Por que algumas pessoas conseguem mentir tão bem? A ciência explica

Uns são melhores em mentir do que outros. Entender a mentalidade de um mentiroso ajuda a identificá-lo com mais facilidade

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Tomas Chamorro-Premuzic 4 minutos de leitura

A mentira tem uma reputação negativa, mas não há maneira mais certeira de desmascarar um mentiroso do que encontrar alguém que diz que não mente. Uma avaliação de personalidade comum usada para detectar mentirosos é procurar pessoas que sustentem a seguinte afirmativa: "nunca contei uma mentira na minha vida".

Desde cedo, em todas as culturas, somos ensinados a mentir. Exemplo disso é quando aprendemos a dizer "obrigado pelo bolo, estava delicioso", mesmo quando não gostamos dele. Mesmo assim, há bons motivos para condenar a mentira – principalmente, a necessidade de promover a honestidade. 

Grupos, empresas e nações nos quais o índice de falsidade é reduzido a um nível mínimo mantêm culturas mais saudáveis e eficazes, permeadas pela confiança. Não há uma forma clara de saber com certeza se alguém está dizendo a verdade. Por isso, toda a responsabilidade ética de criar e manter a confiança recai sobre os indivíduos.

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É interessante notar que, independentemente do tipo de mentira e até mesmo de fatores contextuais ou situacionais relevantes, fica claro que algumas pessoas têm muito mais probabilidade de mentir do que outras. Além disso, as pessoas também diferem não só na propensão, mas também na capacidade de mentir. 

A pesquisa sobre isso é informativa, pois nos ajuda a entender os motivos e as causas subjacentes ao impulso de mentir, que se apresenta em diferentes formas e formatos, incluindo mentirinhas sociais, pegadinhas, falsificações, fingimentos, jogos de manipulação, golpes, estelionato, fraudes contra o consumidor, artimanhas militares e esportivas; sem contar os fenômenos recentes, como notícias falsas, ataques cibernéticos e deep fakes com uso de IA

Mas por que algumas pessoas são melhores em mentir do que outras? As respostas ajudarão você a entender a mentalidade de um mentiroso e a identificá-lo com mais facilidade.

1. A prática leva à perfeição

São pessoas que simplesmente mentem com mais frequência, e a prática tende a aprimorar nossas habilidades. Em comparação com dizer a verdade – pelo menos da forma como conseguimos nos lembrar dos fatos – mentir exige mais esforço, incluindo o controle das emoções, a detecção ou o monitoramento da reação dos outros e, é claro, a lembrança das histórias falsas que você conta. É muito mais fácil lembrar o que de fato aconteceu.

2. Talento natural

Mentir não é diferente de cantar, correr ou resolver problemas de matemática. Ou seja: algumas pessoas têm mais talento do que outras. Essas diferenças podem ser atribuídas à personalidade. Por exemplo, gente impulsiva, arrogante e criativa (ou seja, que tem imaginação mais vívida para interpretar e distorcer a verdade) é mais propensa a mentir com sucesso.

Não há uma forma clara de saber com certeza se alguém está dizendo a verdade.

As pessoas com maior inteligência emocional – uma característica geralmente vinculada a todos os aspectos morais – também são melhores mentirosas. Por quê? Porque o coeficiente emocional mais elevado permite que elas se mantenham calmas sob pressão, controlem e regulem suas emoções, avaliem como os outros se sentem e o que pensam delas e tenham mais cara de pau.

Aqueles que têm baixo coeficiente emocional provavelmente vão deixar escapar seu nervosismo e emoções e terão mais chances de transparecer que estão mentindo, mesmo quando estão dizendo a verdade.  

3. Descompromisso moral

A moralidade é a barreira que impede a maioria das pessoas de mentir (ou de ser egoísta, ruim ou antissocial) com mais frequência do que poderiam. Mas alguns são menos comprometidos moralmente, ou menos rígidos do que outros. Isso significa que são capazes de deixar de lado suas próprias barreiras morais ou éticas quando se trata de julgar o próprio comportamento.

No extremo dessa escala, encontram-se os psicopatas e maquiavélicos. Mas, mesmo dentro de níveis moderadamente altos de desinibição ou desengajamento moral, há muitas pessoas "normais" que, de alguma forma, conseguem distorcer a realidade a seu favor quando se trata de interpretar seu próprio comportamento de forma egoísta ou egocêntrica.

mentir exige mais esforço. É muito mais fácil lembrar o que de fato aconteceu.

Uma das descobertas mais amplamente reproduzidas na ciência psicológica é que o autoengano e as autoilusões (em sua versão extrema) são a norma. E a psicologia evolutiva nos diz que a prevalência do autoengano é mais bem explicada em termos de seus benefícios adaptativos. Ou seja: enganamos os outros para que pensem que somos tão bons quanto imaginamos (em vez de sermos de fato). 

Por outro lado, as mentiras também podem ter um caráter ético. É quando, por exemplo, mentimos apenas para proteger os sentimentos ou a vida de outras pessoas, bem como a nossa própria. É por isso que toda sociedade tolera o ato de enganar se a intenção, o objetivo ou a consequência for boa, em vez de egoísta, tóxica ou antissocial.

Nesse sentido, uma pessoa que se abstém 100% de mentir quando necessário causa mais danos à sociedade do que alguém que simplesmente sacrifica a verdade para o bem dos outros.


SOBRE O AUTOR

Tomas Chamorro-Premuzic é diretor de inovação do ManpowerGroup, professor de psicologia empresarial na University College London e na ... saiba mais