Marjorie Teixeira, da P&G: “não vamos conseguir fazer tudo sozinhos”
A responsável pela área de ESG da empresa topou ser "sabatinada" por um time de profissionais profundamente comprometidos com o tema
Quando propus a Marjorie Teixeira esta entrevista, avisei que o formato era pouco usual, e que convidaria outras pessoas importantes na cena ESG para participar da conversa, enviando perguntas. A ideia é mesmo dar voz e promover a diversidade e amplificação de ideias, para falar de um tema tão estratégico para as empresas.
Os questionamentos foram feitos por Magareth Goldenberg, CEO na Goldenberg Diversidade e gestora executiva do Movimento Mulher 360; Alini Dal Magro, CEO do Instituto PROA; Kika Brandão, head do Estúdio Eixo; Nana Lima, co-fundadora do Think Eva e do Think Olga; e Erlana Castro, consultora e estrategista criativa em ESG e co-autora do Radar Antifragilidade.
Marjorie, que assumiu o cargo de diretora sênior de comunicação e ESG para o Brasil e a América Latina em julho deste ano – em uma trajetória repleta de escolhas que naturalmente a trouxeram até aqui – sabe o tamanho da sua responsabilidade e deixa clara a importância de parcerias e colaboração para obter progressos significativos. Na luta pelas mudanças, ela tem um forte aliado: seu propósito de vida.
Margareth Goldenberg – Quais são os principais riscos ESG que a P&G enfrenta, como estão lidando com eles e como eles evoluem ao longo do tempo?
Marjorie Teixeira – Falando das ações atuais da P&G no Brasil, temos três focos: impacto na comunidade, igualdade e inclusão e sustentabilidade ambiental.
No pilar de impacto na comunidade, focamos no desenvolvimento integrado da infância e da juventude, por meio de programas de educação, saúde e bem-estar, como o P&G pela Educação e o Água Pura para Crianças. Para mitigar os impactos da crise, também fortaleceremos nossos esforços de mentorias e educação para guiar os jovens em suas carreiras.
Em termos de igualdade e inclusão, queremos acelerar transformações para que todos possam prosperar e promover discussões que criem confiança para todas as pessoas. Temos projetos como o P&G para Você, de capacitação dos participantes pretos e pardos do processo seletivo da companhia com aulas de inglês e mentoria, e o PrideSkill, para facilitar a busca por profissionais LGBTI+. Além, claro, das campanhas de nossas marcas, como a de combate à pobreza menstrual, da Always, que abriu espaço para a discussão sobre um tema até então silenciado no Brasil.
Por fim, como parte da estratégia de crescer com responsabilidade, trabalhamos focados em uma visão de sustentabilidade ambiental de longo prazo, que inclui alimentar nossas fábricas com 100% de energias renováveis; usar 100% de materiais renováveis ou reciclados em todos os produtos e embalagens; depositar zero resíduos de fabricação em aterros sanitários; projetar produtos que encantem os consumidores e, ao mesmo tempo, maximizem a conservação de recursos.
Além disso, nos últimos quatro anos temos investido em projetos que focam no desenvolvimento de ciência e tecnologia, empreendedorismo e geração de renda, empregabilidade e capacitação para o mercado de trabalho e no desenvolvimento comunitário.
Margareth Goldenberg – Temos ainda um desafio importante em relação ao olhar interseccional de gênero e raça. Quais são as iniciativas da empresa em relação ao avanço de mulheres negras para cargos de liderança? Quais os resultados até o momento?
Marjorie Teixeira – Externamente, temos aportado para alguns projetos com esse olhar intencional, como o trabalho com a Capacita-me e Movimento Black Money. Internamente, essas trilhas ainda andam separadas e, no momento, estamos focando em reparação étnico-racial, além de termos outros programas focados em mulheres. Espero logo poder falar de programas internos com olhar interseccional, mas, por enquanto, trago os programas em separado.
A P&G passou a promover mais ações de desenvolvimento profissional para alcançar a igualdade étnico-racial no acesso a oportunidades de trabalho e renda, como no já citado programa P&G Para Você. Por sermos uma empresa com a cultura de crescer para dentro, gerando promoções para cargos internamente, precisamos garantir uma base de talentos diversos para crescerem na companhia. Por isso, o P&G para Você e a meta de contratação de 55% de jovens negros para o estágio gerencial é tão importante.
A busca pela igualdade de gênero também foi reforçada. Em toda contratação ou promoção, asseguramos que haja pelo menos uma candidata mulher. A empresa tem diversas líderes nos mais diferentes postos. No nível gerencial, já atingimos a igualdade, com 50% de mulheres.
Alini Dal Magro – Muitas empresas se preocupam com o E e o G, mas acabam deixando de lado o S. Quais são os riscos para um negócio que não leva em consideração o aspecto social?
Marjorie Teixeira – Acredito que muitas empresas acham mais “fácil” trabalhar o social, porém de maneira filantrópica, pontual e pouco estratégica. Na P&G, acreditamos que nosso trabalho tem que ser de grande impacto, intencional, vivo e atrelado ao nosso propósito.
