Bora misturar trabalho com política


LG Lo-Buono 6 minutos de leitura

Você também adora eleições?

Para mim, aqueles poucos segundos íntimos diante de uma urna, só eu e ela, sempre funcionaram como reforçador positivo de um sentimento que eu definiria como “a plenitude de colocar a minha interpretação de mundo a serviço desse mundo.”

Apertar o botãozinho é uma ação pragmática que funciona como um desfecho ridiculamente simples da soma de um sem-número de conversas de bar, discussões de WhatsApp, reflexões da madrugada e compartilhamentos em redes sociais que, até então, eram só isso mesmo.

Escolher em quem votar é poderoso demais. Porque isso não diz respeito a quem você escolheu. Diz respeito, essencialmente, a você e ao que te constitui como ser humano para além do observável: as suas ideias. E as suas ideias, minha amiga e meu amigo, são a coisa mais poderosa que você tem.

Por isso, hoje queria dividir umas ideias com você, que quer ser antirracista no seu trabalho, mas não “mistura trabalho com política”. Te convido a refletir nos paralelos que construo a seguir.

Vamos aos fatos.

RENDA, RAÇA E GÊNERO

Dados do TSE indicam que, nas eleições de 2022, candidatos homens brancos têm uma média de bens declarados que somam nove vezes mais que os bens declarados de candidatas mulheres negras (e quase 12 vezes mais que os de candidatas mulheres indígenas).

as suas ideias, minha amiga e meu amigo, são a coisa mais poderosa que você tem.

A disparidade de renda pelo recorte de gênero e raça não é um privilégio apenas do cenário político, claro. No mercado de trabalho brasileiro, de forma geral, homens brancos ganham um salário médio mensal de R$ 3.467, ante R$ 1.950 dos ganhos mensais de homens negros e R$1.573 de mulheres negras.

Pois é. E não se adiante em sua conclusão sobre este ser um dado que “faz sentido” (percebe o racismo entre as aspas?) para posições de entrada ou cargos formais de menor hierarquia ou mesmo subempregos. As pessoas negras mais ricas do Brasil ainda possuem proporcionalmente quase a metade da renda das pessoas brancas mais ricas.

A empresa em que você trabalha faz parte da mesma sociedade que elege governantes que legislam ou executam iniciativas com efeitos diretos nas sanções, incentivos, condições, regulamentações e parâmetros (abre alas para o ESG!) que impactam a empresa e seus dirigentes. As ideias dessas e desses governantes influenciam diretamente as ideias do seu CEO e do próprio negócio.

Trabalho tem a ver com política.

PROPORCIONALIDADE E REPRESENTATIVIDADE

Nas eleições de 2022, as candidaturas negras bateram recorde.

São 49,6% de pessoas negras candidatas, ante 48,9% de candidaturas brancas. Há motivo para celebração, ainda que com o pé no freio crítico sobre o processo de autodeclaração de raça (já chegaremos lá!).

Ainda assim, precisamos aguardar outubro para comemorar de verdade, com churrasco e cerveja. Afinal, nas eleições de 2018, mesmo com o também avanço do número de candidaturas negras, estas pessoas efetivamente eleitas foram apenas 24,3% (do total de 46% de candidatas/os).

Fora isso, quando observamos a divisão por cargos mais altos em 2022, pessoas negras representam apenas 31% das candidaturas ao Senado e 38% ao governo dos Estados. Vale lembrar que temos apenas duas pessoas negras candidatas à presidência da república, que sequer aparecem nas pesquisas de intenção de voto.

mesmo com um aumento de 400% de pessoas negras no ensino superior nos últimos dez anos, ainda representamos apenas 5% dos cargos de média e alta liderança.

A empresa em que você trabalha tem, possivelmente, um cenário similar. Afinal, mesmo com um aumento de 400% de pessoas negras ingressando no ensino superior nos últimos dez anos (alô, políticas públicas!) e iniciativas recentes de entrada em grandes empresas como programas de estágio e trainee para pessoas negras tendo dobrado em quantidade, nós ainda representamos apenas 5% dos cargos de média e alta liderança dessas mesmas empresas.

Olhe ao redor na sua próxima reunião de trabalho. Qual a cor das pessoas presentes, e em quais posições?

Trabalho tem a ver com política.

BRANQUITUDE E PRIVILÉGIO BRANCO

Você deve ter visto casos, em particular um bastante veiculado, de pessoas candidatas brancas se autodeclarando como pardas/ negras recentemente, né? Me lembra aquelas frases que tanto ouvi na minha vida de colegas brancos que, ao voltar das férias, apontavam para a própria pele e me diziam: “olha, tô bronzeado igual você agora!”.

Eu não sou bronzeado, apesar de adorar torrar no sol também. O bronze, a “morenice”, a “pele queimada”, são manobras de linguagem e subjetividades observáveis que dizem mais respeito à raça branca do que à raça negra. E dizem mais respeito num sentido direto e objetivo: a branquitude é uma condição que garante a pessoas brancas um lugar social de privilégio tal que permite, inclusive, que elas resolvam, da noite para o dia, proclamar em voz alta sua suposta raça negra apenas porque sim.

Se o racismo está em tudo, dizer-se antirracista é promover o antirracismo em tudo.

No caso dessas eleições, pela primeira vez os partidos precisarão repassar verbas proporcionais ao número de candidatas mulheres e candidatos negros. Ou seja, a proclamação da suposta negritude de certas candidaturas acontece tanto pela intenção de prospectar possíveis eleitores mal-informados quanto… por dinheiro.

Neste ano, pelo menos 1.387 candidatos alteraram a declaração de sua raça, sendo que 547 pessoas que se declararam brancas passaram a se registrar como pardas (negras).

A empresa em que você trabalha tem ideia de quantas pessoas negras e não-negras trabalham aí? Sabe quantas lideranças negras e não-negras ela possui? Este é um dado conhecido e divulgado?

Você apostaria dinheiro na ideia de que “as pessoas brancas da minha empresa têm plena consciência racial e conhecimento sobre origens, efeitos e manifestações do racismo, incluindo conhecimento sobre sua própria branquitude e privilégio branco?” Aliás… é você uma dessas pessoas?

Os comportamentos racistas de candidatos brancos na política, incluindo apenas um deles como a autodeclaração de raça, são tanto sintoma quanto causa do mesmo sistema social em que a sua empresa (e os fundadores, sócios e líderes de sua empresa) atuam.

Trabalho tem a ver com política.

Há muitos anos venho refletindo, regularmente, sobre os paralelos entre todas as esferas que constituem nossa vida em sociedade, quando pensamos em sistemas de opressão, poder e controle como o racismo.

Dizer-se antirracista não é um contrato “por job” – é um compromisso integral. Dizer-se antirracista não é comemorar que a empresa finalmente contratou aquela diretora negra única para um cargo de liderança – é questionar quando outros serão contratados. Dizer-se antirracista não é orgulhar-se de nunca ter ofendido um homem negro no estádio de futebol – é reprimir com firmeza qualquer comentário “não intencionado” vindo de sua roda de amigos e colegas.

Se o racismo está em tudo, dizer-se antirracista é promover o antirracismo em tudo.

Se falta representatividade no meio político, as ideias lá promovidas dificilmente estarão alinhadas às suas próprias ideias antirracistas.

Dê o seu voto a pessoas negras.

No trabalho e, especialmente, neste outubro.


SOBRE O AUTOR

‘LG’ Lo-Buono é especialista em DE&I para organizações, fundador e diretor da consultoria Pulsos. Trabalha com marcas como Meta, J... saiba mais