O ato de alimentar vai muito além de manter o corpo nutrido e saudável. A alimentação cria laços entre as pessoas, renova memórias de experiências emotivas. São incontáveis as boas lembranças visuais, olfativas e gustativas: verduras recém-colhidas, o pãozinho saindo do forno na padaria, o bolo da vovó, os aromas de alimentos e temperos em viagens, os cozidos em fogão a lenha, os alimentos em preparação em casa.
Por outro lado, não ter o que comer é cruel, desumana. “A fome derruba governos”, ressalta Roberto Rodrigues, Ex-Ministro da Agricultura e coordenador da Fundação Getúlio Vargas. Insegurança alimentar é um problema essencialmente social e humanitário, um fator de segurança pública. Não importa quão elaborada é a receita ou ainda a quantidade de alimentos, essa memória afetiva somente vem quando a fome estiver saciada.
Cientes da situação, a CropLife Brasil (CLB) está trazendo luz sobre o tema, apontando algumas soluções viáveis a partir de experiências e iniciativas próprias. Algumas destas foram retratadas na série de vídeos produzidos pela CLB que demonstram como alinhar iniciativas que promovem a segurança alimentar com o trabalho da entidade.
Segundo a FAO, os pequenos produtores respondem por 1/3 de toda a produção de alimentos no mundo. É respeitável a importância deles na segurança alimentar mundial. As variáveis com que convivem são inúmeras. Entre elas, o clima cada vez menos previsível, que dificulta programar plantios e colheitas, e o ataque de pragas e doenças, que pode resultar na perda de 40% da produção, segundo dados da FAO. Para enfrentar esse cenário, é essencial que o produtor tenha acesso a sementes certificadas e tecnologias biológicas e químicas de defesa vegetal. Por outro lado, o mercado seleciona os produtos de acordo com a preferência dos consumidores, o que pode fazer com que alimentos fora do padrão estético usual percam valor ou mesmo sejam desperdiçados. Nesse caso, a solução passar por uma re-educação sobre o consumo de alimentos.
Olhando o pequeno produtor no campo, os desafios da terra são contados por Beatriz Sabino, uma pequena produtora que faz parte da cooperativa dos agricultores de Quatinga, que fica na região de Mogi das Cruzes, no cinturão verde de São Paulo. Ela conta que, apesar de ter crescido na roça e ter vivido diversas experiências de superação pessoal e emocional, conciliando a vida de estudante e trabalhando nas terras, conseguiu evoluir nos estudos chegando ao ensino superior. A maternidade trouxe o entendimento sobre a importância da agricultura. “Minha mãe, minha avó e essas terras nos acolheram. Hoje, minha filha Isadora tem nove anos e diz com muito orgulho que somos agro!”, revela.
Os meses mais restritivos da pandemia foram muito difíceis para os agricultores, especialmente os de pequeno porte, como conta a produtora Simone Silotti, que trabalha com verduras hidropônicas, também em Quatinga. “Com a interrupção das atividades de restaurantes, lanchonetes e diversos tipos de cozinhas comerciais por tempo indeterminado, nós, horticultores, ficamos sem alternativa”. A preocupação de Simone se justificava pela janela curta de colheita para esse tipo de alimento e pelo fato de eles não poderem ser armazenados. “Tivemos um plantio de rúcula, por exemplo, que a altura das plantas excedeu o tamanho desejado pelas redes de varejo. Eram cerca de mil pés de verduras que teriam que ser destruídos”, lamenta ela. À época, diante dessa hipótese, buscou outros quatro produtores na região com problemas similares. Simone resolveu recorrer à formação de uma rede colaborativa e pedir ajuda a empresas solidárias.
