De onde vêm os avatares gerados por IA que inundaram a internet?

O novo recurso Magic Avatars do Lensa coloca o poder da IA generativa nas mãos dos usuários, revelando nosso verdadeiro eu

Crédito: Captura de tela/ Instagram @lensa.ai

Jesus Diaz 4 minutos de leitura

Desde seu lançamento em 2018, o Lensa era apenas mais um dos muitos aplicativos de edição de fotos disponíveis na App Store. Como tantos outros, ele prometia deixar suas selfies perfeitas para postar no Tinder e, possivelmente, com sua edição pesada, frustrar qualquer chance de um segundo encontro.

Agora, pelo menos a julgar pela enxurrada de imagens com a hashtag #lensa, parece que ele se tornou o aplicativo mais popular do momento. A razão, acredito, é que é um meio incrível para a autoexpressão. As pessoas estão postando versões idealizadas de si mesmas, revelando seus desejos mais íntimos como nunca.

Como muitos dos recursos maravilhosos (e terríveis) na internet hoje, o Lensa conquistou o público graças à inteligência artificial generativa – a rede neural que conjura imagens quando lançamos o feitiço certo.

Desta vez, no entanto, não há necessidade de instalar nada. Você não precisa acessar o Discord ou aprender a criar o ‘prompt’ perfeito para que a IA transforme a sua ideia em imagem. Basta clicar em um botão.

É uma experiência de usuário extremamente fácil, que permite que qualquer pessoa com um iPhone se divirta com as imagens geradas por IA (o aplicativo ainda não está disponível para Android).

Após clicar no botão, o Lensa pede que você selecione de 10 a 20 imagens da sua galeria de fotos que mostrem claramente o seu rosto. Em seguida, você escolhe seu gênero – masculino, feminino, outro – e, depois de pagar US$ 3,50 e esperar cerca de 20 minutos, recebe 50 versões de si mesmo renderizadas em diferentes estilos e poses em resolução 4K. Os resultados são impressionantes. 

Alguns não são perfeitos, com algumas falhas aqui e ali. Mas a precisão, a sutileza e a sofisticação de grande parte dessas ilustrações as fazem parecer obras de artistas profissionais que, em minutos, criam imagens para qualquer pessoa que queira estrelar seu próprio filme.

De certa forma, é exatamente isso que está acontecendo: o novo recurso Magic Avatars do Lensa usa o software Stable Diffusion (SD) e um modelo que parece ter sido alimentado e treinado com obras de milhares de artistas. Embora a inteligência artificial não use as imagens reais das obras, elas servem como um “guia” para transformar o ruído gaussiano em pinturas e desenhos digitais completamente novos. 

Além disso, a IA também é treinada com as imagens enviadas pelos usuários. Assim, é preciso ficar atento, mesmo que o aplicativo afirme que as excluirá após usá-las. O resultado são fotos incríveis, muito fiéis às características e traços dos usuários, reproduzindo diversos estilos e temas, como anime, universo e princesas.

No entanto, o uso de modelos do Stable Diffusion fez ressurgir acusações de práticas predatórias por parte dos desenvolvedores desses aplicativos, que usam fotos para obter lucro sem pagar nada aos artistas. E também de pessoas que acreditam que o modelo não as captura bem o suficiente, além daqueles que acreditam que há um viés machista.

NOSSO VERDADEIRO EU

O Lensa pode criar quantos “eus” o usuário quiser, contanto que pague por eles. A pessoa pode escolher a(s) versão(ões) que acha que melhor a representa(m), independentemente de ser uma escolha consciente ou não. Provavelmente, um pouco dos dois.

Escolher como queremos ser vistos online não é uma tendência nova. Mas, com essas imagens, estamos expondo a todos algo mais íntimo: uma versão aspiracional de nós mesmos. O ato de optar por versões alternativas de quem somos é uma declaração de como desejamos ser vistos.

Se ler os prompts anônimos no Lexica.art – o mecanismo de busca que permite ver o que as pessoas pedem para o Stable Diffusion renderizar – é como entrar na casa de alguém e vasculhar suas gavetas e armários, escolher se apresentar online como uma versão alternativa de si mesmo é o equivalente a gritar da janela: “Eu me vejo assim e é como eu quero que todos me vejam!”

Dar à IA o poder de nos representar de diversas formas permitiu que as pessoas escolhessem a versão ideal de si mesmas para que todos pudessem ver. Ou, pelo menos, a versão que parece ideal para elas. É um fenômeno estranho. Eu acreditava que a IA poderia acabar com nossa humanidade – e talvez o faça, em algum momento. Mas, ao que parece, ela está trazendo à tona o que nos torna humanos.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais