O que as pessoas mais criativas do mundo têm em comum

Crédito: Fast Company Brasil

Elissaveta M. Brandon 6 minutos de leitura

 

Quando se trata de carreiras criativas, o sucesso pode ser difícil de alcançar, e ainda mais difícil de definir. Mas e se houvesse uma fórmula mágica que pudesse aumentar as chances de alguém viver um período de explosão criativa?

Um novo estudo sugere que essa fórmula mágica pode muito bem existir. O segredo da criatividade está em atingir “marés de sorte”, ou torrentes de sucessos repetidos, como a fase das “pinturas de gotejamento” de Jackson Pollock, iniciada no final dos anos 1940, ou como a trilogia O Senhor dos Anéis, dirigida por Peter Jackson no início dos anos 2000. Publicado na Revista Nature, o estudo explora precisamente o que as pessoas fazem antes e durante uma torrente de sucesso. Usando inteligência artificial para vasculhar ricos conjuntos de dados relacionados a artistas, diretores de cinema e cientistas, os pesquisadores identificaram um padrão presente em todos os três campos. O autor do estudo acredita que esse padrão também pode ser aplicado aos designers.

O padrão é mais ou menos assim: os artistas experimentam uma miríade de formatos, de estilos e de ideias por meses, às vezes por anos, antes de se concentrarem em apenas um desses experimentos. De acordo com o estudo, é essa a sequência que pode provocar uma torrente de sucessos.

Vejamos o exemplo do artista abstrato Jackson Pollock, mais famoso por suas pinturas em que faz uso da “técnica de gotejamento”, a maioria das quais foi produzida durante seu “período de gotejamento”, de 1947 a 1950. O que ele fez antes disso? Experimentou desenhos, gravuras e pinturas surrealistas de humanos, de animais e da natureza.

Agora, analisemos a trajetória do diretor de cinema Peter Jackson. Abrangendo três anos (de 2001 a 2003), sua trilogia O Senhor dos Anéis pode ser entendida como o clímax da sua carreira. Pouco antes disso, porém, Jackson estava trabalhando em uma ampla gama de gêneros de filmes, incluindo biografias, comédia e terror.

O que esses dois artistas têm em comum é que sua “maré de sorte” foi desencadeada por aquilo que o estudo chama de experimentação, seguida de mais experimentação. “Antes de uma ‘maré de sorte’, a pessoa se encontra em um período de intensa experimentação e aí, quando uma torrente de sucessos começa, a propensão é que ela concentre toda a sua atenção nesse caminho”, diz Dashun Wang, professor de gestão e organizações da Kellogg School of Management da Northwestern University, que liderou o estudo.

Para entender a dinâmica subjacente às carreiras das pessoas, Wang e sua equipe precisavam de muitos dados. Para informações sobre diretores de cinema, eles recorreram ao Internet Movie Database (IMDb), que inclui conjuntos de dados de 79 mil filmes de quase 4.500 diretores. Para os cientistas, eles analisaram as histórias das carreiras de mais de 20 mil cientistas, disponíveis na Web of Science e no Google Scholar (Google Acadêmico). E para analisar o percurso dos artistas, eles coletaram mais de 800 mil imagens de artes visuais de coleções de museus e galerias, que cobrem as histórias de carreira de mais de 2 mil artistas, como Pollock e Vincent Van Gogh. Em seguida, eles usaram inteligência artificial e reconhecimento de imagem para extrair essas imagens, identificar diferentes estilos de arte e traçar sua evolução ao longo de suas carreiras.

O padrão que eles descobriram pode ser entendido como uma espécie de “fórmula mágica”, em que a ordem dos ingredientes – exploração livre e depois exploração focada — é crucial. Por exploração livre, Wang quer dizer tentar coisas novas, experimentar diferentes estilos de pintura ou gêneros de filmes. E por experimentação focada, ele se refere a momentos de foco intenso, em que Pollock e Jackson fizeram pouco mais do que aprimorar sua arte e desenvolver sua experiência.

Em um estudo anterior, publicado em 2018, Wang e seus colegas descobriram que “marés de sorte” geralmente duram de quatro a cinco anos. “A maioria das pessoas atravessa apenas uma torrente de sucesso”, diz ele. E embora a percepção comum seja a de que as torrentes de sucesso ocorrem no meio da carreira, ele diz que isso pode acontecer em qualquer momento da vida — desde que a pessoa siga esse padrão exato.

Isso significa duas coisas. Primeiro: não basta simplesmente continuar experimentando até chegar a uma mina de ouro. Segundo: não basta mergulhar logo de saída em algo muito específico, sem antes tentar coisas e caminhos diferentes. Bem, você até pode fazer de outra forma, mas suas chances de alcançar uma sequência de explosões criativas seriam significativamente reduzidas. Na verdade, diz Wang, os indivíduos que se concentraram apenas em um lado de seu ofício — seja apenas explorando livremente ou apenas explorando com foco restrito — não atingiram uma torrente de sucesso.

“O que esse resultado também sinaliza é que você não pode simplesmente começar sua carreira e depois se especializar”, diz Wang. “A análise nos diz que a experimentação na ausência de grandes ideias tem menos probabilidade de ser produtiva. O que você precisa é pensar de antemão sobre esse período de experimentação.” Ele cita o tenista profissional Roger Federer, que jogou badminton, basquete e críquete antes de se voltar para o tênis. Curiosamente, um relatório de 2015 do Comitê Olímpico Internacional confirmou que os treinadores devem evitar a especialização esportiva em uma idade precoce porque “a exposição atlética diversa e a amostragem de esportes aumentam o desenvolvimento motor e a capacidade atlética”.

Mas se esse estudo foi feito retroativamente, como podemos saber se estamos perto de atingir uma maré de sorte no presente? E como sabemos se é a hora de parar de explorar e começar a aprimorar nosso ofício? O estudo não se aprofunda nesse ponto, mas Wang diz que eles usaram métricas diferentes para avaliar a importância do trabalho das pessoas. Os artistas foram avaliados com base no quanto suas pinturas foram vendidas em leilões. Os diretores de cinema foram avaliados com base nas classificações IMDB de seus filmes. E os cientistas foram avaliados pelo número de artigos publicados, bem como pelo número de vezes que foram citados.

Wang admite que essas medições não são perfeitas. Ele diz que existem outras maneiras de quantificar o sucesso da obra de arte (menções em livros, exposições em museus), mas o preço do leilão é o “mais consistente”. Então uma pintura só é “boa” se vender? Um projeto é bem-sucedido se ganhar algum prêmio?

Wang acrescenta que o estudo se concentra em artistas, diretores de cinema e cientistas porque os dados sobre eles estavam amplamente disponíveis; mas desde o estudo de 2018, outros estudiosos documentaram o fenômeno “torrente de sucesso” em outros domínios, da música à presença na mídia online e startups.

Por enquanto, Wang acha que este estudo pode ser útil para dois tipos de pessoas: as que trabalham diretamente com criação e as que fomentam a criação dos outros. No mundo científico, isso poderia auxiliar o planejamento das agências de financiamento, mas cada campo tem seus próprios investidores e agitadores. “Para cada indústria criativa, existem os tomadores de decisão e os formuladores de políticas que possuem o comando da alavanca que pode aumentar as chances de sucesso desses profissionais”, diz Wang. “Espero que isso forneça algumas reflexões sobre como criar um ambiente que facilite esse período de sucesso extraordinário para um indivíduo.”


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais