Ao criar novas comunidades online, pensar pequeno é o melhor caminho
A tendência de comunidades menores e com mais privacidade revela um desejo crescente por espaços online íntimos e confiáveis
Apesar do crescente sentimento de revolta contra as redes sociais tradicionais, ainda existe um forte anseio por conexão e comunidade online. O lançamento do Threads vem recebendo bastante atenção nas últimas semanas, mas podemos observar uma tendência mais ampla de se afastar das grandes plataformas e se aproximar de comunidades menores e com mais privacidade nos últimos anos.
Testemunhei em primeira mão os benefícios dessas comunidades quando era gerente de produto no Patreon. Muitos criadores ofereciam acesso a servidores privados no Discord como um benefício para seus patronos (assinantes pagos). Esses servidores se transformaram em comunidades prósperas e desempenharam um papel importante na retenção de usuários.
Embora em um primeiro momento os patronos pudessem ter aderido apenas pelo interesse comum em um criador específico (podcaster, escritor, etc.), os servidores do Discord cresceram muito além desse interesse inicial e passaram a incluir canais para discussões variadas, desde temas aleatórios até fotos de animais de estimação e férias em família. Surgiu até mesmo uma expressão entre os apoiadores: “entre pelo criador, fique pelo Discord!”.
Mas o que levou essas comunidades a prosperar, muitas vezes com pouco ou nenhum envolvimento dos próprios criadores? Isso se resume a dois fatores: tamanho reduzido e maior privacidade.
O tamanho menor permitia que os membros da comunidade tivessem conversas significativas e estabelecessem conexões mais fortes, enquanto ter mais privacidade ajudava a filtrar trolls e a negatividade tão comum em plataformas sociais mais abertas.
MENOR E MAIS ÍNTIMA
Existe um tamanho ideal para comunidades online? Um ponto de partida a considerar é o número de Dunbar, que sugere que a quantidade máxima de relações significativas que uma pessoa consegue manter é 150.
Mas talvez seja melhor considerar números ainda menores. De acordo com a ex-CMO do Discord, Tesa Aragones, “cerca de 90% dos servidores [do Discord] têm menos de 15 pessoas, o que os torna mais íntimos”.
Outras startups estão direcionando seus esforços para a criação de comunidades menores. O Locket permite que os usuários convidem até 20 amigos para compartilhar fotos que serão exibidas em um widget em sua tela inicial.
O Hipstamatic foi recentemente ressuscitado e agora permite que os usuários sigam até 99 pessoas e selecionem apenas nove como “amigos próximos”. E, após a rápida ascensão e queda do Clubhouse, o co-fundador Paul Davison tuitou sobre a intenção da empresa de adotar uma abordagem mais enxuta no futuro.
Mas não são apenas as startups que estão optando por comunidades menores. A Meta lançou recursos tanto no Instagram quanto no WhatsApp para testar interações entre grupos mais fechados. No Instagram, a empresa adicionou um recurso chamado “coleções colaborativas”, que permite que os usuários compartilhem postagens em grupos de até 250 pessoas.
No WhatsApp, ela introduziu “comunidades”, permitindo que os usuários organizem seus chats em grupos com mais recursos e controles. O site TechCrunch afirma que o objetivo é aproveitar o “crescente desejo dos usuários de participar de comunidades privadas fora das grandes plataformas sociais, como o Facebook”.
MAIS PRIVACIDADE E POSITIVIDADE
O outro fator-chave para manter a positividade nessas comunidades é o aumento da privacidade. Isso geralmente é feito por meio de um processo de admissão somente por convite, paywall ou uma combinação dos dois. Quando o moderador tem controle direto sobre quem pode acessá-la, grande parte da negatividade é evitada logo no início.
O paywall cria uma barreira que naturalmente filtra membros que realmente desejam estar lá a ponto de estarem dispostos a pagar pelo acesso. Ao mesmo tempo, ajuda a manter de fora pessoas que, de outra forma, ingressariam apenas para criar problemas.
A tendência de comunidades menores e com mais privacidade revela um desejo crescente por espaços online privativos e confiáveis.
No caso do Discord, os servidores eram definidos como privados (somente para convidados) e a assinatura no Patreon funcionava como o paywall. Os criadores tinham até a opção de limitar o acesso a determinados níveis de assinatura, restringindo ainda mais a comunidade apenas aos seus principais apoiadores.
Para aumentar a privacidade, as comunidades do WhatsApp nunca aparecem em buscas nem podem ser descobertas (o que significa que usuários não convidados não encontrarão seu grupo por acaso). Isso é fundamental, já que as contas na plataforma são associadas ao número do telefone.
O aplicativo Locket funciona da mesma maneira e foi desenvolvido para que as pessoas se conectem somente com seus amigos mais próximos e familiares. A ausência de anonimato nesses produtos exige que os usuários confiem uns nos outros e adiciona um nível a mais de responsabilidade aos grupos.
O QUE VEM POR AÍ
A tendência de comunidades menores e com mais privacidade revela um desejo crescente por espaços online privativos e confiáveis. Espero que essa tendência continue, já que os usuários que procuram conexões autênticas priorizam a qualidade em vez da quantidade.
Quer você esteja criando uma comunidade do zero ou adicionando recursos sociais a um produto já existente, considere como o tamanho e a privacidade afetarão a experiência do usuário. Esses dois parâmetros têm um enorme impacto na interação entre os membros do grupo.
Um tamanho menor possibilita a intimidade e a confiança, enquanto maior privacidade ajuda a manter a positividade no ambiente. A abordagem ideal dependerá do seu produto e caso de uso. A aplicação de restrições ao número de participantes e ao acesso cria a base para comunidades prósperas.
Este artigo foi publicado originalmente no UX Collective do Medium e reproduzido com a devida permissão.