Temos projetos corporativos, como o programa Água Pura Para Crianças, que permitiu transformar mais de 18 bilhões de litros de água suja em água potável, em âmbito global, desde 2004. No Brasil, o programa foi implantado em 2014 e atende mais de 38 mil pessoas no Amazonas, Vale do Jequitinhonha e no extremo sul da Bahia.
Outra ação que considero muito impactante é o movimento Pride Skill, que tem como objetivo facilitar a busca por profissionais LGBTI+, encorajando-os a incluírem “Pride” como uma competência em seu perfil profissional nas redes. Sobretudo, acreditamos na força das nossas marcas, com plataformas como o Menina Ajuda Menina, de Always, que trouxe o debate sobre o combate à pobreza menstrual, e a parceria de Oral-B com a ONG Por 1 Sorriso, que resgata a saúde bucal de que não pode pagar pelo tratamento odontológico.
Esses são alguns dos projetos que abraçamos. Não temos todas as respostas e não vamos conseguir fazer tudo sozinhos. São e serão necessárias parcerias e colaboração para obter progressos significativos, mas é uma pauta que está no nosso DNA.
Kika Brandão – A P&G tem marcas fortes, sendo que algumas ajudaram a criar o ideal de beleza eurocêntrica, quando temos mais de 50% da população autodeclarada negra e quase 70% com cabelo ondulado, cacheado ou crespo. Qual o compromisso da empresa em retratar e se conectar com os reais consumidores brasileiros?
Marjorie Teixeira – Hoje, trabalhamos para desconstruir estereótipos que nós mesmos ajudamos a construir. Evoluímos junto com a sociedade e percebemos que o caminho anterior reforçava uma beleza inalcançável para a maioria das mulheres. Como um dos maiores anunciantes do mundo, precisamos reconhecer essa responsabilidade e investir nessa transformação.
A P&G é uma companhia de marcas e acreditamos que a força delas pode criar mudanças reais e duradouras na sociedade. Queremos garantir a representatividade na comunicação e levantar discussões que inspirem a sociedade a promover mudanças positivas, incluindo a desconstrução de padrões para a construção de confiança.
Isso se reflete na maneira como nos comunicamos com nossas consumidoras da categoria de beleza, por exemplo. Reforçamos a resposta de que o cabelo mais lindo do mundo é o seu. A sociedade evoluiu e padrões já não cabem mais. Com Pantene, queremos liderar essa mudança de pensamento, quebrando os próprios padrões que um dia construímos.
A ideia é fortalecer o conceito de diversidade, autenticidade e respeito ao estilo e à escolha de cada um, como com a campanha “Um Cabelo Pantene diz Tudo”. Ela tem essa essência, trazendo à tona o que faz bem, o que é real – sejam fios brancos, estilos mais rebeldes, os encaracolados e volumosos, os curtos femininos, os longos masculinos, os coloridos, enfim, dando confiança e segurança para as pessoas, sem esquecer dos cuidados necessários.
Outro exemplo é Gillette Venus, com a campanha “Minha pele do meu jeito”, em que a marca celebra a diversidade feminina e revela, sob a ótica de mulheres reais, a pele com marcas que representa suas identidades únicas. Cicatrizes, sinais, tatuagens e manchas ganham mais vida ao traduzir as histórias dessas mulheres fortes e destemidas. Venus quer incentivar as mulheres a compartilhar suas trajetórias, sua relação com a própria pele e com características únicas que as fazem ser quem são.
A nossa visão é que toda a nossa comunicação possa refletir, de maneira verdadeira, a população brasileira – sem viés, não apenas na frente das câmeras, mas em todo ecossistema publicitário.
Kika Brandão – Você acha possível marcas serem diversas da porta para fora, sem antes uma transformação na cultura para realmente ter times mais plurais em gênero, sexo, raça, classe, regionalidade e PcD, por exemplo?
Marjorie Teixeira – Não. É muito importante que essas pautas andem juntas. Pluralidade e inclusão precisam estar em todos os lugares para de fato serem genuínas. Para isso acontecer, precisamos ainda atuar de forma intencional. Às vezes, a velocidade das conquistas anda em ritmos diferentes, mas não pode haver inércia em nenhuma das estradas.
Nosso objetivo é refletir a população brasileira, interna e externamente, e por isso trabalhamos em muitas frentes. Dentro da companhia, por exemplo, temos grupos de afinidades com foco em etnia, gênero, orientação sexual e pessoas com deficiência. Em um ambiente profissional no qual as pessoas não podem ser elas mesmas, elas gastam cerca de 30% de energia para interpretar papéis e tentar se encaixar, o que resulta na queda de produtividade e criatividade.
Por isso promovemos programas visando reparar essas lacunas e não vamos parar até alcançarmos o objetivo de ser uma empresa diversa e inclusiva em todos os níveis.
