Como o Youtube pavimentou o caminho para as redes sociais
Em seu novo livro, o autor Mark Bergen conta a história da plataforma de vídeo
Em 2005, o YouTube recebia, em média, 24 horas de conteúdo em vídeo a cada minuto – um número impressionante para a época. Dez anos depois, alcançou a marca de 400 horas de vídeo por minuto.
Embora tenha se consolidado como a principal plataforma de vídeo da internet, seu sucesso nem sempre foi dado como certo. Em 2007, apenas dois anos após seu lançamento (e um ano após ter sido adquirido pelo Google), a Viacom processou o YouTube em US$ 1 bilhão, alegando violação de direitos autorais e ameaçando derrubar o site por completo.
“Ninguém apostava no YouTube e a mídia tradicional acreditava que logo se tornaria obsoleto”, conta Mark Bergen, repórter da Bloomberg e autor do livro “Like, Comment Subscribe: Inside YouTube’s Chaotic Rise to World Domination” (Curta, comente e inscreva-se: por dentro da ascensão caótica do YouTube até a dominação mundial).
A Fast Company conversou com Bergen sobre seu livro, que narra a história por trás do repentino sucesso do YouTube.
Quais os principais fatores que explicam a ascensão do YouTube?
Durante as minhas pesquisas, aprendi bastante sobre o YouTube. Primeiramente, descobri que a fixação por métricas sempre esteve muito presente. Essa também é a filosofia por trás do Google: metas e resultados. O YouTube definiu o tempo de exibição dos vídeos como sua métrica-padrão e muitas das decisões que tomaram foram baseadas nela. Mas eles não tinham as ferramentas em mãos para lidar com os efeitos.
O YouTube preparou o terreno para que o TikTok pudesse existir.
A segunda [coisa que descobri] é que para realmente entender o YouTube, temos que voltar no tempo e analisar como se deu o processo da Viacom contra a plataforma. Enquanto ele ocorria, alguns dos primeiros problemas com direitos autorais e tomadas de decisões importantes vieram à tona.
De volta a 2005, por que a origem do YouTube foi tão importante?
O YouTube preparou o terreno para que o TikTok pudesse existir. Ele definiu muito da economia de criadores que vemos hoje. Foi a primeira plataforma a pagar usuários de maneira significativa. É um lugar onde os criadores podem realmente construir negócios e viver de seu conteúdo. As redes sociais agora estão caminhando na mesma direção, mas isso é apenas uma resposta à economia que o YouTube iniciou.
Dez anos atrás, isso não existia. O YouTube teve que lidar com muitos problemas, como monetização, quais vídeos monetizar e o quanto isso agradaria anunciantes e criadores.
Também precisou enfrentar o desafio de equilibrar diferentes forças – espectadores, anunciantes e criadores. Agora outras redes, como TikTok, Spotify, Twitch e Instagram, estão experimentando o mesmo. Basicamente, todas as plataformas que utilizam o modelo de economia de criadores terão de enfrentar esses mesmos problemas.
Você fala sobre o YouTube como uma rede social, semelhante a plataformas, como Facebook e Twitter. No entanto, parece que conseguiu escapar de muitas das críticas feitas a elas recentemente. O que o torna diferente?
A principal diferença foi o Trump. Ele adorava o Twitter e tinha uma grande presença no Facebook – já no YouTube, bem menos. Ambas as plataformas suspenderam indefinidamente a conta de Trump depois do dia 6 de janeiro de 2021 [dia da invasão do Capitólio]. Mas o YouTube, por várias razões, não costuma ser palco de mal-estar político como, digamos, o Twitter.
O YouTube teve que lidar com muitos problemas, como quais vídeos monetizar e o quanto isso agradaria anunciantes e criadores.
Tampouco se assemelha ao Facebook, onde é comum encontrar algum familiar defendendo uma posição política totalmente diferente da sua. No YouTube, o foco é mais restrito. Além disso, a experiência da maioria se dá através de canais, como de culinária ou vídeos ensinando a fazer todo tipo de coisa. Elas não veem política, mas ela está lá.
O YouTube foi a plataforma onde a mídia de direita e os think tanks cresceram. Era a única que pagava seus criadores. Um de seus principais diferenciais é que lá é possível realmente construir uma operação de mídia sustentável.
De certa forma, quando você pretende ganhar escala usando o modelo de negócios que o YouTube escolheu, precisa sacrificar coisas que podem servir às comunidades online. Basta pensar no TikTok hoje. Eles não se consideram uma rede social; são uma empresa de entretenimento. O YouTube sempre teve essa combinação fascinante.
É difícil falar sobre o YouTube sem mencionar sua impressionante capacidade de recomendar vídeos e atrair espectadores. Como fazem isso?
Uma das decisões mais importantes que o YouTube tomou foi a rápida adoção da tecnologia de machine learning. Construíram um sistema de aprendizado capaz de identificar o momento ideal para entregar anúncios aos usuários.
Mesmo uma década atrás, o YouTube era muito cuidadoso em relação à exibição constante de anúncios. Havia uma tendência anticomercial e antipropaganda muito forte, o que soa engraçado hoje em dia. Agora, há anúncios no meio dos vídeos, conteúdos patrocinados, tudo é bastante comercial.
Um dos principais diferenciais [do youtube] é que lá é possível construir uma operação de mídia sustentável.
O YouTube estava tentando descobrir como exibir anúncios sem afastar as pessoas. Então, construiu um algoritmo que basicamente aprendeu que se oferecessem uma experiência de, digamos, 20 minutos sem publicidade, os usuários provavelmente se sentiriam mais confortáveis em assistir a um anúncio. Essa foi a estratégia determinante que deu o pontapé inicial nos negócios.
Ao mesmo tempo, os algoritmos eram muito bons em sugerir vídeos que as pessoas queriam assistir. O YouTube talvez tenha um dos melhores mecanismos de recomendação em termos de oferecer às pessoas conteúdos específicos.
O que o futuro reserva para o YouTube?
Acredito que está diante de uma ameaça real com a popularidade do TikTok, provavelmente maior do que qualquer outra que já tiveram que enfrentar. É uma ameaça bilateral, tanto para os espectadores quanto para os criadores. A geração Z vem passando cada vez mais tempo no TikTok e encontrou nele uma chance de atingir o sucesso. No fim das contas, tudo é sobre competir por atenção e tempo – e há apenas 24 horas em um dia.
Dito isto, o YouTube deu um grande impulso à televisão. Ele vem se assemelhando ao formato, e vice-versa. Será bastante interessante ver como evitará se tornar uma plataforma de compras, até mesmo pelo fato de não estar recebendo a mesma reação negativa que o Instagram. Obviamente, o YouTube não está abandonando o conteúdo em vídeo, mas está focando mais no comércio.
Esta entrevista foi editada para maior clareza e brevidade.