Como a IA no trabalho pode impactar a psicologia humana

A psicologia tem grande peso no complicado relacionamento entre pessoas e tecnologia. Entendê-la é a chave para construir o futuro que queremos

Crédito: Nobi Prizue/ Sylverarts/ iStock

Nathanael Fast 5 minutos de leitura

O ano passado ficou marcado por grandes avanços na inteligência artificial. De uma hora para outra, milhões de pessoas começaram a travar diálogos semelhantes aos humanos com o chatbot de inteligência artificial ChatGPT, ou a fazer uso de aplicativos como o Lensa, para compartilhar retratos gerados por máquina.

Recentemente, o ChatGPT chegou a ser aprovado em uma prova de MBA, depois de responder de forma satisfatória a uma pergunta complexa elaborada por um professor da Universidade da Pensilvânia. Recentemente, também, um cientista da computação criou todos os textos e ilustrações de um livro infantil usando IA.

a adoção de tecnologia de curto prazo e suas consequências de longo prazo são dois lados da mesma moeda.

A inteligência artificial também está adentrando os locais de trabalho. Ela pode facilitar o trabalho, automatizando tarefas rotineiras e sintetizando e resumindo informações. Mas enquanto alguns profissionais dão as boas-vindas aos ganhos de eficiência, outros temem o dia em que a tecnologia poderá substituí-los totalmente.

Há até especulações de que a recente onda de demissões em tecnologia pode estar ligada à crescente automação de tarefas em departamentos como os de RH. Os especialistas também estão preocupados com os riscos de a IA ser usada para vigiar funcionários e acabar reforçando algoritmos que reproduzem o pior de nossos preconceitos humanos.

FACA DE DOIS GUMES

Cada avanço futurista na tecnologia acaba esbarrando sempre na velha psicologia humana, provocando reações complicadas e muitas vezes contraditórias. Adoramos nossos relógios inteligentes, mas odiamos a ideia de que uma seguradora possa usar nossos dados pessoais para definir os preços do nosso plano de saúde ou para prever nossas doenças.

Aplaudimos toda a tecnologia futurística que pode ajudar pessoas com deficiência a ver ou andar novamente, mas rejeitamos a ideia de os militares aplicarem esta mesma tecnologia para criar super soldados.

Muitas vezes, vemos a adoção de tecnologia de curto prazo e suas consequências de longo prazo como coisas separadas, quando, na verdade, esses são dois lados da mesma moeda.

Só tarde demais descobrimos o poder das redes sociais de espalhar desinformação e discurso de ódio.

Isso significa que nossos impulsos psicológicos e vieses cognitivos nos deixam vulneráveis à adoção de novas tecnologias que, com o tempo, criam um futuro que pode não nos agradar tanto assim. 

Nos últimos 20 anos, adotamos de braços abertos plataformas de mídia social como Facebook e Twitter. Só agora, quando já é tarde demais para voltar no tempo, compreendemos o poder dessas mídias de influenciar nossas visões de mundo, de espalhar desinformação e discurso de ódio – e até de influenciar eleições.

Percebo essas contradições em minha própria pesquisa como cientista comportamental na USC Marshall School of Business. Ao estudar como as pessoas pensam e interagem com a nova tecnologia, fiquei surpreso com o quão contraditórias e inconsistentes nossas respostas à IA podem ser – e com a frequência com que deixamos de pensar nas consequências.

HOMEM x MÁQUINA

Eu e minha equipe conduzimos dois conjuntos de estudos sobre IA nos ambientes de trabalho. Em um deles, descobrimos que os funcionários estão mais dispostos a serem rastreados no trabalho quando esse monitoramento é realizado por tecnologia autônoma em vez de humanos.

Isso faz sentido, por conta do nosso medo arraigado de sermos julgados (ou controlados) por outras pessoas. O rastreamento que tira os humanos da equação parece menos incômodo e, portanto, permite um maior senso de autonomia.

No entanto, em um segundo conjunto de estudos que analisou as decisões de contratação e promoção, descobrimos que os funcionários favorecem as decisões tomadas por pessoas.

Devermos investir no aumento de nossa própria capacidade de entender e de tomar decisões sábias sobre a tecnologia.

Embora as decisões e os resultados determinados pela IA fossem idênticos àqueles tomados por humanos, as pessoas viam os algoritmos como menos justos e demonstravam preocupação com sua capacidade de levar em consideração informações qualitativas ou contextuais.

Essas reações instintivas merecem atenção, porque sugerem que as formas como percebemos e respondemos à tecnologia podem ser tão importantes quanto a própria tecnologia.

À medida que a inteligência artificial se torna mais poderosa, devemos investir não apenas no design da tecnologia, mas também no aumento de nossa própria capacidade de entender e de tomar decisões sábias sobre essa tecnologia.

Em suma, precisamos melhorar a avaliação objetiva dos benefícios e malefícios da tecnologia em nossas vidas. Atualmente, nossas respostas dependem de como a IA é apresentada e combinada com nossos vieses cognitivos inatos e racionalizações psicológicas. 

Por exemplo, priorizamos o impacto da dopamina ao rolar o Snapchat, TikTok ou Instagram sobre os possíveis efeitos negativos de longo prazo em nossa privacidade ou bem-estar emocional. Esse fenômeno é chamado de “desconto hiperbólico” – a tendência psicológica de escolher a gratificação imediata, em vez de esperar por maiores benefícios no futuro.

DESVENDADO O QUEBRA-CABEÇAS

As pessoas também respondem de maneira diferente à tecnologia com base no que está sendo usado. Descobrimos que, quando as empresas usavam o monitoramento de IA para fornecer feedback útil aos funcionários, eles eram mais receptivos do que quando a tecnologia era usada para avaliar seu desempenho – mesmo que os mesmos dados estivessem sendo rastreados em ambos os casos.

O que muitas vezes não percebemos é que as aplicações desejáveis e indesejáveis de uma tecnologia tendem a andar de mãos dadas.

À medida que o desenvolvimento da IA acelera, é o futuro da humanidade que está em jogo.

Sendo assim, o que deveríamos fazer? Para termos um debate público inteligente sobre a IA de que precisamos tão intensamente, é necessária uma compreensão muito maior de como a psicologia humana impulsiona a adoção de tecnologia e de como a tecnologia, por sua vez, molda nossa psicologia.

Os estudiosos não estão apenas olhando para os danos da tecnologia, mas também estudando como podemos usá-la para estimular o florescimento humano a longo prazo. Os líderes da indústria de tecnologia precisam se concentrar tanto em como a psicologia humana responde à IA quanto sobre o design da própria tecnologia.

À medida que o desenvolvimento da IA acelera, é o futuro da humanidade que está em jogo. As consequências de nossas escolhas são imensas.

Vamos levar essa responsabilidade a sério e tratar a inteligência artificial como o quebra-cabeça singular e complicado que ela é, em vez de olhar apenas para as peças “boas” ou “ruins”, isoladamente.

Precisamos aumentar nossa inteligência tecnológica para garantir a construção de um relacionamento mais positivo com a IA e, em última instância, de um futuro melhor.


SOBRE O AUTOR

Nathanael Fast é professor associado de administração na USC Marshall School of Business, diretor do Centro Neely para Liderança Ética... saiba mais