Nana Lima – A pandemia impactou homens e mulheres de maneira desproporcional. A participação feminina no mercado de trabalho retrocedeu ao início da década de 90 e a jornada múltipla sobrecarregou a saúde física e mental das mulheres. Sendo a P&G tão próxima do público feminino, quais iniciativas a empresa tem para impactar de maneira positiva a vida das mulheres?
Marjorie Teixeira – Infelizmente, essa situação acompanha as mulheres, inclusive antes da pandemia. Com a marca Ariel, lançamos um manifesto pela divisão das tarefas domésticas e, em 2019, a marca promoveu um levantamento junto ao Ibope que indica que a lavagem de roupas é feita por 72% das mulheres.
A pesquisa ainda identificou um aumento de oito horas de trabalho por semana na rotina delasem resultado a concentração de atividades de casa. Imagina em quantas outras atividades essas horas não poderiam ser revertidas se as tarefas fossem divididas?! Por isso, a marca e a companhia amplificaram a discussão sobre o tema.
Acreditamos na capacitação das mulheres e essa jornada intencional que estamos vivendo também tem como objetivo estimular a igualdade e inclusão de gênero. Em empregabilidade e renda, firmamos parceria com o projeto Capacita-me, que atende pessoas desempregadas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica com cursos gratuitos. Com o Movimento Black Money, apoiamos o programa desenvolvido em prol do empreendedorismo negro, onde dos 60% dos beneficiados são empreendimentos de mulheres.
Temos também o MARC (Men Advocating Real Change), em parceria com a ONG Catalyst. Éum programa que envolve os corações e mentes de homens como parceiros integrais para alcançar a igualdade de gênero, além de levantar a discussão sobre o sexismo no ambiente de trabalho. Com a United Way, buscamos incentivar e apoiar a divisão no cuidado com os filhos. Por isso, uma de nossas iniciativas foi patrocinar uma cartilha para empresas adotarem práticas que facilitem a recolocação no mercado de trabalho após a maternidade, seguindo ações já realizadas pela P&G.
Erlana Castro – É na combinação do propósito com o lucro que reside a nova avenida criativa para as marcas e os negócios. Quais as suas reflexões sobre esse tema? Tem algum case onde essa sinergia (lucro/ propósito) foi alcançada?
Marjorie Teixeira – Somos uma empresa de marcas que vive por seu propósito de melhorar a vida das pessoas, e isso é trabalhado de forma direta mesmo que não traga lucro imediato. O que eu acredito é que, há alguns anos, traduzimos a estratégia em querermos ser uma força para crescimento e para o bem. Essa chancela proporcionou e alavancou ainda mais nossa agenda de cidadania e, por isso, temos feito muitos projetos com essa frente.
Ao longo do tempo, percebemos que a inovação é outro elemento diretamente ligado a essa pauta. Trago um exemplo do P&G sachê, com o Programa Água Pura para Crianças. Inicialmente, ele seria vendido. No fim, a P&G entendeu que o maior benefício seria doar esses sachês, impactando e mudando a vida das pessoas. Globalmente já foram transformados mais de 18 bilhões de litros de água suja em água pura.
Temos muitos estudos e vontade de fazer projetos sociais estratégicos nesse sentido, pois sabemos que inovando conseguimos fazer o bem para a sociedade, não só para essa geração como para gerações futuras. Acredito que, atualmente, não há mais espaço para marcas que não contribuem para a sociedade. É nosso papel fortalecer o core de produtos que o consumidor quer comprar e que façam o bem para o planeta.
FC Brasil – Conte algum case que não deu certo, que exigiu correção de rumo ou cancelamento porque não funcionou.
Marjorie Teixeira – Com o projeto da Aceleradora P&G Social de desenvolver afro empreendedores, tínhamos o objetivo de contratar esses fornecedores posteriormente e não conseguimos absorver internamente tanto quanto gostaríamos, seja por escopo, tempo ou outras barreiras que estavam além do que havíamos planejado.
Pivotamos a maneira de conduzir as iniciativas nesse sentido e percebemos que o melhor caminho é incentivar e propagar a mudança nos ecossistemas nos quais estamos inseridos. Por exemplo, com o Cria da Quebrada, projeto que oferece cursos para profissionais negros na indústria criativa.
FC Brasil – Que conselho você dá para quem está iniciando esta jornada?
Marjorie Teixeira – Estudar, ler, ver, rever e olhar novamente. Não acredito em uma atuação efetiva se a pauta não for verdade, em primeiro lugar, para você. Muitas vezes, para identificar o que tem que ser feito, precisamos primeiro nos enxergar e entender como encaramos o mundo, para assim exercer um novo olhar para a sociedade e perceber que devemos ser intencionais e efetivos.
Parafraseando Angela Davis, acredito que “não basta não ser racista, é necessário ser antirracista". Não basta hoje a gente só ter consciência das questões, precisamos lutar pelas mudanças. Por isso, me coloco sempre como aliada, pois além do meu trabalho, esse é o meu propósito de vida.