Gamers esperam relação de troca com marcas que querem entrar no jogo
Jogadores acham que marcas deveriam ajudar a tornar esse ambiente mais inclusivo, além de apoiar streamers e criadores
O universo gamer é muito mais complexo e evolui de forma muito mais rápida do que muitas marcas conseguem acompanhar. Principalmente aquelas que não fazem parte desse mercado, as chamadas marcas não-endêmicas.
São múltiplos perfis de jogadores, diferentes tipos de jogos, muitas plataformas, formando comunidades baseadas em interesses comuns e, muitas vezes, bastante segmentados.
"Eles se comunicam em um idioma próprio, consomem conteúdo de diferentes formas – e não só sobre games. É quase como tentar acompanhar em tempo real a evolução do uso da inteligência da informação", afirma Cristina Brand, CEO da TALK Inc.
Em parte por causa disso, muitas marcas acreditam que não têm como entrar no universo gamer. Mas não é bem assim: oito em cada 10 pessoas que jogam jogos eletrônicos acham que marcas não-endêmicas têm espaço no ambiente dos games, de acordo com a pesquisa "O Mundo Infinito dos Gamers".
Realizado pela TALK, em parceria com a agência Live, o levantamento traz uma análise abrangente sobre o cenário em constante transformação dos jogos eletrônicos no Brasil. Afinal, da rodada anterior (realizada em 2017) para cá, muita coisa mudou no relacionamento entre gamers e marcas.
O estudo aponta que, mesmo ainda tímido, o movimento de aproximação entre os dois lados já começou: entre 2017 e 2023, a visibilidade das marcas cresceu 11% no ambiente de games. Além disso, metade dos que jogam acreditam que, em um futuro próximo, as marcas mais interessantes estarão nos ambientes digitais dos jogos.
Mas há uma expectativa em relação às marcas que querem entrar nesse universo. Para 44% dos entrevistados, essa troca seria baseada no incentivo ao ecossistema dos jogos: 66% acreditam que as marcas deveriam apoiar streamers e criadores, 65% acreditam que elas deveriam patrocinar gamers profissionais e 64% esperam que elas apoiem canais e programas de conteúdo gamer.
"Existe uma demanda por empresas que invistam em ações para promover uma cadeia de produção mais diversa e inclusiva, e não só em campanhas de comunicação", afirma Aline Rossin, CEO da agência Live.
DIVERSIDADE x PRECONCEITO
Cerca de um terço (35%) dos entrevistados acreditam que a atuação das marcas deveria ser focada na melhoria do ambiente dos jogos e 42%, que elas deveriam contribuir para aumentar a inclusão e representatividade de grupos minorizados, como mulheres, pessoas com deficiência e membros das comunidades LGBTQIAP+, por exemplo.
Parte desse desejo se junta à percepção da toxicidade do universo gamer. O preconceito e os estereótipos presentes na sociedade foram amplificados no ambiente dos jogos, com um aumento de 11% entre 2017 e 2023. Entre os que responderam à pesquisa, 45% disseram ter testemunhado ou sofrido preconceito com base em identidade sexual e racial. Mais da metade (56%) relataram preconceito contra mulheres.
"A questão da toxicidade acaba inibindo muitas ações. Sabemos que o anonimato dá uma certa liberdade e, infelizmente, permite que todo tipo de preconceito seja exposto. O atraso maior está no fato de não haver uma regulação eficiente no ambiente digital, como as leis e punições do mundo real. Tudo isso atrasa iniciativas voltadas para a diversidade", avalia a líder de estratégia da TALK Inc., Carla Mayumi.
REPRESENTATIVIDADE E TRANSFORMAÇÃO
Os gamers entrevistados também notam a falta de representatividade: apesar de ela ter aumentado – com avatares mais diversos, por exemplo –, o preconceito ainda é muito marcante no território dos games.
A ausência de políticas de inclusão em 54% das empresas do setor faz com que a representação das pessoas nos jogos e campeonatos não reflita a realidade. Essa falta de diversidade no processo criativo leva a diversos tipos de preconceito, como representações negativas, estereotipadas e pouco estratégicas de personagens femininos.
Essa situação é reflexo também da falta de diversidade dentro da própria indústria. A maioria dos funcionários desse setor é composta por homens. Pouquíssimas mulheres trabalham no desenvolvimento de videogames.
No Brasil, 69% dos trabalhadores são homens, 30% mulheres e apenas 1,5%, pessoas não-binárias. No mercado global, aproximadamente 61% dos desenvolvedores de games são homens, apenas 30% mulheres e 8% são pessoas não binárias, queer ou trans.
Isso não significa que os gamers não enxerguem o potencial transformador desse universo. Jogadores de baixa renda, com menor acesso a recursos em geral, contam com iniciativas sociais que ajudam a fomentar a relação com os eSports.
Iniciativas como Perifacon, Taça das Favelas Free Fire/ CUFA e AfroGames fomentam o cenário e estimulam os jovens para que eles encontrem maneiras de se sustentar e melhorar suas realidades a partir dos jogos.
A AfroGames, por exemplo, além de proporcionar treinamento para o jogo em si, ensina inglês e tecnologia e oferece estrutura para que eles consigam trabalhar em diferentes setores da indústria, como design, programação, trilha sonora e conteúdo, entre outros.
"A fantasia e o ambiente lúdico tornam o jogo um potente aliado para falar sobre temas sensíveis e de interesse coletivo, de uma maneira criativa e menos intrusiva. Há espaço para que essa seja uma plataforma para as marcas abordarem temas relacionados a responsabilidade social, de forma que o mundo virtual possa contribuir para a conscientização sobre melhorias no mundo físico", afirma Aline.
O crescimento no número de gamers brasileiros deu origem a um ecossistema de produção de conteúdo cada vez mais relevante: 84% dos entrevistados consomem regularmente materiais relacionados a jogos, sendo que 60% o fazem de uma até sete vezes por semana. Entre os que não jogam, 56% também consomem conteúdos relacionados a jogos.
"A indústria dos games é uma economia gigante, 53% maior que a da música e do cinema, juntas. Mas o mais importante é que a maior parte do conteúdo está sendo construído a partir de pessoas, e não de instituições", aponta Carla.
O Brasil conta com quatro mil jogadores profissionais e 8,6 mil profissionais de outras áreas, como casters, streamers, influenciadores e outras profissões que não existiam alguns anos atrás, mas hoje são peças-chave nas comunidades e no ecossistema de eSports.
Eles são responsáveis por alimentar o engajamento nos jogos, tendo poder e relevância junto aos seus públicos, fãs e seguidores fiéis. A pesquisa aponta que 32% ganham dinheiro com jogos das mais diversas formas, seja produzindo conteúdo (32%), com programas de assinatura (27%) ou com patrocínios (12%).