O que a Apple e a Amazon, de repente, têm em comum
Assim como sua grande rival na tecnologia, a Apple descobriu o poder do medo para vender hardware e serviços
Em um primeiro olhar, o evento de apresentação do iPhone 14 (no dia 14 de agosto) parece ter sido descontraído, como costumam ser os lançamentos da Apple. Mas basta um olhar mais atento para notar que, desta vez, o tom adotado pela empresa foi bem mais sombrio.
Desde o início, a Apple parecia estar alertando os usuários de que o perigo os espreita em todos os lugares. A montagem de abertura, sobre o novo Apple Watch, trazia um compilado de usuários lendo mensagens endereçadas a Tim Cook. Eles agradeciam por terem tido suas vidas salvas pelo relógio.
Depois do vídeo com os relatos desses sobreviventes de acidentes graves – incluindo uma queda de avião e um provável ataque de urso – seguiu-se uma discussão aprofundada sobre como o novo Apple Watch Series 8 é capaz de identificar acidentes de carro.
Mais adiante, a Apple descreveu as muitas maneiras pelas quais um Apple Watch Ultra consegue proteger alguém do perigo. Um vídeo promocional descrevia sobriamente recursos que “rastreiam a sua localização, mesmo quando as condições te deixam perdido”.
Finalmente, para a apresentação do iPhone 14, voltou-se a mencionar acidentes de carro – sim, o aparelho também detecta acidentes. Foi divulgada uma nova capacidade de entrar em contato com serviços de emergência via satélite, fechando com um vídeo sombrio de equipes de resgate lutando para salvar dois usuários via helicóptero.
Tudo nesse lançamento foi angustiante, mas, ao mesmo tempo, um pouco familiar. Ao que parece, a Apple andou se inspirando nos manuais da Amazon.
A SEGURANÇA EM DESTAQUE
A Amazon se voltou cada vez mais para a mobilização do medo como peça central dos esforços de sua equipe de desenvolvimento. Dispositivos como o alto-falante Echo, antes vendido como um aparelho inócuo para tocar música ou verificar o clima, agora funciona como uma forma de ouvir invasores em casa e afastá-los com falsos latidos de cães.
A marca Ring, mais conhecida por suas câmeras de campainha, expandiu-se para sistemas de alarme doméstico, câmeras de painel de carros e drones de segurança doméstica.
Durante o verão, passei algumas semanas escrevendo uma resenha sobre o robô doméstico Astro, mas nunca consegui descobrir para o que ele poderia ser útil. Quando pressionei a Amazon para obter exemplos, a empresa apontou principalmente a segurança doméstica, reduzindo um trabalho realmente impressionante de hardware a uma mera câmera sobre rodas.
Fiquei triste de ouvir que a Amazon pretende adquirir a iRobot, pois os ambiciosos planos da equipe criativa do fabricante de aspiradores de pó provavelmente serão reduzidos a um destino semelhante.
a exploração do medo faz com que as pessoas percebam mais perigos do que realmente existem. Isso vira um refúgio barato para empresas sem ideias.
Sim, já entendi: o medo vende. Isso em si não é nenhuma novidade e consigo entender por que as grandes empresas de tecnologia se envolveriam nisso. Mas o risco para a Apple é que a exploração do medo também corrompe. Ela faz com que as pessoas percebam mais perigos do que realmente existem, e isso vira um refúgio barato para empresas que estão sem ideias.
Pior ainda: serve como justificativa para vigilância persistente por meio de câmeras e sensores – e devemos ser céticos quanto a isso, por mais respeitosa que uma empresa afirme ser.
FORÇANDO A BARRA
Meu ponto não é que a Apple deva evitar incorporar novos recursos de segurança em seus produtos ou que se abstenha de falar sobre eles. Muitos parecem genuinamente úteis e, quando se espalharem na escala do iPhone, certamente vão fazer com que as cartas de elogio continuem chegando na caixa de correio de Tim Cook.
Mas se a Apple forçar demais esses recursos, vai acabar passando a mensagem de que ninguém está realmente seguro, a não ser que compre um iPhone e um Apple Watch. Isso é desprezível do ponto de vista de marketing e preocupante em termos daquilo que a empresa escolhe focar.
Em outras palavras: a Apple tem muito mais a oferecer do que proteção contra acidentes bizarros. Se eles não conseguem mais descobrir como nos vender algo além disso, é um sinal de problemas maiores.