A iniciativa começou com produtores vizinhos, mas, em pouco tempo, se organizou na cooperativa agrícola de Quatinga e Região (CAQ). A ideia é vender para empresas solidárias a produção de hortaliças que os cooperados teriam que destruir por não terem conseguido vender a tempo. Essas hortaliças compradas pelos parceiros são, posteriormente, doadas para comunidades em situação de vulnerabilidade social. A partir daí, nasceu o projeto #FaçaumBemINCRÍVEL, em 2020.
Joanadaque dos Santos, do assentamento Nova Laranjeiras, é a líder comunitária que assume as iniciativas para melhorar a qualidade de vida dos habitantes, lutando prioritariamente por alimentos. “Primeiro temos que buscar os alimentos para nossa comunidade, para depois olharmos para água, luz e outras benfeitorias”, reforça ela.
Com mais de 2 mil famílias no assentamento, o desafio de manter comida sobre as mesas é grande. “Se tiver dois pacotes de arroz em casa, veja se o seu vizinho tem algo para comer naquele dia. Se não, compartilhe com ele, não precisa ter mais de um pacote em estoque em casa enquanto alguém passa fome”, diz Joana, orientando os moradores e conscientizando sobre a importância de redistribuir alimentos.
Joana segura com mãos fortes as iniciativas para alimentar a comunidade. Nada se perde no local. As eventuais raízes retornam à terra para gerar novos alimentos, talos viram bolos e outras receitas que complementam a nutrição. Tudo se planta, com amor e carinho, sabendo que um dia irá alimentar alguém. “O trabalho de ficar pedindo comida é cansativo, não para”. Joana, liderando as iniciativas locais, entende que o alimento tem que chegar a todas as pessoas e todos os dias. Isso é parte fundamental da segurança alimentar.
Qu Dongyu, presidente da FAO-ONU, identifica quatro áreas prioritárias que precisam de ação acelerada para melhorar a segurança alimentar.
A primeira é o apoio imediato às pessoas vulneráveis através dos sistemas de proteção social, especialmente nas zonas rurais e entre os grupos vulneráveis. A segunda questão diz respeito à promoção da produção agrícola, garantindo o acesso dos agricultores familiares a sementes e fertilizantes a preços acessíveis, capital de giro e assistência técnica e vínculos com os mercados.
Em terceiro, o diretor-geral destacou a necessidade de facilitar o comércio de produtos e insumos agrícolas para evitar maiores interrupções na produção de alimentos; seguida, em quarto, pela necessidade de investir em agricultura resiliente ao clima para enfrentar e reverter os efeitos da crise climática.
Todas as premissas apontadas pelo executivo da FAO podem ser enquadradas na iniciativa da CLB. Contando com o suporte do Grupo Mulheres do Brasil e a organização do #FaçaumBemINCRÍVEL, realizou a conexão e entrega de muitas toneladas de alimentos no Assentamento Nova Laranjeiras, que seriam perdidos sem o trabalho e união de todos.
Até o mês de setembro de 2022, com a contribuição da CropLife Brasil (CLB), o projeto atingiu a marca de 340 toneladas de frutas, verduras e legumes resgatadas e doadas para mais de 300 mil famílias da Região Metropolitana de São Paulo, Campinas, Sumaré, Paulínia e Baixada Santista. A CLB é uma dessas entidades solidárias que contribui para fazer com que, de um lado, se evite o desperdício no campo, e de outro, alimentos ajudem no combate à fome e insegurança nutricional. “Por meio dessa ação, a gente espera dar um estímulo para que produtores de pequeno porte possam voltar a investir em tecnologia, sem a qual a produtividade e a sustentabilidade podem ficar comprometidas. Ao mesmo tempo, a gente mostra o compromisso do agro em produzir alimentos seguros e saudáveis e ajudar que eles cheguem a quem precisa.”, completa Adriana.
A CropLife Brasil contribuiu com a aquisição de seis toneladas de hortaliças de pequenos agricultores. A primeira entrega, de uma tonelada de alimentos, foi realizada em agosto de 2022, no Assentamento Nova Laranjeiras.