Como a pandemia agravou a crise do plástico no mundo

A indústria do plástico mentiu para nos vender mais máscaras e sacolas descartáveis durante a pandemia. Como revertemos isso?

Crédito: Yulia Shaihudinova/ GettyImages

Elizabeth Segran 5 minutos de leitura

O plástico esteve bastante presente em nossas vidas durante a pandemia, enchendo o mundo de máscaras N95, embalagens para viagem e sacolas descartáveis. Enquanto estávamos preocupados com a crise global de saúde, acabamos agravando a crise do plástico. Uma enorme quantidade desses produtos, como EPIs e embalagens descartáveis, foi vendada como forma de prevenir a Covid-19.

Em seu novo livro, Plastic Unlimited (Plástico Ilimitado), a pesquisadora Alice Mah explica que não precisava ser assim (publicamos um trecho de seu livro aqui). Ela argumenta que as empresas do ramo, conscientemente, fizeram alegações falsas sobre os benefícios durante a pandemia para aumentar as vendas. A autora fala sobre a importância de reduzir drasticamente a produção e o consumo de plástico, à medida que a vida volta aos poucos a ser como era.

Nos anos anteriores à pandemia, os consumidores estavam cada vez mais preocupados com o plástico. Em 2017 e 2018, histórias sobre animais marinhos morrendo por poluição plástica se tornaram virais, como a angustiante imagem de uma tartaruga com um canudo preso no nariz.

Houve uma crescente conscientização sobre os perigos dos microplásticos, pequenas partículas que acabam na cadeia alimentar, prejudicando nossa saúde. Como a maioria acaba sendo incinerada, também contribui para as mudanças climáticas.

SENTIMENTO ANTIPLÁSTICO

Tudo isso levou a uma onda de ativismo que resultou em empresas como Starbucks prometendo eliminar os canudos de plástico; enquanto estados norte-americanos como Califórnia e Nova York proibiam sacolas plásticas. O sentimento antiplástico era tão forte que as corporações não podiam ignorá-lo.

as empresas do ramo, conscientemente, fizeram alegações falsas sobre os benefícios do plástico durante a pandemia para aumentar as vendas.

“Percebi, em minha pesquisa com as empresas petroquímicas, que havia um pânico sobre a opinião pública negativa em relação ao plástico e como elas precisavam urgentemente mudar a narrativa”, diz Mah. “Vi como se organizaram rapidamente para adotar uma narrativa em torno da economia circular e da reciclabilidade.”

Mas então veio a pandemia, que acabou sendo benéfica para a indústria do plástico. As empresas conseguiram nos convencer de que o material era higiênico e poderia ajudar a manter o vírus sob controle, além de fazer pressão para reverter leis que proibiam sacolas plásticas.

No entanto, essas alegações eram falsas. Estudos revisados ​​por cientistas apontaram que o vírus poderia sobreviver em superfícies plásticas por até três dias – mais do que a maioria dos outros materiais, incluindo o papelão.

Em 2020, o Greenpeace publicou uma pesquisa concisa mostrando que a indústria de plásticos havia manipulado a mídia com alegações enganosas de que seus produtos descartáveis eram mais higiênicos do que os reutilizáveis, explorando o temor da população para vender mais.

Infelizmente, os consumidores se convenceram de que o plástico poderia mantê-los mais seguros. “Na pandemia, vimos o ressurgimento de plásticos de uso único”, ressalta Mah. “Esquecemos das tartarugas com os canudos no nariz.”

Não são apenas os EPIs os grandes responsáveis. Também houve mudanças no consumo durante o lockdown. Com os

As empresas se organizaram rapidamente para adotar uma narrativa em torno da economia circular e da reciclabilidade.

restaurantes sem poder receber clientes, os consumidores recorreram ao sistema de delivery, que utiliza recipientes de plástico, e às compras online, que usam desde plástico bolha até sacolas plásticas para embalar produtos.

A organização sem fins lucrativos Oceana estima que a Amazon foi responsável por 220 mil toneladas de resíduos de embalagens em 2019. Esse volume teria subido 38% em 2020 devido ao aumento nas vendas.

A SAÍDA É REDUZIR O CONSUMO

É verdade que cada pessoa no Reino Unido e nos EUA gera entre 99 e 109 quilos de plástico por ano, o dobro da média global. Mas, por outro lado, os consumidores vivem em uma sociedade onde o plástico é onipresente. É muito difícil ir ao supermercado e comprar carne, cereais ou vegetais que não sejam embalados em plástico, por exemplo.

Então qual é a solução? As pessoas podem – e devem – reduzir o consumo de plástico, mas Mah argumenta que precisamos de soluções globais e sistêmicas para eliminá-lo das nossas vidas. A resposta não é a reciclagem, que tem seus próprios custos ambientais. Precisamos reduzir o uso do plástico o máximo possível.

A União Europeia e o Canadá exigem que os produtores de plástico paguem pela coleta e gestão dos resíduos.

Podemos encarar o plástico da mesma forma que as mudanças climáticas. Uma solução possível é as Nações Unidas criarem um acordo semelhante ao Acordo de Paris, mas para o plástico. Uma versão de tal tratado está sendo discutida pela Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, mas levará anos até que negociem detalhes complexos.

Os governos têm um importante papel a desempenhar, já que é improvável que as empresas reduzam voluntariamente sua produção. Os legisladores podem aprovar proibições definitivas de plástico de uso único, como a Índia fez no mês passado, proibindo o uso de 19 itens, como copos, canudos e palitos de sorvete.

Também podem responsabilizar as empresas pelo ciclo de vida completo de seus produtos, forçando-as a pagar pela poluição gerada quando o item é descartado. A União Europeia e o Canadá exigem que os produtores de plástico paguem pela coleta e gestão dos resíduos.

Em última análise, reduzir o plástico significa mudar quase todos os aspectos de nossas vidas. Precisaremos repensar hábitos alimentares e de consumo, além dos sistemas de transporte, logística, saúde pública, construção e várias outras indústrias.

“O plástico tem sido visto como um material milagroso, que pode ser transformado em quase tudo”, diz Mah. “É barato para produzir, mas, se calcularmos os custos associados – mortes por exposição tóxica, desperdício de água potável, impacto nos ecossistemas –, deixa de ser. Não acredito que a solução seja inventar outro material mágico, mas, sim, aprender a viver sem ele.”


SOBRE A AUTORA

Elizabeth Segran, Ph.D., é colunista na Fast Company. Ela mora em Cambridge, Massachusetts. saiba mais