Ao completar 20 anos, Second Life tem muito a ensinar sobre o metaverso
Apesar da base de seguidores que se mantêm fiéis, a plataforma nunca conseguiu alcançar o sucesso mainstream
Nesta semana, centenas de milhares de pessoas se reunirão no Second Life para comemorar o 20º aniversário deste pioneiro mundo virtual. O evento terá música ao vivo, DJs, apresentações de dança e um grande bazar com mais de mil vendedores expondo roupas para avatares e outras criações digitais. Em anos anteriores, o número de participantes chegou a 300 mil. Este ano, espera-se uma participação ainda maior.
“Muitas pessoas estão no Second Life há 20 anos”, afirma Philip Rosedale, fundador da plataforma, que espera que o evento deste ano seja uma mistura de exposição virtual e encontro. “Será emocionante”, promete. A comemoração começa nesta quinta-feira (22 de junho) e vai até o dia 11 de julho.
A celebração certamente será também um momento de reflexão, tanto para os entusiastas do Second Life quanto para os observadores da indústria. Por um lado, o esperado é que o evento atraia um número maior de pessoas do que a base de usuários de algumas plataformas de metaverso, incluindo o Horizon Worlds, da Meta.
Mas também serve como um lembrete contundente de que este primeiro metaverso nunca correspondeu ao próprio hype. Anteriormente apontada como o futuro da internet – atraindo investimentos do fundador da Amazon, Jeff Bezos, e do fundador do eBay, Pierre Omidyar –, a plataforma hoje conta com 750 mil usuários ativos mensais, de acordo com a Linden Lab, proprietária do Second Life. “Se considerarmos a maioria das métricas, estamos no nosso auge”, afirma Rosedale.
Para efeito de comparação, o Facebook, lançado dois anos depois, encerrou o último trimestre com três bilhões de usuários ativos mensais. “Mundos virtuais ainda não são para todos”, admite Rosedale. “Na verdade, não são para a maioria das pessoas.”
Essa admissão contrasta fortemente com o entusiasmo inicial em torno da criação de Rosedale. Seu lançamento em 2003 foi inspirado no Burning Man, uma celebração da comunidade e da expressão individual que atrai milhares de pessoas para o deserto de Nevada todos os anos. O Second Life se apresentou como uma tela em branco, convidando as pessoas a serem quem elas quisessem e fazerem qualquer coisa.
“Ele tinha as ferramentas de criação mais poderosas, permitindo que os usuários basicamente criassem qualquer coisa que pudessem imaginar”, conta Wagner James Au, autor de “Making a Metaverse That Matters” (Criando um Metaverso que Importa).
Alguns de seus criadores mais prolíficos usaram essas ferramentas para construir ambientes 3D impressionantes, incluindo recriações detalhadas de cidades reais, jardins, boates da moda e cenários pós-apocalípticos.
Outros se especializaram em roupas e acessórios digitais para avatares, que são vendidos na plataforma. O Second Life movimenta cerca de US$ 650 milhões em transações entre pessoas por ano, com 1,6 milhão delas ocorrendo diariamente, de acordo com um porta-voz da Linden Lab.
Mas, embora alguns primeiros adeptos tenham se destacado, muitos outros acabaram se frustrando com a liberdade excessiva da plataforma. “Ela intimidava 99% das pessoas que a experimentavam”, afirma Au.
FOCO NAS NOVAS GERAÇÕES
Três anos após o lançamento do Second Life, outro mundo virtual surgiu com uma abordagem muito mais direcionada. O Roblox também deu poder aos usuários para criarem seus próprios mundos, mas focou em jogos casuais.
Essa estratégia atraiu um público muito mais jovem, mas também consideravelmente maior: no final de março, ele era acessado por 66 milhões de pessoas todos os dias. “O motivo pelo qual o Roblox é tão popular é porque é basicamente o Second Life, mas voltado para crianças pequenas”, explica Rosedale.
A Linden Lab, por outro lado, queria que o Second Life fosse um lugar para adultos, e, por isso, se esforçou para que ele não fosse confundido com uma plataforma de games. Mas, de acordo com Au, isso foi um grande erro – e algo que os criadores de metaversos podem aprender.
Assim como no mundo real, os jogos funcionam como um quebra-gelo entre estranhos. “É preciso oferecer atividades divertidas”, diz ele. “Deve ser sempre uma experiência lúdica, como um jogo.”
Outro passo importante para o Roblox foi ter investido cedo em dispositivos móveis; o Second Life lançará um aplicativo para smartphones apenas este ano. “Cometemos um erro em não investir mais cedo no segmento mobile”, admite Rosedale.
A empresa chegou a trabalhar brevemente em um mundo virtual exclusivo para dispositivos de realidade virtual (RV), mas abandonou o projeto em 2020. A Meta tem enfrentado dificuldades para ganhar destaque com seu próprio serviço, Horizon Worlds, mas está em negociações com o Roblox para trazê-lo para seus headset VR Oculus.
Enquanto isso, a Apple tem evitado usar o termo “metaverso” (usando “computação espacial”). Mas o lançamento do Vision Pro no próximo ano provavelmente impulsionará ainda mais o crescimento de mundos virtuais imersivos.
Se o Second Life fará parte dessa provável escalada permanece uma incógnita. Rosedale tem sido cético quanto à realidade virtual e ainda está preocupado com algumas questões relacionadas a ela, mas tem feito experimentos com algumas tecnologias de RV nos últimos meses.
Au acredita que, de uma forma ou de outra, o Second Life deixará sua marca no futuro do metaverso. “Ainda há a oportunidade de expandi-lo além de sua base de usuários mais fervorosos”, afirma. “Ele definitivamente abriu o caminho para outros.”