Licença paternidade e estereótipos, grandes desafios para os pais brasileiros
Homens confrontam antigos hábitos tóxicos e, mesmo conhecendo a licença, muitos ainda não a utilizam
A paternidade, ainda que um evento celebratório, levanta questionamentos e desafios importantes sobre direitos, masculinidade e comportamento. Com a chegada do Dia dos Pais, isso fica ainda mais evidente.
Neste ano, O Boticário lançou a pesquisa "Retrato da Paternidade no Brasil", conduzido pela consultoria Grimpa, que mostra como muitos pais tentam criar seus filhos fugindo de estereótipos.
O estudo ouviu mil pais de todas as regiões do Brasil, com filhos de cinco a 15 anos. Os das gerações X e millennial se identificam com uma paternidade participativa, com mais expressão de afeto e diálogo. Mais da metade (56%) dos entrevistados afirmam que consideram muito importante ser um exemplo positivo para os filhos.
Os pais também têm se policiado e aprendido mais sobre assuntos sensíveis, como machismo e assédio. Também diminuíram o uso de falas que propagam esses comportamentos. A expressão “seja homem”, por exemplo, teve redução de 50% e “menino não chora”, 36%.
Sete em cada 10 entrevistados afirmam que abordam com seus filhos a questão das diferenças sociais entre homens e mulheres e como devem ser cuidadosos para minimizá-las.
“Em nossa sociedade, a ausência paterna é naturalizada. Muitos têm medo de provocações sexistas no ambiente de trabalho. O que vemos são homens em conflito quando assumem o papel de cuidadores, por sentirem que estão exercendo uma função não natural”, afirma Michelle Terni, CEO da Filhos no Currículo, consultoria parceira da parentalidade dentro das organizações.
A pesquisa de O Boticário mostra que o posicionamento de pai mais severo, rígido, insensível, vem mudando. Entre os entrevistados, 62% dizem ter o hábito de beijar, abraçar e fazer carinho nos filhos sempre que possível; 59% conversam sobre escolhas e consequências de ações; e 57% costumam dizer frases amorosas e encorajadoras.
OS DESAFIOS DA LICENÇA PATERNIDADE
Segundo a pesquisa Licenças Maternidade e Paternidade nas Empresas, organizada pelo Family Talks e 4daddy, 70% dos pais consideram conhecer as regras da licença paternidade. Apesar disso, outro levantamento, do Instituto Promundo, de 2019, mostrava que 68% dos pais decidiram não usar o benefício.
Para Michelle, essa falta de adesão se deve a diferentes fatores, entre eles, que muitos homens ainda não enxergam com clareza a importância de ter um papel ativo nos cuidados com a criança. “Muitos não estão habituados a ocupar um papel de protagonismo nesse cuidado, e sim de coadjuvante", afirma.
Segundo o estudo da Family Talks, metade das empresas concordam que “homens sentem um conflito grande entre os papéis tradicionalmente atribuídos ao homem e o seu papel de cuidadores”. Outro dado é que 85% acham que “poder acompanhar as primeiras semanas do bebê em casa é transformador para os homens também no lado profissional e eles tendem a ficar mais engajados com a empresa”.
O que vemos são homens em conflito quando assumem o papel de cuidadores, por sentirem que estão exercendo uma função não natural.
Michelle afirma que um dos passos para que pais comecem a perceber os pontos positivos desse benefício é se conectarem com colegas de trabalho que estão passando pelos mesmos desafios. “Essas dores podem e devem ser demonstradas para a empresa, para que ações sejam tomadas”, diz.
As empresas podem aderir ao Programa Empresa Cidadã (Lei nº 11.770/2008), que permite prorrogar por até 60 dias a duração da licença-maternidade (podendo totalizar seis meses) e por 15 dias (totalizando 20) a da licença paternidade.
No entanto, apenas 19% aderiram, segundo a Family Talks. Entre as empresas que não aderiram ao programa, 37% afirmaram desconhecer a iniciativa, enquanto 23% disseram não preencher os requisitos exigidos.
LICENÇA PARA CASAIS HOMOAFETIVOS
No caso da licença paternidade para casais homoafetivos, Michelle entende que ainda há necessidade de amadurecimento do mercado para entender a pluralidade existente dentro da parentalidade, acolhendo outras formações familiares.
“Por isso a importância de uma empresa contar com o trabalho de uma consultoria que possa revisar as políticas de forma a se tornarem mais neutras e acolhedoras”, diz.
Esse é um dos trabalhos mais requisitados da Filhos no Currículo, que realizou um webinar sobre as diferentes parentalidades no mês do Orgulho LGBT. A iniciativa contou com a participação de Betho Fers, que adotou Stephanie junto com seu parceiro, Erick. Os dois fundaram o Papaipeando para auxiliar famílias em processos de adoção e acolhimento à parentalidade diversa.
O potencial de uma licença paternidade será mais bem aproveitado se as empresas se dedicarem a formar uma liderança engajada, criando um ambiente de colaboração e respeito para as figuras parentais masculinas da organização a exercerem a paternidade responsável.
“É preciso criar uma rede de apoio no ambiente de trabalho, onde colegas e pares sejam convidados a compartilhar suas experiências de como conciliar filhos e carreira. E também possibilitar que o funcionário seja participativo na vida do filho, adotando horários de trabalho flexíveis, de modo que ele possa estar presente ocasiões importantes, como reuniões de pais, ou mesmo em consultas, exames e vacinas”, diz Michelle.
Além de, claro, lutar contra comportamentos tóxicos vindos da liderança, que propaguem estereótipos e desestimulem os colaboradores a aproveitar o benefício.