Como a mudança climática aumenta a desigualdade entre ricos e pobres

A corrida por terrenos mais altos: novo estudo mostra como a gentrificação climática está deslocando comunidades vulneráveis

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Adele Peters 4 minutos de leitura

Depois da passagem do furacão Ian, na Flórida, ainda não ficou claro quantas casas foram destruídas. Mas já está claro que alguns bairros podem levar anos para ser reconstruídos e que, muito provavelmente, as pessoas que têm mais recursos vão optar por se mudar para terrenos mais altos.

Isso já estava começando a acontecer em algumas partes da Flórida, já que o estado está cada vez mais ameaçado pelo aumento do nível do mar.

Em alguns casos, as pessoas que têm condições de se mudar estão deslocando os moradores mais pobres de suas casas que ficavam mais para o interior ou morro acima – um processo chamado de gentrificação climática. Áreas que antes eram mais baratas porque não tinham vista para o mar agora estão se tornando mais cobiçadas.

Um novo estudo mostra como é possível mapear onde a gentrificação climática já está acontecendo ou corre o risco de acontecer no futuro.

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Os pesquisadores descobriram que não é apenas uma questão de pessoas mais ricas se mudarem para novos bairros. Em pelo menos uma área, um bairro na cidade de Tampa, parece que as empresas também estão começando a deslocar moradores de baixa renda que viviam em áreas mais seguras contra inundações.

“Descobrimos que as empresas e a indústria também entraram nessa corrida por terrenos mais altos”, diz Jesse Keenan, professor da Universidade de Tulane e um dos autores do estudo.

Conforme os valores das propriedades vão aumentando, aumentam as chances de os proprietários  forçarem a saída dos antigos inquilinos, para aumentar os preços dos aluguéis.

Em dois estudos de caso que testaram o novo modelo, os pesquisadores analisaram dados sobre os riscos ambientais do aumento do nível do mar, juntamente com dados sobre aluguéis, despejos e vulnerabilidade social, para criar um “índice de risco de gentrificação climática”.

O modelo não tenta adivinhar as razões que levam alguém a se mudar, mas procura a correlação entre o risco ambiental e os locais para onde as famílias estão se mudando. “É claro que existem outros fatores na gentrificação, mas o clima é definitivamente um catalisador”, diz o coautor Marco Tedesco, cientista climático da Universidade de Columbia, que desenvolveu o conjunto de dados subjacente ao estudo.

“O modelo destacou algumas áreas que sabemos serem uma espécie de marco zero para a gentrificação climática em termos qualitativos”, diz Keenan. Em Miami, o modelo identificou Little River, uma comunidade próxima ao bairro mais rico de Miami Shores. Little River é mais segura contra inundações e também está se gentrificando rapidamente, com uma taxa muito maior de despejos do que Miami Shores.

Conforme os valores das propriedades vão aumentando, aumentam as chances de os proprietários forçarem a saída dos antigos inquilinos, para aumentar os preços dos aluguéis. “Pelo menos parte da gentrificação pode ser atribuída à aversão ao risco ambiental e relacionado ao clima”, diz o estudo.

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Em Tampa, os pesquisadores analisaram um bairro chamado Dixie Farms, outra comunidade de baixa renda próxima a bairros com maiores riscos de inundação. O modelo mostrou que o deslocamento vem acontecendo rapidamente por lá. Quando visitaram Tampa para investigar mais, descobriram que algumas casas acessíveis e parques de trailers no bairro haviam lentamente sido vendidos e substituídos por empresas.

Isso ocorre em parte porque Tampa, reconhecendo o risco de aumento do nível do mar, tornou mais difícil obter licenças para construir ou expandir a indústria em áreas propensas a inundações. Mas isso também significa que muitas pessoas que vivem em Dixie Farms tiveram que se mudar. Para as poucas famílias que ainda vivem lá, isso também significa exposição a mais poluição industrial.

As pequenas empresas também precisam de um lugar para ir à medida que a água sobe, e os governos precisam fazer mais para acomodar todos, dizem os autores do estudo.

“Precisamos começar a planejar hoje as decisões e movimentos de uso da terra no futuro, em vez de apenas deixar o mercado criar aleatoriamente a situação que teremos”, diz Keenan. “O que aprendemos até agora é que precisamos estar atentos para onde esses conflitos estão surgindo hoje e amanhã.”

No futuro, esse modelo poderá ser usado para mapear a potencial gentrificação climática desencadeada por outros desastres, como incêndios florestais. Mas, por enquanto, os pesquisadores continuam refinando o modelo e esperam disponibilizá-lo como uma ferramenta online.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais