A luta contra as mudanças climáticas num mundo de pós-verdades
Ideais de perfeição são um entrave para atingir as metas de redução de carbono
Cientistas do mundo todo estão dando seu “último alerta” sobre o fechamento da janela de oportunidade para evitarmos que o aquecimento global ultrapasse o patamar de 1,5 graus Celsius. No ano passado, enquanto a economia mundial se recuperava da pandemia, houve recordes nos níveis de emissões globais, o que colocou em risco esse teto.
Já é senso comum a necessidade de uma ação coletiva para reduzir as emissões de carbono. Sabemos que todas as ferramentas disponíveis precisam ser empenhadas nesse esforço global.
embora o número de empresas que assumem compromissos climáticos esteja crescendo, as metas são cada vez mais tímidas.
No entanto, o debate climático anda cada vez mais polarizado. Muita gente vem criticando as ações tomadas por suas imperfeições, o que pode criar entraves perigosos se quisermos nos transformar em uma economia de baixo carbono.
A consequência disso é que estamos observando uma diminuição na ambição climática. Um relatório da Climate Impact Partners sobre os compromissos climáticos das empresas listadas no ranking Fortune Global 500 mostra que, embora o número de empresas que assumem compromissos esteja crescendo, as metas são cada vez mais tímidas, sendo adiadas para 2050, em vez de 2030.
Só que nós já estamos atravessando uma década crítica: se não reduzirmos pela metade as emissões globais, o risco é que os danos sejam irreversíveis. O relatório do IPCC pede que, até 2035, as emissões sejam reduzidas em 60% abaixo dos níveis de 2019 se quisermos ter alguma chance de diminuir o risco de mudanças climáticas descontroladas.
A mensagem é clara: devemos agir de forma mais ampla e rápida.
SOLUÇÕES NÃO DEVEM SER DEMONIZADAS
As empresas estão enfrentando pressões crescente para reduzir suas emissões e, ao mesmo tempo, alocar recursos de maneira mais equitativa e sustentável e agregar valor econômico. As soluções climáticas existentes estão reorientando os negócios na direção certa. Essas soluções estão recebendo financiamento e sinais de demanda para se tornarem melhores e mais eficazes.
Ao longo desse progresso, toda vigilância crítica é bem-vinda. No entanto, em um mundo de pós-verdade, há uma ânsia por apontar qualquer passo em falso percebido ou gafe que coloque em dúvida setores inteiros que ajudam no salto para zerar as emissões. No fim das contas, essas críticas duras servem para desencorajar a ação climática corporativa.
O mercado voluntário de carbono tem muito o que melhorar, mas está financiando projetos em áreas que raramente recebem recursos.
O mercado voluntário de carbono (VCM, na sigla em inglês), por exemplo, ainda tem muito o que melhorar. Mas se tornou um saco de pancadas climático, levando as empresas a questionar se realmente vale a pena apoiar iniciativas fora de suas operações.
Por enquanto, o mercado voluntário é uma indústria de US$ 2 bilhões. É ele que está fornecendo financiamento vital para projetos de redução, remoção e prevenção de carbono que melhoram a qualidade de vida em áreas que raramente recebem recursos. Geralmente, esses projetos beneficiam as comunidades mais impactadas, mas menos culpadas pelas mudanças climáticas.
O VCM tem um papel importante a desempenhar para atingirmos a meta de 1,5 graus Celsius. Há espaço para crescimento e impacto significativos à medida que ele cresce. Precisamos de investimento para que a iniciativa aumente, não diminua. As melhorias não vão acontecer se os fundos acabarem.
GRANDES EMPRESAS PRECISAM AGIR
Enquanto debatemos as soluções existentes que trazem resultados e ajudam as comunidades, algumas das maiores empresas ainda não fizeram nada. Quase 60% das empresas do Fortune Global 500 não alcançaram um marco climático significativo ou não estão publicamente comprometidas a fazê-lo até 2030. É nisso que precisamos investir nosso tempo e energia.
Se essas empresas destinassem 1,5% de seus lucros totais (uma fração do valor gasto em pesquisa e desenvolvimento) à ação climática, o impacto já seria significativo.
Por exemplo, se as empresas apoiassem um portfólio de projetos como teto com painéis solares, cozinha limpa, conservação florestal e plantio de árvores – para compensar as emissões que ainda não conseguem reduzir –, além de investimentos para reduções internas e transformações operacionais, isso permitiria:
• Melhorar a vida de uma população equivalente à soma dos habitantes da Europa e dos EUA;
• Proteger florestas em uma área do tamanho do Japão;
• Plantar árvores em uma área equivalente ao tamanho de Uganda.,
Essas soluções, sozinhas, não levarão ao zero líquido. Mas, coletivamente, podem ajudar a nos manter na direção certa rumo ao objetivo, conquistar resultados significativos e encorajar outras pessoas a avançar.
PROGRESSO É MAIS IMPORTANTE QUE PERFEIÇÃO
As empresas que usam créditos de carbono de alta qualidade para assumir a responsabilidade pelas emissões residuais hoje e para se tornarem neutras em carbono têm quase duas vezes mais chances de ter uma meta baseada na ciência do que aquelas que não o fazem.
É fato que essas estratégias estão ajudando as empresas a progredir para zero líquido – sem mencionar os benefícios para a biodiversidade e para a saúde. Mas as discussões sobre as diferentes estratégias não podem acabar roubando a cena, porque elas são parte da solução de um problema maior.
Em um mundo de pós-verdade, o contexto e as nuances são importantes. As críticas são sempre bem-vindas e são uma parte necessária da democracia. Mas não podemos sacrificar o progresso em nome de um ideal de perfeição.