Quem tem medo do ChatGPT? O Google, no seu 25º aniversário

A abordagem cautelosa da empresa em relação a novas tecnologias pode ser um sinal de maturidade, mas também traz algumas desvantagens reais

Crédito: pngegg

Mark Sullivan 7 minutos de leitura

Fundado em 1998 por dois doutorandos da Universidade de Stanford, na Califórnia, o Google está prestes a completar 25 anos. Neste período, a empresa de Larry Page e Sergey Brin dominou as buscas na internet e a publicidade interativa, desenvolveu grandes projetos de inteligência artificial e se tornou uma das marcas mais valiosas do mundo.

Mas o que mais ele fez ao longo de um quarto de século? A resposta óbvia é que cresceu consideravelmente – hoje, o Google vale mais de US$ 1 trilhão, emprega mais de 150 mil pessoas e agora faz de tudo, de serviços de telefonia via fibra óptica e carros autônomos à robótica.

No entanto, uma série de eventos que afetaram a empresa em 2023 – incluindo uma demissão em massa e uma resposta desesperada ao ChatGPT – sugerem que a gigante das buscas mudou substancialmente.

O sucesso do ChatGPT foi um choque para o Google, que inventou o grande modelo de linguagem utilizado pela IA generativa da OpenAI.

A Alphabet, dona do Google, anunciou em janeiro a demissão de 6% de sua força de trabalho, ou cerca de 12 mil pessoas. O CEO da empresa, Sundar Pichai, defendeu que esses cortes eram uma oportunidade para “afiar o foco, reestruturar a base de custos e direcionar nosso talento e capital para nossas maiores prioridades”.

Por “maiores prioridades” ele se referia ao esforço da empresa para incorporar IA aos seus produtos. Isso se tornou um de seus principais focos com o surpreendente sucesso do ChatGPT. As habilidades de conversação incrivelmente convincentes do chatbot da OpenAI atraíram grande parte da atenção mundial após seu lançamento, no final de 2022.

Todo esse sucesso foi um choque para o Google, que inventou o grande modelo de linguagem utilizado pelo ChatGPT e se declarou uma empresa focada em inteligência artificial já em 2017 – mas, de alguma forma, se viu passando o bastão de líder deste segmento para a OpenAI, pelo menos aos olhos do público.

O Google sabia que a Microsoft anunciaria em breve uma nova versão do Bing com o ChatGPT. E alguns dos primeiros usuários já diziam que fazer pesquisas na web com o bot era melhor do que com o Google.

Esse foi um grande sinal de alerta para a empresa, já que grande parte de sua receita vem da publicidade no mecanismo de busca. A questão era tão séria que Pichai chamou Page e Brin, ambos aposentados da gestão cotidiana da empresa desde 2019, para discutir estratégias para combater a ameaça da OpenAI.

MELHOR DO QUE O GOOGLE?

Alguns analistas afirmam que foi o próprio Google o responsável por tornar seu mecanismo de busca menos importante. Antes, os resultados eram exibidos em uma lista clara de links, ordenados por relevância, para o usuário escolher. Agora eles são, em muitos casos, apenas anúncios disfarçados.

“Lembra quando você fazia uma busca no Google, há 20 anos, e os dois primeiros resultados apareciam destacados em azul, com ‘anúncio’ escrito ao lado? Agora, eles removeram o destaque e, às vezes, 60% ou 70% da primeira página não necessariamente mostra a melhor resposta, mas permite que o Google lucre ainda mais”, observa o professor de marketing da Universidade de Nova York Scott Galloway no podcast GZEROWorld.

Um bot de busca, por outro lado, pode produzir uma resposta mais concisa e que esteja mais alinhada com a intenção do usuário – e com menos anúncios e materiais autopromocionais.

Os resultados de busca do Google eram exibidos em uma lista de links ordenados por relevância. Agora são, em muitos casos, uma lista de anúncios disfarçados.

Galloway aponta que pode ter havido uma razão mais profunda para isso. “É um dilema clássico: o Google tinha essa tecnologia [chatbot], desenvolveu muito dela, mas não queria prejudicar seu modelo de negócios de US$ 150 bilhões e dar às pessoas o melhor resultado. Queria dar-lhes muitos resultados.”

O Google já estava desenvolvendo seus próprios chatbots de IA generativa quando o ChatGPT foi lançado, mas supostamente temia ser responsabilizado se um dos bots difamasse alguém, violasse a privacidade ou direitos autorais. Seu modelo de busca é seguro no curto prazo, em parte, porque se tornou um hábito para milhões de pessoas.

