O sistema come a cultura no almoço (parte I)
Relato altamente sincericida: por muito tempo, acreditei que as grandes mudanças organizacionais deveriam partir de uma mudança de cultura. Talvez influenciado pela máxima citada por 10 entre 10 calouros da faculdade de administração: cultura come a estratégia no café da manhã.
Para Drucker, não importa o que a alta cúpula planeja. Se o time não estiver engajado nessa mesma crença, nada acontecerá. Afinal (como aprendi com Lyn Jeffery, do IFTF): cultura é o que as pessoas fazem sem ninguém pedir.
Não discordo dessas duas máximas (nem da de Drucker, nem da de Lyn). Mas descobri, atuando dos dois lados do balcão, que uma cultura forte (com boas ideias e valores contemporâneos) não sobrevive a um sistema obsoleto.
se a sua empresa está com a versão mais atualizada de TGA, está operando sob a égide de uma plataforma concebida há mais de 50 anos.
Se a cultura come a estratégia no café da manhã, parece que, logo em seguida, na hora do almoço, quem engole a cultura é o sistema. Igualzinho aos diagramas da cadeia alimentar das aulas de biologia.
Mas o que quero dizer por "sistema"? Talvez você não saiba, mas a sua empresa está sendo regida por uma Teoria Geral da Administração (TGA). Ou por uma versão literal (na melhor das hipóteses, uma versão minimamente alterada) de uma das teorias clássicas, ou por uma versão que soma elementos de diferentes TGAs. Seja de forma consciente ou por simples mimetização do que você vê ao seu redor.
Como o próprio nome diz, as TGAs são teses de como podem ser estruturadas e geridas (o hardware e o software) as nossas companhias. Há várias, cada uma respondendo ao contexto histórico e ao viés dos seus criadores. Algumas mais focadas nos processos, outras na divisão das tarefas, outras nas relações humanas. Esse é o tal "sistema".
O que surpreende é que, dentre as clássicas, a teoria mais recente (a contigencial) data do início da década de 70. Isso quer dizer que, se a sua empresa está com a versão mais atualizada em termos de TGA, ela está operando sob a égide de uma plataforma intelectual concebida há mais de 50 anos. Tanto nos princípios de gestão (estratégia, cultura, planos de carreira, incentivos) quanto na forma como a empresa se divide (financeiro, comercial, marketing). Tudo isso a partir de um mundo que nem sentia o cheiro de Tiktok, ChatGPT ou criptomoedas.
E aí está o nosso erro (e o meu testemunho sincericida). Quando pensamos em grandes transformações organizacionais, estamos apostando nossas fichas em mudanças a partir da cultura – e não em mudanças que ressignifiquem esse sistema.
Bradamos: "nossa empresa deve ser menos hierarquizada e mais horizontal". "Menos analógica e mais digital". "Menos business-as-usual e ser mais purpose-driven". E se o problema não estiver no adjetivo (e, sim, no substantivo)? E se o problema estiver no inconsciente coletivo do termo "empresa"?
Como disse o pai do domo geodésico, Buckminster Fuller: "você não muda as coisas lutando contra a realidade existente. Você muda criando um novo sistema que torna o atual modelo obsoleto".
Então, voltemos às TGAs. Não deveríamos ter novas Teorias Gerais da Administração? Não pelo hype, não pelo viés
Quando pensamos em grandes transformações organizacionais, estamos apostando em mudanças a partir da cultura e não em mudanças que ressignifiquem esse sistema.
excessivamente acadêmico (que só funciona nos livros), não pela vaidade de uma estética do pensamento original. Não. Mas para termos um novo sistema que torne o atual obsoleto. Para finalmente aliviarmos a dor da vida corporativa que está cansada de politicagem velada, hierarquias rígidas, assédios morais e ideias conservadoras.
Porque, sejamos francos: nenhuma das louváveis iniciativas surgidas até agora tem dado o resultado que esperávamos. Nem o capitalismo consciente, nem as empresas 2.5, nem o Sistema B, nem as organizações Teal, nem a transparência da web3.
Ninguém está conseguindo dar as cartas nesse jogo. Pelo menos, não até agora. Continuam coadjuvantes, servindo como cerejas do bolo nos palcos dos summits, como cases de sucesso nos livros de negócios – mas, no todo, representam uma fatia ainda muito irrelevante de como os negócios são feitos.
Então, decidi testar essa hipótese. Comecei a esboçar o que, com muitas aspas, poderia ser o início de uma nova TGA. Sem a pretensão de estar na mesma prateleira das versões anteriores (muito menos de ser uma resposta definitiva ao nosso tempo).
Meu objetivo é, num primeiro momento, ser meramente exploratório. Só que, para conhecer esse draft, você terá que aguardar até minha próxima coluna.
Eu sei, eu sei. É frustrante chegar ao final deste artigo com a sensação de que ainda não saímos da introdução. Mas deixo aqui uma mensagem minimamente acolhedora: para quem já esperou cinco décadas, será que não vale aguardar mais míseros 30 dias?