Funcionários-influencers são recebidos de braços abertos pelas marcas

Empresas apostam nos próprios funcionários para se tornarem promotores das marcas em espaços como TikTok e Instagram Reels

Crédito: Tara Moore/ GettyImages

Camila de Lira 7 minutos de leitura

Os vídeos de rotina viraram rotina no TikTok e em outros aplicativos de vídeo. Trocadilhos à parte, a procura dos usuários por identificação e autenticidade nos conteúdos das redes sociais criou uma nova camada de vídeos: aqueles onde as pessoas trocam informações sobre o que fazem no dia a dia. Alimentação, exercícios (ou a falta de) e a agenda do trabalho fazem parte do roteiro dessas pílulas de conteúdo compartilhadas nas redes.

No TikTok, ficou conhecida a expressão “acompanhe o meu dia”, a ponto de ser usada como piada para quem não segue uma rotina vista como “saudável”, ou, como passaram a ser chamadas, “rotinas tóxicas”. O tema pode até parecer trivial, mas chegou ao radar das grandes empresas e mostrou um ponto-cego da estratégia de marketing das grandes marcas: os funcionários.

Os “funcionários-criadores” ou “creator employees” têm crescido dentro das corporações. Seja para enriquecer o “employer branding”, seja apenas para mostrar os produtos da companhia por um outro ângulo. A pesquisadora e professora da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, Carolina Terra, chama o fenômeno de “influenciadores internos”. 

Carolina Terra, da Casper Líbero (Crédito: Divulgação)

“Os funcionários podem ser o primeiro exército de divulgação de uma marca. O mercado desenvolveu essa camada de influência, que traz mais autenticidade e veracidade ao conteúdo transmitido em comparação às comunicações oficiais ou até mesmo aos influenciadores profissionais”, aponta Carolina, que estuda a tendência na perspectiva da comunicação.

Os criadores de conteúdo e nanoinfluenciadores têm ganhado mais relevância para as marcas por gerarem uma “conexão autêntica e genuína com a audiência”. acredita Gian Martinez, cofundador e CEO da Winnin, empresa que consolida dados de plataformas de vídeo e analisa tendências de conteúdo. “Se [a marca] conseguir ter microinfluenciadores dentro de casa, no seu próprio time, melhor, não é?”, aponta.

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Aumentar a rede de influência e a entrada em comunidades de nicho é algo que chegou aos conselhos executivos das grandes empresas. Uma delas é a Nestlé, que, no começo do ano,  iniciou uma “escola interna de influenciadores”, a partir da infraestrutura da Nestlé Creators – plataforma que já era voltada para criadores e nanoinfluenciadores externos.

“A Nestlé Creators já era nosso programa de aceleração para micro influenciadores. Desde 2019, o projeto rendeu frutos interessantes nesse universo. Pensamos: por que não aplicar esse mesmo pensamento para os nossos colaboradores?”, conta Ionah Kochen, vice-presidente de marketing e comunicação da gigante da alimentação no Brasil.

Logo no mesmo dia que abriram as inscrições para o público interno da Nestlé, a companhia recebeu cerca de 800 pedidos. “Vieram das fábricas, dos centros de distribuição, das butiques Nespresso. Isso nos mostrou que existe vontade dos colaboradores em criar nas redes sociais”, comenta.

Na Ambev, foi o vídeo de um trabalhador compartilhando como acontece o benefício da “venda funcionário” que acendeu o farol do RH. Um dos primeiros colaboradores a compartilhar o vídeo no TikTok, Luiz Gomide, já tem quase 75 mil seguidores na rede e 2,2 milhões de curtidas. 

“É algo que sempre existiu. Antes do TikTok, as pessoas já postavam coisas do trabalho. Percebemos que era hora de ajudar o pessoal”, conta a head de pessoas da Ambev Tech, Fernanda Milani.

A Ambev Tech montou um time de creators e um de speakers para acelerar os talentos de conteúdo internos. Na primeira edição, foram 120 inscritos. O time de creators criou e publicou mais de 25 materiais e gerou uma audiência de 50 mil no Instagram, fora das postagens oficiais da Ambev. Além disso, o vídeo foi o escolhido por 9,6% dos creators da área de tecnologia. “Cultuamos um movimento que já existia”, explica Fernanda. 

A primeira onda de vídeos dos Nestlé Creators internos foram os de rotina. Conteúdos de receitas de comida (e sobremesas) e de funcionários mostrando produtos também foram publicados. “É uma forma de multiplicar a ressonância das marcas em redes que nem sempre a gente consegue atingir”, diz Ionah. “Além disso, estimula a Nestlé como marca empregadora, já que atrai os talentos que se sentem refletidos nos valores que são propagados pelos colaboradores em suas redes.”