Mas as coisas podem mudar, alertou o analista Ben Thompson em uma edição recente de sua newsletter Stratechery. “O problema, claro, é que o produto disruptivo fica melhor, enquanto o já estabelecido se torna cada vez mais inchado e difícil de usar – e isso certamente se parece muito com a trajetória atual do mecanismo de busca do Google.”

A resposta ao ChatGPT não foi tentar melhorar o sistema, muito menos anunciar planos de incorporar a ele um chatbot. Em vez disso, a empresa disse que “recalibraria” o nível de risco que está disposta a assumir ao lançar novas ferramentas de IA generativas ao público.

Em seguida, apressou-se para anunciar o Bard, um chatbot de IA generativa autônoma, um dia antes de a Microsoft divulgar a nova versão do Bing com o ChatGPT.

Um bot de busca pode produzir uma resposta mais concisa, mais alinhada com a intenção do usuário e com menos anúncios.

É natural achar que este episódio fez o Google parecer inexpressivo e reativo. Mas Tim Bajarin, presidente da Creative Strategies e analista de longa data da Valley, aponta que ele pode ter sido pego de surpresa, como muitos de nós, pela rapidez com que o ChatGPT se popularizou.

“Esta é uma daquelas caixas de Pandora”, diz ele. “Se você deixar essa [tecnologia] sair sem diretrizes e grades de proteção, terá um problema sério.” De acordo com Bajarin, existem especialistas em ética de IA dentro do Google e as questões que levantam são válidas. “Talvez parte disso tenha sido motivado por razões legais, e é por isso que eles podem ter demorado mais para tomar uma decisão.”

A hesitação do Google em relação à IA generativa também não era um sinal de falta de agilidade ou inovação. A empresa continua sendo uma potência de P&D, acrescenta Bajarin, e seus negócios de publicidade e armazenamento em nuvem garantem equipes com pesquisadores e engenheiros talentosos. “Eles são um pouco mais cautelosos com o que levam ao mercado”, acredita.

ABANDONANDO PRINCÍPIOS

A abordagem cautelosa do Google em relação a novas tecnologias pode ser um aspecto positivo de sua maturidade, mas alguns acreditam que também traz algumas desvantagens reais.

Ao longo de boa parte de sua história, o Google foi conhecido por sua cultura e pela liderança progressista e baseada em princípios. Foi a primeira entre as empresas de tecnologia a reduzir as emissões de carbono. Preocupava-se com a vida profissional dos funcionários. Criou produtos inovadores, como o Maps, que tornou a vida das pessoas mais fácil e produtiva.

Por muitos anos, foi um ímã para talentosos jovens cientistas da computação de todo o mundo: era um ambiente de rápido crescimento, com muitos recursos, no qual os funcionários podiam se dedicar a iniciativas especiais, ou “moonshots” – projetos de tecnologia que buscam solucionar grandes desafios, de formas inimagináveis.

Mas hoje ele é muito diferente do que era cinco ou mesmo dois anos atrás, de acordo com o cofundador da Near Media, Greg Sterling, que trabalha no mundo das buscas desde o início do Google. Agora é uma grande empresa.

O Google se afastou de sua missão inicial e hoje vê o consumidor como um meio para atingir seu fim, que é manter a receita fluindo e crescendo.

Mesmo após as demissões, emprega mais de 170 mil pessoas. É extremamente lucrativo, com um valor de mercado de US$ 1,15 trilhão. Só que alguns de seus ideais ficaram pelo caminho, diz Sterling – incluindo a forma como trata os usuários.

“Eles ainda mantêm algum tipo de missão voltada para o consumidor (‘organizar as informações do mundo e torná-las universalmente acessíveis e úteis’). Mas acredito que a empresa se afastou substancialmente disso e agora vê o consumidor como um meio para atingir seu fim, que é manter a receita fluindo e crescendo”, afirma Sterling.

Segundo ele, o Google está, acima de tudo, em dívida com o mercado, fato evidenciado pelas recentes demissões.

“É simbólico: eles estão fazendo isso para mostrar aos investidores que estão preocupados com os custos e que estão tomando medidas para reduzir as despesas gerais e aumentar a lucratividade”, explica Sterling.

“Os investidores respondem bem quando demissões são anunciadas e as ações sobem... Esse comportamento realmente reflete uma empresa que meio que abandonou muitos de seus princípios básicos, em termos de compromisso com os funcionários e sua cultura”.


SOBRE O AUTOR

Mark Sullivan é redator sênior da Fast Company e escreve sobre tecnologia emergente, política, inteligência artificial, grandes empres... saiba mais