Como desmascarar chefes que sabotam ações de diversidade e inclusão

Fingir incompetência é uma estratégia comum que alguns homens usam para resistir aos esforços do DEI

Créditos: Wega52/ Alexander Shelegov/ iStock

Resa E. Lewiss, W. Brad Johnson e David G. Smith 5 minutos de leitura

Se fazer de bobo, fingindo deliberadamente incompetência ou falta de familiaridade com o assunto ou tarefa em questão, é algo que normalmente associamos a disputas esportivas ou a estratégias de policiais e detetives de programas de TV. 

Em Columbo, uma séria norte-americana de ficção policial dos anos 1970, o ator Peter Falk interpretava um detetive aparentemente avoado. Episódio após episódio, ele parecia distraído, desleixado e desorganizado. Assim, Columbo engambelava os criminosos com sua aparente incompetência e estilo desengonçado, até o momento de poder dizer “te peguei”. Nessa hora, os investigados percebiam que estavam caindo em uma armadilha.

Embora essa estratégia pareça funcionar bem quando um personagem cativante como Columbo consegue capturar criminosos, ela se torna problemática quando é adotada por homens que resistem aos esforços de diversidade, equidade e inclusão.

Manter-se alienado é destrutivo para o desempenho da equipe e dificulta a inclusão. É tóxico e abusivo.

São homens que têm baixo desempenho como líderes nessa área e que fingem não ter consciência ou competência no assunto – mas isso é só uma forma de fugir da responsabilidade.

São chefes que encarnam o típico personagem masculino desajeitado. Eles fazem de tudo para parecer ingênuos e genuinamente surpresos quando recebem uma crítica por conta de seu machismo ou preconceito – embora já tenham ouvido esse tipo de crítica várias vezes antes.

Quando se trata de aprender a como ser uma pessoa melhor, eles se mostram perdidos e confusos.  Na realidade, essa conduta não passa de uma encenação.

Às vezes, vemos líderes se fazendo de bobos e intencionalmente procurando controlar ou direcionar a narrativa após uma reclamação sobre sexismo ou assédio. Mas como saber se você está lidando com um chefe que apresenta esse tipo de comportamento? 

INDÍCIOS DE QUE O CHEFE ESTÁ FINGINDO INCOMPETÊNCIA

- Expressões exageradas e dissimuladas de surpresa e elogios aparentemente sinceros, mas exagerados, são motivo de alerta. As conversas destinadas a confrontar o comportamento preconceituoso e instigar mudanças são

Se fazer de bobo é uma estratégia deliberada para fugir do trabalho de melhorar a própria inteligência cultural.

sempre pontuadas por interjeições como “Hã? Como assim? Caramba!”? Você nota um excesso de pedidos de desculpas e de agradecimentos pelos “ensinamentos”? O problema é quando, depois de uma primeira transgressão, há outras, e você se vê repetidas vezes diante das mesmas expressões estranhamente familiares de surpresa.

- Expressões de arrependimento e de comprometimento em “melhorar” que não resultam em nenhuma mudança de comportamento significativa. A falta de responsabilidade revela a natureza estritamente performativa de um falso aliado. É o que acontece quando um chefe se faz de incapaz e finge te respeitar. 

- Quando seus colegas expressam frustração e ou mesmo de raiva do chefe por causa da incompetência estratégica. Isso é sinal de que você não está imaginando coisas sozinho.  

UMA FORMA DE MANIPULAÇÃO 

Verifique as suas próprias reações e sensações. Você tem se sentido mal por causa de líderes fracos, incompetentes e infelizes cujos preconceitos, sexismo ou comentários de assédio parecem ser “apenas” um subproduto ou pontos cegos de uma geração mais velha? Você se sente na obrigação de ajudá-los, de tolerar atitudes equivocadas ou "passar pano" para algum comentário ou comportamento?

A resposta positiva a essas perguntas sugere que você foi manipulado. A manobra do chefe funcionou. Ele se fez de besta e conseguiu inverter a situação. 

JOGAR O TRABALHO NAS COSTAS DOS OUTROS

Se fazer de bobo para evitar se adaptar às mudanças é uma estratégia deliberada que muitas pessoas usam para fugir do trabalho de melhorar a própria inteligência cultural e percepção sobre gênero. É a preguiça de tornar-se mais autoconsciente, praticando comportamentos mais apropriados e inclusivos.

Quando testemunhar chefes se fingindo de inocentes, deixe claro que você sabe o que eles estão fazendo.

Por que de dar ao trabalho necessário para mudar se esse chefe pode fazer corpo mole e conseguir que outras pessoas façam todo o trabalho não remunerado – e muitas vezes invisível – de manter as pessoas da equipe felizes (também conhecido como trabalho emocional)?

Dessa forma, quando um homem que ocupa um cargo de chefia se faz de bobo, ele reforça outro fenômeno estrutural: o da alocação desigual do trabalho “doméstico” no escritório. Afinal, é isso o que acontece quando se pede às mulheres que elas eduquem e treinem seus colegas homens para que eles sejam melhores aliados. É importante ressaltar que essa carga extra afeta desproporcionalmente as mulheres negras.

O QUE FAZER?

Manter-se alienado é destrutivo para o desempenho da equipe e dificulta a inclusão. É tóxico e abusivo, e quanto mais vulnerável o alvo, mais prejudicial é a prática.

A seguir estão quatro maneiras de responsabilizar as pessoas pelo corpo mole de um chefe quando o assunto é inclusão no local de trabalho:

1. Verifique se você também não age assim às vezes 

Converse com os colegas e incentive-os a apontar quando, porventura, você também estiver fazendo isso. Essa é uma oportunidade para líderes, gerentes e membros da equipe considerarem quando estão se escondendo por trás da “incompetência estratégica”, seja por insegurança ou por preguiça. Conversem sobre como se autocorrigir e melhorar. 

2. Estabeleça limites para o trabalho emocional e doméstico no escritório

“Ser legal” quando um colega do sexo masculino faz pedidos que te exploram endossa esse mau comportamento. Apenas diga “não” e explique que você está muito ocupado. Ele vai ter que se virar sozinho.

3. Busque aliados 

Faça parceria com aliados que possam fornecer o suporte necessário para denunciar e abordar essa dinâmica de poder e os comportamentos inadequados diretamente com quem os pratica.

4. Imponha-se 

Quando testemunhar chefes homens se fingindo de inocentes, deixe claro que você sabe o que eles estão fazendo. Dê exemplos específicos e explique como isso está afetando você e outras pessoas.

É hora de desmascarar essa saída manipuladora tão presente no repertório das lideranças.  Fingir ignorância para controlar a narrativa, inverter a situação entre ofensor e ofendido e adiar a tomada de consciência são posturas muito nocivas. Elas só servem para nos deixar mais distantes de construir locais de trabalho respeitosos e igualitários.


SOBRE O AUTOR

Resa E.Lewiss é professora de medicina de emergência e designer de saúde na Perkins & Will. W. Brad Johnson é professor de psicolo... saiba mais