Inteligência artificial cria “trilha sonora do mundo”

Em "Sound of the Earth: Chapter 3", os sons enviados pelos usuários entram automaticamente em uma composição em constante evolução

Crédito: DSL Studio

Nate Berg 4 minutos de leitura

Um rosnado gutural gravado no Brasil. O som distorcido de um kazoo gravado na Bielorrússia. A progressão suave de três acordes de um teclado, gravada na França. Esses sons díspares, vindos de lugares distantes do mundo, não poderiam ser mais diferentes. E, no entanto, foram reunidos para formar uma paisagem sonora experimental e alegre, o que foi possível graças à inteligência artificial e, pura e simplesmente, à diversidade do mundo.

Este mashup global de música e de ruídos se chama Sound of the Earth: Chapter 3 (Sons da Terra: Capítulo 3), projeto de arte desenvolvido por Yuri Suzuki, artista de som e sócio da empresa de design Pentagram.

Desenvolvido em colaboração com o Google Arts & Culture para a 23ª Exibição Internacional da Triennale Milano (Trienal de Milão), o projeto está agora em exibição na forma de uma esfera geodésica preta de quatro metros de altura com cerca de 300 alto-falantes incrustados, tocando sons enviados por milhares de pessoas de todo o mundo.

Crédito: DSL Studio

Suzuki diz que o projeto é uma exploração do poder que a inteligência artificial tem de encontrar semelhanças entre sons vindos de lugares muito diferentes, e que sua intenção é desafiar a maneira como experimentamos culturas estranhas à nossa.

Processados ​​por meio de um algoritmo, os sons enviados são compilados em uma paisagem sonora ambiente em constante evolução. Na Trienal de Milão, onde a obra ficará em exibição até dezembro, a composição resultante é tocada fora da esfera. Os sons se repetem e depois desaparecem, e então novos sons são adicionados à mixagem.

Na falta de qualquer melodia discernível, a composição geral está em constante estado de mudança. A esfera representa a Terra –  apesar de sua cor preto fosca e de não trazer nenhuma informação geográfica. Cada som é reproduzido no alto-falante correspondente ao local de sua apresentação.

“As pessoas estão acostumadas a canais estéreo ou à experiência de alto-falante mono. Mas quando você tem uma experiência multicanal, sente que é realmente algo muito novo”, diz Suzuki. “Com 300 alto-falantes, é quase imprevisível de onde virá o próximo som. É um pouco estranho, mas ainda assim é bastante interessante.”

Os visitantes do site do projeto podem gravar e enviar seu próprio som para essa coleção em crescimento. Usando o aprendizado de máquina fornecido por meio das concessões Artists + Machine Intelligence do Google, cada som enviado é processado e vinculado a outros com características semelhantes, para que possam fluir de forma coesa.

“Com base na categorização, a máquina está fazendo suas composições. Ou seja, cada vez que você abre o site, a IA está fazendo novas trilhas”, diz Suzuki. “Estou interessado em inventar uma maneira democrática de criar uma trilha sonora do mundo”, acrescenta.

O resultado é um som ambiente agradável, mas as apresentações também podem refletir a bagunça da democracia. Há palmas, cliques, drones e lamentos. Uma pessoa apresentou o som suave do canto dos pássaros. Outro decidiu apresentar o som do próprio arroto. 

Crédito: Studio DSL

A obra faz parte de uma série de projetos em que Suzuki vem trabalhando desde 2005, quando começou a coletar e compartilhar sons que gravava durante suas viagens ao redor do mundo. “Grandes cidades, como Nova York, Tóquio ou Londres, têm paisagens sonoras totalmente diferentes”, ele observa.

O primeiro capítulo do projeto foi uma coleção de 30 minutos de som e música de diferentes países que Suzuki compilou e gravou em um disco esférico. Sua segunda versão, exibida no Museu de Arte de Dallas em 2019, consistia em outra forma de cúpula preta que reproduzia sons enviados pelo usuário de diferentes partes da cúpula.

“Estou interessado em inventar uma maneira democrática de criar uma trilha sonora do mundo.”

Esta última versão é a mais intrincada, com sons sendo entrelaçados e com a paisagem sonora sendo moldada inteiramente pelo material que é submetido. Na primeira semana de funcionamento, o site recebeu mais de 500 inscrições, com grande variedade de assinaturas sonoras. “Alguns sons são bem suaves, outros são mais agressivos.”

A coleção de sons enviados está crescendo e Suzuki espera que o site continue a servir como uma espécie de arquivo global de sons, com novas composições sendo possíveis a cada envio. Essa também poderia ser uma maneira de suavizar as fronteiras espaciais e geográficas que separam as pessoas.

“O mundo hoje está cada vez menos conectado”, reflete Suzuki. Para ele, unificar sons de pessoas ao redor do planeta é uma maneira de reconstruir essas conexões. “Esse é o meu sonho utópico.”


SOBRE O AUTOR

Nate Berg é jornalista e cobre cidades, planejamento urbano e arquitetura. saiba mais