A executiva da Nestlé conta que o Creators tem feito bate-papos entre os inscritos e os responsáveis por diversas redes sociais para que, assim, os funcionários consigam entender como elas funcionam e compreender como o conteúdo pode ficar mais interessante para a audiência.

O PLAYBOOK DOS INFLUENCERS INTERNOS

O estímulo para a criação de conteúdo com qualidade vem junto com o ensino sobre o que se pode ou não postar. “De certa forma, a marca abriu mão do controle. Um controle que quase não tinha, é fato. Afinal, as pessoas estão na rede, elas estão postando. Ao ter um programa estruturado, de treinamento e capacitação, elas passam a ter do’s e don’ts, e isso é espelhado para esse ‘exército de divulgação’”, comenta a professora e pesquisadora Carolina Terra.

Na Nestlé, os do’s e don’ts passam pela própria publicação de imagens. “No processo, estamos divulgando boas práticas. Um exemplo é: se a pessoa está filmando algo no ambiente de trabalho, deve se certificar de que o colega quer aparecer no vídeo”, aponta Ionah.

Na Ambev, há um treinamento também para o design das apresentações dos speakers. A companhia apoia os funcionários da área de tecnologia que querem se apresentar em talks, não só revisando os textos como também dando indicações de quando se inscrever para eventos importantes do setor. “No mercado de tecnologia, é importante ser referência em conteúdo. O que oferecemos é um treinamento para aqueles que já gostariam de falar sobre o que sabem”, diz Fernanda. 

Gian Martinez, da Winnin (Crédito: Divulgação)

O equilíbrio do treinamento é essencial para os funcionários-criadores florescerem. “Não se pode cercear muito, porque as postagens perdem a veracidade e a autenticidade com o público. É preciso dosar”, ensina Carolina. 

“É inevitável, e as empresas que não se adaptarem a esse contexto vão ter dificuldade para reter talentos. Imagine chegar para um colaborador e dizer que ele não pode postar seu ponto de vista sobre as coisas”, sugere Gian Martinez. 

MILHARES DE PORTA-VOZES

Se a empresa ganha milhares de porta-vozes, ela também se arrisca a ter que gerenciar o que cada um deles porta-vozes disser de errado. Nesse sentido, a estratégia dos funcionários-criadores anda lado a lado com a transparência e as organizações abertas. 

“Se a maior parte não estiver satisfeita no ambiente de trabalho, incentivar os influenciadores internos será um tiro no pé. É capaz de haver detratores internos”, avisa Carolina. Sites como Glassdoor, onde se contam experiências (boas ou ruins) vividas em empresas, são um exemplo disso. “Há lugares que não tem como abraçar programas assim”, comenta a professora. 

@lfgomide574

Finalmente conseguimos juntar uma boa parte da nossa turma do trainee 🤩 Comentem ai em quais vagas gostariam de trabalhar! #trabalharnaambev #ambev #trabalho #trainee #emprego

♬ original sound – Luiz Gomide

De acordo com Ionah, não há mais como desvincular a vida profissional da pessoal na web. O que significa que, hoje em dia, as pessoas são mais atentas ao conteúdo que postam. “Existe uma autorregulação importante, as pessoas estão aprendendo o que podem colocar no ar naturalmente. Mas sabemos que, como empresa, temos que ter confiança, estar abertos a ouvir e a receber as postagens como feedback”, afirma. 

Além disso, as companhias precisam se adequar às questões jurídicas que podem vir junto com a opção de transformar os funcionários em promotores da marca. Algumas, como a Dunkin Donuts (fora do Brasil), remuneram os funcionários para que eles postem conteúdo no TikTok. 

O equilíbrio do treinamento é essencial para os funcionários-criadores florescerem.

A capacidade de engajar com comunidades específicas também é um atrativo para a Ambev Tech, que já olha se os futuros profissionais têm voz ativa nas redes sociais. 

Nesse cenário, não é impossível imaginar um programa de bônus ou de reconhecimentos adicionais a partir da ação dos influenciadores internos, como sugere Carolina. Além disso, é preciso pensar nos contratos de cessão de imagem. 

Do lado dos funcionários, estar nas redes pode ser um passo importante para criar sua marca pessoal e se mostrar como especialista em um assunto. “Há um ganho nessa relação”, comenta Fernanda, principalmente no segmento de tecnologia. 

A pergunta que fica é: qual será a nova rotina dos funcionários-influenciadores quando eles baterem milhões de seguidores? E qual será a nova rotina dos escritórios para absorver esta geração que une visibilidade à própria existência?


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais