André (Dedé) Laurentino: “o maior erro é achar que se sabe tudo”

Um dos maiores profissionais de sua geração, o criativo diz que os publicitários não só podem como devem ajudar a melhorar a vida das pessoas

Crédito: Letícia Nascimento

Claudia Penteado 8 minutos de leitura

André Laurentino, mais conhecido como Dedé, é chief creative officer (CCO) da Ogilvy Londres e membro do Conselho Criativo Mundial da Ogilvy.  Por 10 anos, foi um dos diretores de arte mais premiados do Brasil, mas, em 2003, decidiu mudar: foi para a redação, área em que rapidamente obteve o mesmo reconhecimento. 

Em 2011, mudou-se para o Reino Unido e, três anos mais tarde, assumiu o cargo de diretor executivo mundial de criação para a Unilever. Fez trabalhos premiados para muitas marcas, entre elas, Volkswagen, Nissan, Audi, Adidas, Liz, Visa, TIM, Dove e Hellmann’s. Em 2019 e 2021, apareceu na lista dos 20 melhores criativos da Grã-Bretanha. 

Dedé também é escritor (publicou um romance em 2005 e uma coletânea de crônicas em 2017), foi roteirista de séries para a TV Globo, colunista de O Estado de S.Paulo por uma década e costuma publicar desenhos e cartuns em revistas como Piauí e Quatro Cinco Um. Nesta conversa sem firulas, falamos sobre presente, futuro, dores, delícias e desafios da publicidade. 

Afinal de contas, os publicitários vão mesmo para o inferno? (tenho visto tantos memes a respeito que não resisti)

Acho que os publicitários devem ir para o lápis e papel: trabalhar com as marcas que buscam trazer igualdade e diversidade. Não podemos fugir à parte que nos cabe nas mudanças que a sociedade está debatendo e conquistando. 

Vi um estudo em andamento que mostra o impacto que as marcas têm sobre igualdade social em várias camadas e comunidades. É gigantesco. E nosso trabalho – visto que é sobre comunicação e símbolos – pode contribuir para mudar o que precisa ser mudado. 

Sei que é difícil e não sou ingênuo. Mas não posso ignorar o quanto a comunicação das marcas (suas mensagens e imagens) mudou, para melhor, nos últimos cinco ou 10 anos. Quem pensa que deve ir para o inferno sabe que está errado. Então, reveja sua visão de mundo e “bora mudar”.

Qual a sua visão do futuro da publicidade? Como você imagina o perfil dos que atuarão nessa área? O que os atrairá e que “tipo” de profissionais se encaixarão melhor nesse universo? 

“Não podemos fugir à parte que nos cabe nas mudanças que a sociedade está debatendo e conquistando.”

O termo “publicidade” já pressupõe um conceito. Talvez o futuro seja mais abrangente do que o que cabe nessa palavra. As marcas e empresas estão percebendo o que a sociedade espera delas. Os novos talentos vêm desta mesma sociedade e, felizmente, de camadas sociais mais variadas do que antes. Querem e trazem mudanças.

Em meus 30 anos de carreira, tenho visto mais mudança e inovação nos últimos cinco anos do que nos outros 25. Que bom ver isso acontecer. E, principalmente, poder fazer nossa parte, do modo que conseguirmos.

Estamos na era do metaverso. A tecnologia avançou como nunca, fala-se até de publicidade invadindo os sonhos. Qual o limite ético da publicidade? Até onde se pode ir, considerando tantas possibilidades?

Novas tecnologias trazem novas perguntas. Estamos em plena fase de definir esses limites: até onde se pode usar nossas pegadas digitais para fins comerciais? A quem pertencem esses dados? Sugerir produtos sem ser solicitado é serviço ou invasão? As pessoas também vivem esses dilemas: conferir o perfil de alguém por quem se tem interesse é curiosidade ou bisbilhotice? 

Assim como em tudo, a chave está no contexto e no grau de intensidade. Marcas que insistem demais, que ficam superexpostas em nosso mundo online ou revelam demais sobre o que sabem, passam do ponto. Tivemos o caso do pai que descobriu que a filha adolescente estava grávida pelo material de marketing que passou a chegar em sua casa: produtos para gestantes e bebês. 

A marca em questão interpretou os hábitos e buscas da filha no mundo digital e,  inadvertidamente, contou à família. Casos assim mostram o quanto esse debate é importante e cheio de nuances. O curioso é que as discussões online detestam nuances. É tudo oito ou 800.

Você é um dos criativos da campanha veiculada em 2021 para a organização britânica Relate (relate.org.uk), especializada em relações humanas, com foco em um tema quase invisível na mídia e nas conversas: o sexo na velhice. Como foi o processo criativo e como foi trazer o tema para além do hype, gerando impacto real e conversas significativas?

“Marcas que insistem demais, que ficam superexpostas em nosso mundo online ou revelam demais sobre o que sabem, passam do ponto.”

Partimos de um dado que nos surpreendeu: a maior parte das doenças sexualmente transmissíveis ocorre no grupo etário acima dos 65 anos. Isso mostra que, primeiramente, a terceira idade está sexualmente ativa, e também que não está se cuidando como deveria.

