Volta de Trump pode aumentar discurso de ódio no Facebook
Especialistas se preocupam com um retorno a tempos sombrios, embora ninguém saiba se o ex-presidente realmente voltará à plataforma
Em 2021, Donald Trump foi banido de várias plataformas de mídia social por causa de seu comportamento durante a invasão ao Capitólio – sua última tentativa de permanecer no poder e de contestar, à força, os resultados de uma eleição que ele claramente havia perdido.
Dois anos depois, a Meta anunciou que permitirá o retorno de Trump às suas plataformas. A postura do conglomerado de Mark Zuckerberg se alinha à decisão semelhante do Twitter, que recentemente também suspendeu o banimento de Trump.
No entanto, a decisão da Meta tem mais impacto, porque a empresa – que controla Facebook, Messenger, WhatsApp e Instagram – soma 10 vezes mais usuários que o Twitter e tem poder para arbitrar o debate público do mundo.
A Meta afirma que Meta estabeleceu diretrizes que vão manter o ex-presidente sob controle.
“Sabemos que qualquer decisão que tomássemos sobre esse assunto seria duramente criticada”, escreveu o presidente de assuntos globais da Meta, Nick Clegg, em seu blog, justificando a decisão. “Pessoas razoáveis discordarão de que essa é a decisão correta. Mas uma decisão precisava ser tomada.”
Vale destacar que o Conselho de Supervisão da empresa – órgão independente, projetado para manter a transparência e honestidade das decisões de moderação de conteúdo da Meta – não elogiou, mas também não repreendeu a decisão em sua resposta à suspensão do banimento.
Trump foi banido durante dois anos, em um gesto que Clegg classifica como “uma decisão extraordinária, tomada em circunstâncias extraordinárias”. Agora, o executivo da Meta argumenta que a empresa estabeleceu diretrizes que vão manter o ex-presidente sob controle: vai monitorar de perto o que ele postar, reserva-se o direito de limitar o alcance de suas postagens orgânicas e pode até impedi-lo de usar ferramentas de publicidade da empresa.
DECISÃO PROBLEMÁTICA
Ninguém duvida da necessidade dessas medidas. Na semana passada, em sua própria plataforma de mídia social – a Truth Social –, Trump incitou a prisão de repórteres e, novamente, alegou sem provas que a eleição de 2020 teria sido roubada. Não surpreende, portanto, que alguns analistas estejam pessimistas com a notícia desse passo atrás.
“A Meta não tinha nenhuma razão para degradar seu serviço ao ceder aos desejos de um político que incita a violência com suas postagens e declarações”, diz Siva Vaidhyanathan, professor de estudos de mídia na Universidade da Virgínia. “Mais uma vez, percebemos que Mark Zuckerberg não aprendeu nada com os recentes ataques à democracia e aos direitos humanos ao redor do mundo – muitos dos quais foram amplificados por suas plataformas.”
É importante considerar o papel do Facebook na formação do discurso público e o impacto de uma figura como Trump espalhando conteúdo nocivo.
Vaidhyanathan considera que a decisão é ainda mais problemática por ter ocorrido apenas algumas semanas depois de o Brasil ter experimentado sua própria versão da invasão ao Capitólio, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro se uniram em uma tentativa de golpe, organizada via redes sociais – incluindo Facebook e WhatsApp.
Enquanto o ataque e a depredação do Congresso estavam em andamento no Brasil, a Meta declarou oficialmente que o incidente era "um evento violador" de seus termos de serviço e disse que removeria "todo o conteúdo que apoia ou elogia essas ações".
Um estudo de pesquisadores da Universidade George Washington, publicado no mesmo dia em que a proibição de Trump foi suspensa, identificou que, após a derrota do ex-presidente, houve aumento nos termos anti-LGBTQ+ e no discurso de ódio relacionado a gênero direcionado à vice-presidente Kamala Harris.
Christopher Bouzy, do Bot Sentinel, que rastreia desinformação e discurso de ódio online, afirma que permitir que Trump volte à plataforma pode acarretar consequências negativas semelhantes. “É importante considerar o papel que o Facebook desempenha na formação do discurso público e o impacto potencial de uma figura proeminente como Trump usando a plataforma para espalhar conteúdo nocivo”, acrescenta.
PROMESSAS VAZIAS
O possível retorno de Trump às plataformas da Meta deixa muitas perguntas no ar. Antes de mais nada, não se sabe se ele voltará a usá-las ou não. A Meta afirma que não se comunicou com o ex-presidente antes de tomar sua decisão. Por enquanto, Trump resistiu à tentação de voltar ao Twitter, mesmo depois de ter seu banimento revogado por Elon Musk.
“Duvido que ele poste alguma coisa até ser completamente derrotado por [Ron] DeSantis dentro do Partido Republicano. Isso acontecendo, aposto que ele rapidamente nos fará lembrar o porquê de ter sido banido da vez passada”, prevê o professor da Universidade de Binghamton Jeremy Blackburn, que estuda o comportamento online da extrema direita no iDRAMA Lab.
Por enquanto, Trump resistiu à tentação de voltar ao Twitter, mesmo depois de ter seu banimento revogado por Elon Musk.
Também há muita incerteza sobre que tipo de conteúdo Trump tem permissão legal para postar no Facebook: acredita-se que tenha assinado um acordo com a Truth Social que daria à plataforma prioridade sobre qualquer conteúdo que ele escolhesse compartilhar com o mundo.
Uma possível solução alternativa para Trump seria utilizar o Facebook e o Instagram principalmente como plataformas para promover publicidade aos seguidores, caso concorra à presidência em 2024, como sugeriu que faria. Em sua campanha eleitoral de 2020, ele gastou US$ 89 milhões no Facebook e em anúncios do Instagram.
Mesmo que ele não volte, as decisões da Meta confundiram Nicole Gill, cofundadora e diretora executiva da Accountable Tech. “Não há absolutamente nenhuma justificativa para permitir que Donald Trump volte ao Facebook”, defende ela.
“Dois anos atrás, a Meta afirmou que só iria permitir a volta dele quando sua presença não representasse mais uma ameaça de violência. Esta última notícia, porém, revela que aquela era uma promessa vazia, que se tratava de mais um golpe publicitário feito por uma empresa mais preocupada em ganhar dinheiro do que com a democracia, a segurança ou mesmo com a coerência interna.”
O cofundador da Gill, Jesse Lehrich, acrescenta: “esta decisão é comparável ao gesto de entregar um lança-chamas a um piromaníaco e esperar que tudo dê certo”