Saúde mental, o assunto de 2023


Denize Bacoccina 4 minutos de leitura

Nesta virada de ano, fiz uma coisa nova: silenciei todo os grupos de WhatsApp e viajei para áreas rurais, onde o sinal de telefone era muito ruim. Resultado: usei o celular basicamente para fotos e vídeos e olhei as mensagens apenas no final do dia, quando tinha sinal de wi-fi.

Não perdi nenhuma mensagem importante, não perdi tempo navegando nas redes sociais e voltei incrivelmente mais leve, mais focada e cheia de ideias e planos para tornar 2023 um ano mais produtivo.

É incrível o que uma semana de desconexão faz pelo nosso corpo e mente.

É claro que não é possível (nem eu gostaria de) viver neste estado de desconexão de forma permanente. Mas esses dias também serviram para mostrar a importância de um equilíbrio maior entre os vários aspectos da vida.

É incrível o que uma semana de desconexão faz pelo nosso corpo e mente.

O trabalho remoto nos trouxe muitas vantagens – não perder tempo com deslocamentos nas grandes cidades é, certamente, o ponto mais positivo –, mas trouxe também uma jornada que pode invadir o horário do almoço, avançar pelo jantar e até tarde da noite, numa sequência sem trégua de notificações de mensagens que precisam ser vistas, sejam ou não urgentes.

O grande tema de 2023 será, não tenho dúvida, a saúde mental e a necessidade de estabelecer um novo equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. É um tema que vem sendo bastante discutido com um viés de bem-estar pessoal. Chegou a hora de o assunto entrar de vez na agenda corporativa.

ESTRESSE E DEPRESSÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um bilhão de pessoas no mundo viviam com algum transtorno mental em 2019 (último dado disponível) e que 15% dos adultos em idade ativa sofreram algum problema do tipo. Bullying e violência psicológica no local de trabalho têm forte impacto na saúde mental. 

O tema começa a ganhar espaço, mas pesquisas mostram que é grande a diferença entre o que as empresas acham que estão fazendo para evitar esses problemas e a maneira como os funcionários percebem a atuação dos seus empregadores.

Um estudo da consultoria Deloitte com entrevistas em vários países mostra que 91% dos executivos acham que os funcionários pensam que eles se importam com o seu bem-estar. Mas apenas 56% dos funcionários acreditam que a empresa realmente se importa.

E não são apenas os funcionários nas camadas mais baixas da hierarquia que experimentam o problema. Os próprios executivos, de acordo com a pesquisa, também estão sofrendo com condições estressantes.

A OMS estima que um bilhão de pessoas no mundo viviam com algum transtorno mental em 2019.

Nada menos que 70% deles pensam em se transferir para uma empresa que ofereça melhores condições de bem-estar e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. O nível de estresse é praticamente idêntico entre executivos (41%) e funcionários (42%). Já o nível de depressão é maior entre os executivos (26%) do que entre os trabalhadores (23%).

Um relatório publicado no começo do mês pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), "Working-Time and Work-Life Balance Around the World", é o primeiro estudo da entidade a tratar do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, o que mostra a importância que o tema vem ganhando na vida profissional. O relatório analisa as mudanças ocorridas no mercado de trabalho a partir da pandemia de Covid-19, com as mudanças nas jornadas.

"As políticas de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal proporcionam benefícios significativos às empresas, apoiando o argumento de que tais políticas são vantajosas para ambas as partes, tanto para empregadores como para trabalhadores", diz o relatório.

O estudo destaca ainda que o fenômeno da Grande Demissão (great resignation) – os pedidos de demissão em massa nos Estados Unidos – colocou o equilíbrio trabalho-vida pessoal na linha da frente das questões sociais e do mercado de trabalho no mundo pós-pandemia.

EFEITOS PERMANENTES

Especialistas em trabalho já avaliam que, mesmo quando o fenômeno da Grande Demissão acabar – pela piora esperada no mercado de trabalho norte-americano – seus efeitos de mudança nas relações de trabalho devem permanecer.

70% dos executivos pensam em se transferir para uma empresa que ofereça melhores condições de bem-estar.

O principal deles é uma exigência maior dos profissionais em relação às empresas, demandando não apenas salários e benefícios, mas também impondo limites de jornadas e privilegiando o bem-estar pessoal em detrimento de uma carreira mais acelerada.

Isso é visível também no Brasil, apesar de o mercado de trabalho pender para o lado do empregador. Ainda assim, muitos profissionais preferem ganhar menos a aceitar um ambiente corporativo tóxico.

No ano passado, a saúde mental tornou-se o segundo maior motivo de preocupação com a saúde no Brasil, ultrapassando o câncer, de acordo com o levantamento Monitor Global dos Serviços de Saúde, realizado pela Ipsos em 34 países. E não foi pouco. Entre 2018 e 2022, a parcela dos que se preocupam com a saúde psíquica no país aumentou de 18% para 49%.

Por isso, é hora de rever os (pre)conceitos sobre saúde mental: a pandemia escancarou a nossa vulnerabilidade humana, levou o trabalho para dentro das casas e, agora, leva as pessoas, por inteiro, para dentro das empresas.


SOBRE A AUTORA

Cofundadora da plataforma A Vida no Centro, Denize é jornalista, especialista em redes sociais e comunidades e tendências de vida urba... saiba mais