Nosso primeiro passo, ainda em 2021, foi trazer o assunto à tona. Fizemos fotos de casais acima dos 70 anos em situações que costumamos ver entre casais jovens, na casa dos 20 anos. Beijos de língua, carícias íntimas etc. Tudo foi feito com muita elegância e delicadeza pelo fotógrafo inglês Rankin. O único fator realmente diferente nas fotos era a idade das pessoas.

A campanha claramente tocou em algo latente na sociedade, pois repercutiu e gerou artigos sobre o assunto no mundo inteiro. Ainda em 2021, foi citada pela Vogue, pela revista TPM, virou matéria no Fantástico, na revista Veja e no The New York Times. O assunto tabu passou a frequentar a mídia de grande alcance. 

Em 2022, fizemos uma ação para o uso de preservativos na terceira idade, a fim de evitar a propagação de doenças. Criamos camisinhas embaladas como se fossem sementes de jardinagem – que é o segundo assunto preferido dos britânicos. O primeiro é o sexo, claro. Lançamos na primavera, na semana da jardinagem. Foi divertida de fazer e a iniciativa foi muito bem aceita. 

“as discussões online detestam nuances. É tudo oito ou 800.”

De novo, a vida sexual na terceira idade – ainda um assunto tabu – foi parar nos programas de televisão, nas mídias sociais e nos jornais. O agendamento com terapeutas sobre o assunto cresceu 85% no site da Relate. Os publicitários podem – e devem – ajudar a melhorar a vida das pessoas.

Você tem uma atitude “gender fluid” em relação a sua profissão. Joga em muitas frentes: escreve, desenha, atua como cartunista. Em que momento se permitiu isso? 

Cada vez mais podemos ser a mesma pessoa dentro e fora do trabalho, em vários sentidos. Isso é ótimo, pois libera nosso potencial. A criatividade não prospera em ambientes de medo ou receio. Durante anos pensei que era demérito meu ter outros interesses, como a literatura, o roteiro, o desenho. Mas, ao destravar esses medos, o que experimentei foi uma maior produção criativa. E vi que sou tão mais produtivo quanto mais feliz fico com o que produzo. Uma área alimenta-se da outra. 

Muitos criativos têm vários outros talentos. Sempre procuro saber o que a turma na equipe faz fora da agência. Geralmente são coisas interessantíssimas, cheias de paixão. Por que deixar isso de lado?

Você estuda violão com Aderbal Duarte. O que o mundo pode aprender com a bossa nova? Ou talvez a melhor pergunta seja: o que os criativos têm a aprender com a bossa nova? 

Podemos aprender três grandes lições: a inovação, o domínio técnico e o minimalismo. As aulas com Aderbal Duarte, que foi amigo de João Gilberto, têm me ensinado muita coisa (vá no canal de YouTube dele, tem muita coisa lá e de graça) que aproveito para usar no meu dia a dia. Por exemplo, como fazer muito a partir de muito pouco. 

Eis um caso: a melodia de “Águas de Março” tem na sua base só três notas: dó, ré, mi. Imagine isso! Começa assim: mi, dó, mi, dó, mi, mi, mi, ré, dó, dó… e continua nisso um bom tempo. Como Tom Jobim conseguiu criar uma obra prima partindo de um dó-ré-mi? Ah, espere para ver a impressionante estrutura harmônica que vai vestir de sofisticação essa melodia simples. Coisa de gênio. Em “Samba de uma nota só”, ele e Newton Mendonça levaram isso ao extremo, como a própria letra nos conta. Podemos pensar que, quando o briefing parece restrito demais, precisamos encontrar a saída para a amplidão. Senão será mesmo “o fim do caminho”. 

“se o resultado final tiver cheiro de briefing, está errado.”

Também podemos aprender como João Gilberto pinçou da bateria do samba apenas o tamborim e o surdo para mudar o jeito de se tocar violão. E conseguia encaixar 15 acordes em menos de 10 segundos de música. Tudo isso fazendo parecer que é fácil e simples. Ou seja, se o resultado final tiver cheiro de briefing, está errado. 

Sem falar que a gravação de “Chega de Saudade” foi recusada, o acetato jogado no chão pelos executivos da gravadora. Mas os produtores encontraram um jeito de fazer o disco circular e, das ruas, chegar às rádios. Tiveram uma ideia inovadora de mídia. Essas saídas da bossa nova são aulas de criação. Depois vem a linha evolutiva, que não a negou, mas continuou seu caminho: a Tropicália. E por aí vai. 

O que a música, de maneira geral, trouxe e traz para você? 

A música brasileira é, para mim, o melhor jeito de entender e sentir o país que eu amo – e que por vezes é tão difícil amar. E esse entendimento vem pela área que é minha vida: a criatividade. 

Qual o maior erro que uma pessoa pode cometer na criação publicitária (ou em publicidade de modo geral) e que pode levar a um retumbante fracasso? 

O maior erro é achar que se sabe tudo. Continuando ainda na música, vamos ouvir Paulinho da Viola: “as coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais