Já está na hora de a sua marca virar entretenimento em vídeo
Branded entertainment pode construir reputação, mobilizar causas e transformar comportamentos com conteúdos de interesse do consumidor
Passei quase duas semanas na Califórnia, em uma investigação sobre as novas tendências do mercado audiovisual e não houve um dia sequer sem esbarrar em algum outdoor promovendo algum novo lançamento do streaming.
Nas visitas corriqueiras ao supermercado, de gôndolas de alimentos à sessão de brinquedos, lá estavam em destaque os produtos licenciados das séries preferidas dos meus filhos.
Em quase todas as noites de volta ao hotel, depois da batida de tanta reunião e visita, precisei tirar o atraso e assistir ao final de “This is Us” (e, claro, não deixei de me engajar em conversas nas redes sociais para comentar aquele final tão emocionante!).
Nas palestras que assisti na Vidcon, conferência que agrega comunidades, marcas e economia de influência todos os anos na cidade de Anaheim, diversos creators anunciavam suas parcerias de sucesso não apenas para promover, mas também estrelar filmes com os estúdios de Hollywood.
Meu relato pessoal apenas corrobora o que os números da indústria já anunciam há algum tempo: o hábito de assistir séries ou filmes se tornou um grande fenômeno cultural dos tempos pandêmicos.
Ainda que as maratonas tenham arrefecido com o fim do lockdown, a audiência segue sedenta por essa modalidade de entretenimento. Segundo a Motion Picture Association (MPA), o mercado de assinaturas de streaming contabiliza mais de 1,3 bilhão de assinaturas.
E você, marca, já pensou como fazer o seu melhor em torno de toda essa atenção da audiência? Como construir sua reputação, mobilizar causas ou transformar comportamentos em torno de um conteúdo que genuinamente interesse ao consumidor? O que você pode fazer para não interromper mais a experiência do entretenimento e conduzir conversas mais importantes?
REVENDO AS NOÇÕES DE CONTROLE
No mercado norte-americano, o branded entertainment audiovisual ganha cada vez mais escala e respeitabilidade. Marcas de todos os segmentos – de Nike a Shopify – já estão nesse ecossistema, cientes de que precisam criar mais relevância para conquistar a atenção de uma audiência mais impaciente do que nunca com a interrupção.
Para criar seus “originais”, é fundamental que as marcas definam muito bem o território que querem ocupar.
Almocei com o badalado showrunner inglês, Rupert Maconick, que é um dos nomes por trás de originais de sucesso como “Lo and Behold”, criado para a empresa de cibersegurança Netscout e dirigido por ninguém menos do que Werner Herzog.
O documentário fez a empresa não apenas ganhar importantes janelas de exibição, como o Festival de Sundance, mas também bater recordes de geração de leads em 30 anos. Mais recentemente, produziu junto com a Shopify o reality de empreendedorismo “Own the Room“, que pode ser assistido no Disney+ e conta com a direção de Darren Foster. O doc conquistou a nota máxima no Rotten Tomatoes (100% fresco), o famoso agregador de críticas de filmes e séries da internet.
Para criar seus “originais”, é fundamental que as marcas definam muito bem o território que querem ocupar, que abracem a flexibilidade no processo de cocriação com as produtoras independentes e que revejam as noções de controle absoluto da mensagem.
“Com pesquisa e desenvolvimento adequados, é possível transformar assuntos áridos em entretenimento de verdade, de forma extremamente alinhada com os objetivos de negócio. Mas isso pode levar tempo até que a história perfeita seja encontrada”, disse Maconick.
No ano passado, a K7 Media divulgou um relatório para buscar inputs de executivos e profissionais de todo o mundo relacionados a esse modelo de negócio – o qual acordaram chamar de “Branded Funded Programing” (BFT).
Uma das principais recomendações para evitar tentativas frustradas de investimento é entender muito bem o que o BFT nãoé. Não se trata, definitivamente, de um mero acordo comercial para inserir o logotipo ou produto no formato.
“Dez anos atrás, as marcas ficaram muito animadas porque poderiam comprar um espaço na TV (…) Mas acabavam em patrocínios caríssimos, com inserção de product placement, que não levavam a ROI (retorno sobre o investimento, na sigla em inglês) algum.”
AUDIÊNCIA EM PRIMEIRO LUGAR
A metodologia deve seguir as premissas de desenvolvimento de uma propriedade intelectual, e não da entrega de uma campanha – em que, muitas vezes, a inserção a todo o custo de produtos na narrativa perde o calibre.
Com pesquisa e desenvolvimento adequados, é possível transformar assuntos áridos em entretenimento de verdade.
É também essencial colocar os interesses da audiência em primeiro lugar, pois ela fareja de longe quando o conteúdo é “comercial” e não autoral. Nem mesmo a série “The Morning Show“, da Apple+, escapou de reclamações, segundo os autores de “Binge Times” (2022).
“Personagens navegam iPhones em quase todas as cenas. Eles ajustam alarmes para a madrugada, enviam mensagens de texto, olham notificações. A conexão com a marca se tornou tão ubíqua que no episódio piloto a audiência chiou, às vezes”.
No Brasil, considerado o segundo maior mercado de streaming do planeta (Finder, 2021), a oportunidade de as marcas entrarem em desenvolvimento de formatos longos é imensa.
Primeiro, canais e plataformas de streaming seguem em busca de viabilizar um catálogo de qualidade para reter o público. Depois, uma grande massa de produtores independentes padece em busca de mais recursos para viabilizar novos projetos que não sejam apenas as verbas advindas de recursos públicos e veículos.
Por fim, as marcas podem ajudar verdadeiramente com conhecimento especializado sobre territórios que dominam, contribuindo com uma crescente demanda por conteúdo de nicho. Com regras, processos e métodos bem articulados, essa sinergia tem de tudo para resultar em um bom negócio que não sacrifique as preferências da audiência.