A autenticidade vai conseguir sobreviver à era da inteligência artificial?
A IA está tornando cada vez mais difícil distinguir o que é autêntico do que é falso. Estamos preparados para essa nova realidade?
Drake e The Weeknd não lançaram a suposta colaboração que viralizou no TikTok e no YouTube. A foto que venceu uma competição internacional em abril não era uma fotografia real. E a imagem do papa Francisco usando uma jaqueta Balenciaga que circulou nas redes sociais também era falsa.
Tudo foi criado com a ajuda da IA generativa, uma nova tecnologia que pode gerar textos, áudios e imagens sob demanda através de softwares como o ChatGPT, Midjourney, Bard, entre outros.
Mas o que é realmente perturbador é a facilidade com que as pessoas são enganadas por essas falsificações. Vejo isso como um prenúncio de uma crise de autenticidade que levanta algumas questões difíceis.
Por exemplo, como os eleitores saberão se o vídeo de um candidato dizendo algo ofensivo é real ou não? As pessoas ainda estarão dispostas a pagar artistas por seu trabalho quando a IA pode criar imagens realmente impressionantes? Por que seguir determinados autores quando histórias com seu estilo de narrativa circulam livremente na internet?
Com textos, imagens, áudios e vídeos se tornando cada vez mais fáceis de produzir usando novas ferramentas de IA generativa, acredito que as pessoas vão precisar reconsiderar e recalibrar a maneira como a autenticidade é julgada. Felizmente, a ciência pode nos ajudar.
AS MUITAS FACES DA AUTENTICIDADE
Quando um corretor elogia exageradamente um imóvel que está tentando vender, ele está dizendo a verdade ou apenas tentando fechar negócio? Será que aquele conhecido seu bastante estiloso realmente usa peças originais de grife? Como descobrimos nossa verdadeira identidade enquanto crescemos?
Essas não são apenas reflexões filosóficas. Pesquisas em neurociência mostram que acreditar que uma obra de arte é autêntica ativa o sistema de recompensa do cérebro de uma maneira que não é possível com um objeto sabidamente falso.
A autenticidade é, sobretudo, um atributo importante para o convívio social porque reforça a confiança. Basta olhar para a atual crise de desinformação nas redes sociais, na qual notícias falsas são inadvertidamente espalhadas, enquanto as verdadeiras são rotuladas como fake news.
Resumindo, autenticidade é fundamental tanto para indivíduos quanto para a sociedade como um todo.
Mas o que realmente faz algo parecer autêntico?
O psicólogo George Newman descobriu que existem três dimensões principais da autenticidade.
A autenticidade é um atributo importante para o convívio social porque reforça a confiança.
Uma delas é a histórica, ou seja, se um objeto é realmente da época, lugar e pessoa que alguém alega ser. Uma pintura original de Rembrandt teria autenticidade histórica; já uma falsificação moderna, não.
Outra dimensão é a que se manifesta quando, por exemplo, um restaurante no Japão serve uma pizza napolitana excepcional e autêntica. Obviamente, não foi feita em Nápoles ou importada da Itália. Mas os ingredientes, a aparência e o sabor podem corresponder muito bem ao que se esperaria encontrar em uma pizzaria italiana. Newman chama isso de autenticidade categórica.
E, por fim, existe aquela que vem de nossos valores e crenças. É o que muitos eleitores afirmam faltar em políticos que dizem uma coisa, mas fazem outra.
Em minha própria pesquisa, também descobri que a autenticidade pode estar relacionada às nossas expectativas sobre quais ferramentas e atividades estão envolvidas na criação das coisas.
Por exemplo, quando você vê um móvel sob medida feito à mão, provavelmente não pensa que essa expressão é literal – sabe que foram usadas ferramentas modernas para cortar, moldar e prender cada peça.
Da mesma forma, se um arquiteto usa um software para ajudar a desenhar um projeto, você ainda o considera legítimo e original. Isso porque há uma compreensão geral de que essas ferramentas fazem parte do que é necessário para criar esses produtos.
Na maioria das vezes, quando fazemos julgamentos rápidos, não pensamos muito nessas dimensões. Mas, com a IA generativa, será cada vez mais necessário considerá-las. Isso porque, quando levava muito tempo para produzir um conteúdo novo e original, havia a percepção de que esse trabalho só poderia ser feito por indivíduos que se esforçam muito e agem com as melhores intenções. Hoje em dia, sabemos que não necessariamente é o caso.
COMO LIDAR COM A CRISE DE AUTENTICIDADE
A IA generativa explora a confiança das pessoas, produzindo coisas que parecem “reais”.
a autenticidade pode estar relacionada às expectativas sobre quais ferramentas e atividades estão envolvidas na criação das coisas.
Por isso, é importante separar a autenticidade histórica da categórica. Só porque uma música parece ser do Drake, não significa que ele a tenha gravado.
Além disso, será cada vez mais importante estar atualizado sobre o que essas novas ferramentas de IA generativa realmente são capazes de fazer. Precisaremos garantir que as pessoas aprendam sobre elas na escola e no trabalho, e conversar abertamente sobre como os processos criativos mudarão com a IA amplamente disponível.
Em um mundo no qual a inteligência artificial está ao alcance de todos, a sociedade terá que considerar como estabelecer limites, por meio de regulamentações ou criando normas dentro de determinados campos para informar como e quando foi usada.
A capacidade da IA generativa é surpreendente e desafia todos nós a pensar de maneira diferente. Mas acredito que podemos usá-la para expandir os limites do que é possível e criar obras de arte, textos e designs interessantes, valiosos e, sim, autênticos.