Desigualdade no trabalho doméstico é também problema das empresas

A importância de dar flexibilidade aos funcionários com relação a quando, onde e como eles podem fazer seu trabalho

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Andrea Kramer e Alton Harris 5 minutos de leitura

As mulheres passam muito mais tempo cuidando dos filhos e de outras tarefas domésticas do que seus parceiros homens – e é isso o que a sociedade espera delas. Tamanha desigualdade de gênero na vida doméstica tem graves impactos nas oportunidades de avanço na carreira das mulheres.

No entanto, a maioria das empresas costuma ignorar esse fato, optando por focar suas iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) em decisões e comportamentos que ocorrem no local de trabalho.

passar 1,2 anos longe do trabalho faz com que as mulheres percam uma média de 28% de seu poder aquisitivo.

Estudamos o preconceito de gênero no ambiente profissional por mais de 30 anos e temos convicção de que esse descuido é muito sério. As empresas precisam adotar políticas que também considerem e amenizem o impacto discriminatório da desigualdade de gênero nos lares.

Antes de examinar essas políticas, é importante entender a extensão dessa desigualdade na vida doméstica e a natureza de seus efeitos negativos sobre as perspectivas de progresso das mulheres.

RESPONSABILIDADES DESIGUAIS

A desigualdade de gênero em casa, embora menos grave do que antes, ainda é gritante. Uma pesquisa de 2021 da Universidade de Chicago e da Associated Press descobriu que 68% das mães (mas apenas 18% dos pais) acreditam que se envolvem em todas ou na maioria das tarefas domésticas. Essa carga mais pesada de responsabilidades domésticas afeta negativamente as carreiras das mulheres de duas maneiras distintas.

Primeiro, a sobrecarga em casa faz com que as mulheres que são mães tenham menos tempo do que os homens que são pais para investir em atividades relacionadas ao trabalho. Menos horas de trabalho significa que elas não podem assumir tantas responsabilidades quanto os homens em situações comparáveis.

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Não dá para participar de tantas atividades sociais relacionadas ao trabalho, fazer networking, aproveitar ao máximo as chances de orientação e aprendizagem com os chefes, tirar semanas de coaching e treinamento ou para interagir frequentemente com as lideranças. Tudo isso resulta em mulheres recebendo salários mais baixos e menos promoções.

Em segundo lugar, devido à maior carga de responsabilidades domésticas, as mulheres inevitavelmente passam mais tempo fora do trabalho. E elas pagam um preço alto por esse tempo longe do escritório.

Sylvia Ann Hewlett e Carolyn Buck, da consultoria Hewlett Consulting Partners, descobriram que passar apenas 1,2 anos longe do trabalho faz com que, no geral, as mulheres percam uma média de 28% de seu poder aquisitivo.

As pesquisadoras chegaram à conclusão de que esses dois impactos da desigualdade na vida doméstica – menos horas no trabalho e mais tempo longe dele – são, de longe, as maiores causas das diferenças entre os salários e a progressão na carreira de homens e mulheres.

Portanto, para nivelar as coisas, as empresas precisam adotar políticas e práticas que melhorem de forma realista e eficaz esses impactos discriminatórios.

A IMPORTÂNCIA DA FLEXIBILIDADE

Talvez a medida mais óbvia que as empresas podem adotar para responder à desigualdade na vida doméstica seja dar flexibilidade aos funcionários com relação a quando, onde e como eles podem fazer seu trabalho. Por causa da pandemia, muitas empresas adotaram acordos de trabalho mais flexíveis.

as mulheres que são mães têm menos tempo do que os homens que são pais para investir em atividades relacionadas ao trabalho.

Mas a maioria desses arranjos é o que chamamos de “flexibilidade inflexível”: uma semana de trabalho uniforme de quatro dias com exigência de trabalho presencial  três dias por semana, sem reuniões após as 17h e sem exigência de respostas por e-mail após as 18h ou nos finais de semana.

Mas, para que a flexibilidade realmente amenize o impacto na carreira da desigualdade na vida doméstica, as empresas deveriam ter políticas multifacetadas, que levassem em consideração as demandas de diferentes tipos de empregos e as diferentes circunstâncias dos trabalhadores que ocupam cargos semelhantes.

As empresas também precisam reconhecer que os funcionários nos mesmos cargos podem ter necessidades de flexibilidade muito diferentes, dependendo do estágio da carreira e das circunstâncias da vida pessoal e doméstica de cada um.

Uma mãe que deu a luz recentemente e que trabalha com controle de qualidade provavelmente se beneficiará muito mais da possibilidade de trabalhar em casa do que uma mulher com filhos crescidos que passam tempo fora de casa.

Ao oferecer uma variedade de opções sobre quando, onde e como trabalhar, as organizações podem aumentar substancialmente a capacidade das mulheres de gerenciar suas responsabilidades domésticas e demonstrar o comprometimento necessário com suas carreiras para progredir.

POLÍTICAS DE LICENÇA REMUNERADA

As empresas podem fazer várias coisas para diminuir o impacto do tempo que as mulheres passam afastadas do trabalho. Em primeiro lugar, elas podem ajudar nos cuidados com as crianças, seja diretamente ou por meio de subsídios.

menos horas no trabalho e mais tempo longe dele são as maiores causas da diferença de salários e progressão na carreira de homens e mulheres.

Em segundo lugar, elas podem tomar medidas para garantir que, durante as pausas na carreira, as mulheres funcionárias continuem em contato com a empresa e informadas sobre o que está acontecendo no ambiente corporativo.

Em terceiro lugar, elas podem oferecer programas de reinserção que garantam o restabelecimento imediato e eficiente do envolvimento com o cliente ou projeto. Por último, as empresas podem combater ativamente a discriminação ou a estigmatização associada às licenças.

Para acabar com a desigualdade de gênero no trabalho, existem poucas ações absolutamente necessárias que as empresas devem tomar, e uma delas é oferecer licença familiar remunerada para parto e adoção (o que não é comum em muitos países).

De acordo com uma estimativa, 49% das executivas de negócios mais bem pagas não têm filhos, enquanto apenas 19% dos seus pares do sexo masculino homólogos não são pais.

Essas estatísticas passam uma mensagem muito clara: sem licença familiar remunerada, as mães trabalhadoras simplesmente não têm chance de chegar aos níveis de liderança e de permanecer lá.


SOBRE O AUTOR

Andrea Kramer e Alton Harris são especialistas em comunicação e preconceito de gênero. saiba mais