se encher de melanina, tornando-se mais escuro que o direito. Isso permite que ele absorva mais calor do sol e dá uma vantagem na produção de esperma.
Em temperaturas mais baixas, ele ejacula antes de seus rivais, a maioria dos quais precisa esperar até que o clima aqueça. Para sua sorte, os lagartos de testículos escuros fertilizam mais ovos, dando-lhes uma vantagem na seleção sexual e na transmissão de seus genes.
Depois de avaliar vários exemplos do reino animal, um novo estudo mostrou que as características e comportamentos sexuais de muitos organismos, de rituais de namoro a armas de autodefesa, exigem alto gasto de calor – que muitas vezes chega a níveis perigosos.
Mas muitas espécies, como o lagarto-de-barriga-rosa, desenvolveram mecanismos para tolerar esse calor, permitindo que se reproduzam em ambientes competitivos e, ainda assim, sobrevivam.
Em um futuro provavelmente muito mais quente, as espécies que já contam com essa tolerância térmica para reprodução têm mais chance de sobrevivência; enquanto para outras, o aquecimento global pode ser o apocalipse.
“Quando um conjunto de características evolui para atender a uma demanda, isso pode acabar sendo benéfico para atender também a outras demandas”, diz Noah Leith, da Universidade de Washington em St. Louis, um dos coautores do artigo.
A reprodução está forçando os organismos a “expressar essas características sexuais que tornam a temperatura corporal super quente”, explica Leith. Em todo o reino animal, e ao longo de diferentes estágios de acasalamento, da atração à fertilização, os pesquisadores encontraram inúmeros casos em que a reprodução afeta a temperatura corporal.
Em alguns deles, as preferências sexuais têm um custo térmico para o animal. As leoas, por exemplo, tendem a ser mais atraídas por leões com jubas mais escuras. Mas, como acontece com os testículos melanizados do lagarto, substâncias mais escuras absorvem mais calor, expondo os leões com essas jubas mais atraentes a mais estresse térmico e tornando-os menos propensos a se adaptar a climas mais quentes. Ou seja: as feras de juba escura tendem a produzir uma prole menor do que os leões de juba mais clara.
Em outros casos, os animais evoluíram para desenvolver proteções térmicas de acordo com essas preferências. As cigarras, insetos cujos machos são conhecidos por seu zumbido alto durante o acasalamento, podem gerar calor metabólico e aumentar a temperatura corporal em 20 graus, a fim de manter o zumbido.
Mesmo que pareça que seu canto vai “cozinhá-lo por dentro”, diz Leith, na verdade ele os ajuda a se aquecer no próprio “coro” nos momentos mais frios do dia, enquanto os rivais não estão tão ativos e a maioria dos predadores não está por perto.
À medida que as mudanças climáticas trazem temperaturas mais altas em todo o mundo, os animais que se adaptaram para tolerar o calor certamente têm uma vantagem. “Há muitas maneiras interessantes por meio das quais a seleção sexual cria adaptações às mudanças climáticas”, diz Leith.
Os chifres afiados e elegantes do antílope bongo são ornamentos sexuais construídos para atrair as fêmeas – e para combater os machos rivais. Mas eles também ajudam a dissipar o calor. Em um futuro mais quente, eles poderiam ajudar os antílopes a sobreviver. Talvez os chifres fiquem ainda maiores, para ajudar a regular as temperaturas e atrair ainda mais parceiros.
Alguns cientistas previram que os organismos como um todo poderiam ficar menores, porque é mais fácil sobreviver com menos massa corporal para esfriar. Mas, em algumas espécies, membros maiores são mais bem-sucedidos sexualmente.
É o caso dos elefantes marinhos mais volumosos, que conseguem lutar contra os menores. Ao fazê-lo, eles geram excesso de calor, mas seus corpos se adaptaram ao resfriamento, aumentando o fluxo sanguíneo cuticular durante as brigas.
Mesmo que os organismos estejam atualmente tolerando o calor de alguma forma, será mais difícil suportar um mundo muito mais quente. Após o sexo, os besouros japoneses machos “ficam com a fêmea por um longo tempo”, explica Leith, ficando de guarda para evitar que machos rivais interfiram na fertilização.
Mas isso os expõe ao calor, impedindo a chance de procurar plantas aquáticas para comer e se refrescar. “Portanto, esse comportamento sexual está em desacordo com as adaptações que seriam benéficas para as mudanças climáticas”, diz Leith.
Em um futuro mais quente, o aumento das temperaturas pode ser prejudicial à reprodução de muitos no reino animal, comprometendo sua sobrevivência. Ou, como sugere Leith, talvez eles desenvolvam outras adaptações reprodutivas, como o “plug copulatório”, produzido por muitos machos, de cangurus a escorpiões, o que promove mais rapidamente uma fertilização de sucesso durante o acasalamento.
Se a crise climática for muito severa, organismos menos adaptados à reprodução podem sucumbir a temperaturas mais altas e entrar em extinção. Mas aqueles que tiverem evoluído antes para tolerar o calor são fortes candidatos a produzir mais descendentes.
Se seus descendentes tiverem as mesmas habilidades de adaptação, “então a tolerância ao calor tenderá a evoluir e acompanhar mais rápido as mudanças climáticas em populações nas quais a competição por parceiros é mais intensa”, conclui Leith.