Como vamos lidar com o fenômeno das megacidades no futuro

É cada vez mais difícil determinar onde termina uma cidade e onde começa a outra

Crédito: Istock

James Cheshire e Michael Batty 4 minutos de leitura

Em 15 de novembro de 2022, uma menina chamada  Vinice Mabansag, nascida em Manila, nas Filipinas, tornou-se (simbolicamente) a oitava bilionésima pessoa no mundo. Desses oito bilhões de pessoas, 60% vivem em uma vila ou cidade. Até o final do século 21, as cidades representarão 85% dos 10 bilhões de habitantes previstos para a Terra.

As cidades não crescem somente em número de habitantes. Quanto mais pessoas abrigam, mais elas precisam de serviços básicos (transporte público, infraestrutura de energia, abastecimento de água), de governança e de resiliência econômica. O inusitado é que, embora tanta gente viva em ambientes urbanos, não existe uma definição única e clara para o que é uma cidade.

Na Idade Média, as cidades eram delimitadas por suas muralhas. Hoje, se o processo de urbanização ainda tem como referência as maiores metrópoles do século passado (como Tóquio, São Paulo, Nova York ou Mumbai), elas representam, no entanto, uma proporção decrescente de todas as cidades do mundo.

Nova York representa as cidades do século 20 (Crédito: ben o’bro/ Unsplash)

Em contrapartida, nos centros urbanos de crescimento mais rápido, como Lagos (maior cidade da Nigéria), a extensão geográfica da jurisdição oficial de uma prefeitura muitas vezes está defasada em relação a toda a área onde habita a população servida por ela. A economia de uma cidade como essa, porém, costuma estar profundamente entrelaçada com a das cidades vizinhas.

A questão de onde traçar uma linha divisória entre o que é ou não é uma cidade – ou onde uma começa e a outra termina – está ficando cada vez mais complexa. Conforme o mundo caminha para a urbanização total, novos assentamentos vão se espalhando, fundindo-se uns aos outros para formar aquilo que os especialistas urbanos chamam de "megalópoles”. 

MÁQUINAS E O CRESCIMENTO DAS CIDADES

A maior dessas megacidades já ultrapassa 60 milhões de habitantes. Na China, a região da província de Guangdong, em torno do estuário do Rio das Pérolas, une efetivamente 11 cidades, de Macau a Guangzhou, Shenzhen e Hong Kong.

Com uma população total de mais de 70 milhões, essa megacidade conta com dois milhões de pessoas a mais do que toda a população do Reino Unido – mas espremida em cerca de um quinto de sua área. Em termos econômicos, ela é igualmente gigante: com US$ 1,64 trilhão em 2018, seu PIB representa 11,6% do total da China.

Iluminação noturna da megalópole Guangzhou-Hong Kong (Crédito: James Cheshire)

Enquanto isso, na costa da África Ocidental, o trecho de 600 quilômetros entre Abidjan, na Costa do Marfim, e Lagos vem crescendo rapidamente. Os especialistas preveem que, até 2100, essa aglomeração de nove cidades será a mais densamente povoada da Terra, com até 500 milhões de pessoas.

As cidades só começaram a crescer de verdade em meados do século 18, quando começamos a construir máquinas que nos levaram muito mais rápido e mais longe do que qualquer tecnologia inventada até então. Pela primeira vez, as cidades ultrapassaram a barreira de cerca de um milhão de pessoas.

Algumas delas, como Chicago e Nova York, cresceram conforme tecnologias como vigas de aço e elevadores permitiram que aqueles com mais recursos erguessem os primeiros arranha-céus – as chamadas “catedrais do comércio”. Com a invenção do automóvel, muitas cidades, como Los Angeles, cresceram, apesar da resistência generalizada à ideia de expansão urbana.

Vista geral da área urbana de Los Angeles (Crédito: Yuxuan Wang/ Unsplash)

Algumas grandes cidades do mundo em desenvolvimento, incluindo Dar es Salaam, na Tanzânia, e Nairóbi, no Quênia, cresceram para dentro. Nesses casos, a ideia da cidade compacta baseada em transporte público e com densidades residenciais mais altas se firmou.

O METAVERSO ESTÁ REDEFININDO A CIDADE

Contabilizar os habitantes e mapear os limites geográficos são apenas alguns dos aspectos a serem considerados ao definir o que é uma cidade. A malha digital que agora cobre o planeta permite que gente de qualquer localidade interaja com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora.

As cidades continuarão a crescer e a mudar fisicamente. Até o final do século 21, todo lugar será uma espécie de cidade, O termo em si não deve desaparecer, mas seu significado vai mudar.

No futuro, não vamos mais pensar nas cidades simplesmente como centros físicos que se distinguem e se opõem às paisagens rurais, mas sim a partir de padrões de movimento digital, cruzando o planeta em muitas escalas – desde a megacidade até a vizinhança local. As fronteiras, afinal, não terão mais o mesmo significado que tinham antes da primeira Revolução Industrial na Grã-Bretanha, em 1830.

Megacidade que se entende de Lagos, na Nigéria, a Abidjan, na Costa do Marfim (Crédito: James Cheshire)

Os estudiosos concordam que, à medida que as cidades crescem, elas geram economias de escala que respondem cada vez mais pelo seu próprio crescimento econômico e prosperidade. Mas as evidências sugerem que a urbanização é muito mais complexa do que isso.

O mundo urbano que está por vir promete ser muito diferente de tudo o que já aconteceu antes. Tentar determinar os limites físicos de uma cidade ainda é algo importante. Mas, conforme adentrarmos essa nova complexidade urbana, pode ser que essas tentativas de delimitação se tornem defasadas e vãs.


SOBRE O AUTOR

James Cheshire é professor de informação geográfica e cartografia na University College de Londres e Michael Batty é presidente e pro... saiba mais