No meu primeiro Web Summit, a inteligência artificial continua sendo central


Mauro Cavalletti 4 minutos de leitura

Minhas experiências em grandes conferências sempre foram uma mistura básica de conteúdo e conexões. São longas caminhadas pelos espaços dos festivais onde o reconhecimento dos temas mais importantes acontece nos encontros e discussões com outros participantes, sempre estimulados pelas melhores apresentações e painéis.

Esse fluxo é alimentado por muitos momentos de inspiração e provocação, que frequentemente se desdobram e permanecem muito além daqueles dias intensos.

O assunto predominante nos meus encontros no WebSummit Rio foi a inteligência artificial. Quem me acompanha sabe que tenho um apetite enorme pelo assunto. Mas, até mesmo por meu envolvimento enviesado, imaginei que encontraria um declínio no interesse pelo tema entre os participantes. No entanto, isso não aconteceu: a inteligência artificial continua empolgando e incomodando muitas pessoas.

UMA ABORDAGEM CRIATIVA

Meu maior interesse é o uso criativo da IA em seu sentido mais amplo e estrutural possível. Nesse caminho, encontrei alguns momentos inspiradores, como a palestra “Pense em uma cor que não existe”, apresentada pelo CMO da NotCo, Fernando Machado.

Na NotCo, a IA opera informações a nível molecular e funciona como um colaborador para chefs e pesquisadores.

A NotCo é uma empresa de tecnologia de alimentos, que produz substitutos para produtos de origem animal, feitos à base de plantas. Machado apresentou o sistema de inteligência artificial que o time de pesquisa e desenvolvimento de produtos da companhia usa para investigar as melhores composições de plantas que reproduzam sabores e texturas de proteínas animais.

O sistema, apelidado de Giuseppi, opera informações a nível molecular e funciona como um colaborador para chefs e pesquisadores, que trabalham documentando suas inovações e sensações a partir das formulações propostas no processo. Nesse caso de aprendizagem contínua, a aplicação de IA é central e atua no coração da empresa, na criação de seus produtos e na entrega de seu propósito. 

Machado, que lidera a narrativa externa da companhia, encerrou a apresentação mostrando campanhas publicitárias muito criativas, nas quais são construídas as conexões emocionais e racionais do público com as questões de impacto ambiental, através de histórias assumidamente produzidas em colaboração com sistemas de IA. Uma maneira brilhante de simplificar a abordagem bastante complexa da tecnologia na NotCo. 

A QUESTÃO DA PRODUTIVIDADE

A maior parte do que vi e ouvi colocou a tecnologia de IA em campos opostos de pensamento, seja em expectativas exageradas ou em preocupações profundas, quase sempre mediadas por soluções pouco aplicáveis.

Afinal, quem seria responsável pela implantação da semana de trabalho de quatro dias, uma proposta para a questão do impacto na empregabilidade, recorrente nas rodas de conversa do festival?

Essa é uma ideia que, certamente, está além do poder de execução das empresas que vendem eficiência e produtividade – os motores que impulsionam o desenvolvimento de IA e emperram as discussões éticas ao seu redor. Essa, pelo menos, é a opinião da minha bolha no Summit.

A semana de quatro dias é uma ideia que está além do poder de execução das empresas que vendem eficiência e produtividade.

Mas nem tudo é utopia. Vimos algumas provocações objetivas emergirem, como a apresentada pela CEO da Globo Condé Nast, Paula Mageste, ao final do painel "O Chat GPT vai matar o jornalismo?", que contou com executivos da AFP e da "Wired". Mageste propôs que todo o material produzido pela imprensa com o uso do ChatGPT seja acompanhado de disclaimers, revelando como os sistemas de IA foram usados no processo jornalístico.

Gosto da simplicidade da ideia: a execução desse movimento pode ser rápida, com impacto imediato na definição do próprio papel da imprensa no contexto. É um posicionamento claro na divisão de responsabilidades que cabe a cada um dos participantes no complexo ecossistema, com poder de influenciar muitas outras partes da sociedade.

Uma ideia simples, mas ousada, que depende, basicamente, da vontade política da imprensa em ser transparente e educar seus leitores.

INTELIGÊNCIA NATURAL

No contraponto ao foco na tecnologia de IA, o sempre brilhante Fred Gelli defendeu, em sua apresentação, o equilíbrio na discussão a partir da ideia da biomimética – uma abordagem criativa que busca soluções em padrões encontrados na natureza. Em sua própria definição, é a inteligência natural.

O Summit tem um potencial imenso para aprofundar a formação de referências e gerar posicionamentos.

De resto, o Summit entregou bem naquilo que mais valorizo: o acaso. Fui surpreendido por muitos encontros inesperados, pelo conteúdo sobre saúde mental e longevidade, pelos sistemas de métricas de impacto criativo, pela presença massiva de startups inovadoras e pela força de comunidades como o coletivo feminino "uma sobe e puxa a outra". Voltei me sentindo inspirado e provocado, como queria.

O que mais? Alguns ajustes na experiência podem levar o evento a um papel ainda mais relevante. Boa parte das apresentações tinham um sabor de autopromoção e os painéis, curtos demais, se mostraram muitas vezes insuficientes para aprofundar as discussões.

O evento, com audiência estimada em mais de 20 mil pessoas, demonstrou atenção à democratização das discussões e competência na criação de comunidades momentâneas de interesse.

Ele tem um potencial imenso para aprofundar a formação de referências e gerar posicionamentos. Para isso, pode prestar mais atenção ao desenho da formatação do conteúdo e realizar plenamente essa vocação, entregando narrativas que vão energizar sua audiência o ano todo.


SOBRE O AUTOR

Mauro Cavalletti é Diretor Executivo de Criação para América Latina na Huge e fundador da Bitnik Estratégias Criativas, plataforma par... saiba mais