Trabalhadores da indústria de games iniciam movimento de sindicalização

Más condições de trabalho e onda de pragmatismo estão por trás da iniciativa, afirmam especialistas

Crédito: FLY:D/ Unsplash

Chris Stokel-Walker 4 minutos de leitura

Talvez o aspecto mais surpreendente da recém-anunciada sindicalização dos funcionários da Sega seja o quão previsível ela realmente é.

Trabalhadores de diferentes departamentos dentro da desenvolvedora, que se organizaram por meio do Communications Workers of America – maior sindicato trabalhista de comunicação e mídia dos EUA –, se juntaram à lista de grandes empresas pró-sindicatos do setor, que inclui gigantes como a Activision Blizzard e a Microsoft.

Devido à grande quantidade de notícias sobre o excesso de trabalho, baixos salários e condições precárias na indústria, uma ação trabalhista parecia quase inevitável.

“O enorme crescimento da indústria, que quadruplicou em tamanho em menos de uma década, chama a atenção para como os jogos são produzidos, quem os faz e em quais circunstâncias”, afirma Joost van Dreunen, pesquisador da indústria de games e professor na Escola de Negócios da Universidade de Nova York. “Parece justo usar parte dos lucros para melhorar as condições de trabalho.”

NEGÓCIO DE GENTE GRANDE

Van Dreunen acredita que a sindicalização é “dolorosa, mas necessária”. O movimento ajudará a resolver “uma infinidade de questões sobre o desenvolvimento de jogos, especialmente em tempos de crise e de insegurança no trabalho. Também obrigará os empregadores a estabelecerem um padrão mais alto, agora que eles se tornaram uma forma de entretenimento mainstream.”

É justo, dada a sua contribuição para a economia, que se comece a construir um movimento sindicalista. A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos, em uma declaração contra a aquisição da Activision Blizzard King pela Microsoft, disse que “é esperado que a indústria de jogos gere mais de US$ 170 bilhões em receitas globais, cinco vezes mais do que a da indústria do cinema”. E, enquanto esta tem vários sindicatos representando seus funcionários, a de games tem ficado para trás

espera-se que a indústria de jogos gere mais de US$ 170 bilhões em receitas globais, cinco vezes mais do que a da indústria do cinema.

Em uma carta enviada aos funcionários, o presidente e COO da Sega of America (SOA), Ian Curran, reconheceu que os trabalhadores entraram com um pedido de representação no Conselho Nacional de Relações Trabalhistas dos EUA.

“Alguns podem apoiar a sindicalização e outros não. Este é um direito legal. Nenhum funcionário da SOA será tratado de forma diferente, quer a apoiem ou não”, afirmou Curran.

“Temos uma cultura maravilhosa na SOA, com um forte compromisso de trabalhar em equipe. Na minha opinião, é a cultura dos funcionários que nos torna uma empresa tão bem-sucedida”, completou o executivo. A Communication Workers of America não respondeu a um pedido de comentário.

Com longas jornadas e ambientes tóxicos dominados por homens, as condições de trabalho no setor têm sido “visivelmente terríveis”, de acordo com Brendan Keogh, professor sênior da Escola de Comunicação da Universidade de Tecnologia de Queensland e autor do livro “The Videogame Industry Does Not Exist” (A Indústria de Videogames Não Existe).

“Os desenvolvedores são forçados a assinar acordos de confidencialidade opressivos e secretos que, por sua vez, os obrigam a permanecer com um empregador potencialmente ruim. Se saírem, não podem falar sobre o trabalho que realizaram”, explica.

JOVENS E APAIXONADOS

Keogh ressalta ainda que, segundo pesquisas, os funcionários muitas vezes trabalham mais de 80 ou 100 horas por semana para cumprir prazos e, às vezes, passam dias sem ver suas famílias. “O esgotamento é crônico e a média de idade dos profissionais é de 30 anos ou menos, já que muitos abandonam o setor em busca de empregos mais estáveis em outros lugares”, acrescenta.

a média de idade dos profissionais é de 30 anos ou menos, já que muitos abandonam o setor em busca de empregos em outros lugares.

A indústria de games depende de um fluxo constante de jovens (em sua maioria homens), dispostos a ignorar alguns dos aspectos negativos de trabalhar com jogos. Eles são apaixonados. Mas muitas vezes enfrentam pressões – às vezes, de frente. A histórica dependência de trabalhadores contratados, em vez de funcionários em tempo integral com direitos, torna tudo ainda pior.

Mas as coisas estão mudando. Keogh aponta o crescimento no número de desenvolvedores independentes na década de 2010 como um fator que contribuiu para essa mudança. “Ao longo desta década, cada vez mais desenvolvedores que não trabalhavam para as grandes empresas do setor se tornaram conhecidos e puderam falar abertamente, sem se preocupar em ser demitidos”

“Ao mesmo tempo, aqueles que tiveram sucesso no espaço indie atraíram perfis mais diversificados do que os tradicionais homens brancos de classe média da indústria de jogos, incluindo mais mulheres, pessoas trans, não brancas e pobres. Eles não estão dispostos a suportar as pressões indevidas impostas aos trabalhadores dessa indústria.”

“O empregador pode ameaçar substituir um trabalhador, mas não todos. Juntos, eles podem exigir condições melhores e mais reconhecimento que um único desenvolvedor”, conclui Keogh.


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais