Lixo espacial se acumula em órbita mas ninguém parece disposto a recolhê-lo

A falta de regulamentação significa que o lixo espacial continuará a se acumular, assim como os problemas e perigos associados a ele

Créditos: Aldebaran S/ Unsplash/ master1305/ Petrovich9/ iStock

Chris Impey 4 minutos de leitura

A quantidade de lixo na Lua é enorme – incluindo quase 100 sacos de dejetos humanos. E, nos próximos anos, haverá muito mais, tanto na superfície lunar quanto na órbita da Terra.

Em agosto de 2023, a sonda Luna-25, da Rússia, colidiu com a superfície da Lua, enquanto a missão Chandrayann-3 aterrissou com sucesso na região polar sul, tornando a Índia o quarto país a pousar no satélite.

Com o crescente número de missões espaciais, as pessoas aqui na Terra terão que considerar o que acontece com todos os módulos de pouso, resíduos e detritos deixados na superfície da Lua e na órbita terrestre. Sou professor de astronomia e, como muitos outros especialistas, estou preocupado com a falta de regulamentação em relação ao lixo espacial.

O ESPAÇO ESTÁ FICANDO LOTADO

As pessoas costumam pensar no espaço como um lugar imenso e vazio, mas a região próxima da Terra está começando a ficar lotada. Governos e empresas privadas, como SpaceX e Blue Origin, planejam realizar cerca de 100 missões lunares na próxima década.

A órbita próxima à Terra está ainda mais congestionada do que o espaço entre o nosso planeta e a Lua. Essa região fica entre 160 e 800 quilômetros de distância em linha reta, em comparação com os 384 mil quilômetros até a Lua.

Crédito: johan63/ iStock

Atualmente, existem cerca de 7,7 mil satélites em órbita. Mas esse número poderá chegar à casa de centenas de milhares até 2027. Muitos desses satélites serão usados para fornecer internet a países em desenvolvimento ou para monitorizar a agricultura e o clima. E empresas como a SpaceX vêm reduzindo drasticamente os custos de lançamento, impulsionando ainda mais essa atividade.

O PROBLEMA DO LIXO ESPACIAL

Todo esse movimento cria riscos e gera resíduos. Missões anteriores deixaram uma quantidade considerável de lixo na Lua, incluindo restos de naves espaciais – como propulsores de foguetes de mais de 50 pousos fracassados – e objetos diversos, como penas, bolas de golfe e botas. Juntos, eles somam cerca de 200 toneladas de lixo espacial.

Mas, como ninguém é dono da Lua, ninguém é responsável por mantê-la limpa.

A órbita próxima à Terra está mais congestionada do que o espaço entre o nosso planeta e a Lua.

Os resíduos na órbita da Terra incluem naves espaciais inativas, propulsores gastos e itens descartados pelos astronautas, como luvas, chaves inglesas e escovas de dentes. Também incluem pequenos fragmentos de detritos, como lascas de tinta. Existem cerca de 23 mil objetos maiores do que 10 cm em órbita e cerca de 100 milhões maiores do que um milímetro.

Pequenos fragmentos de lixo podem não parecer um grande problema, mas esses detritos se movem a uma velocidade de mais de 24 mil quilômetros por hora – 10 vezes mais rápido do que a bala de um revólver. Nessa velocidade, até uma lasca de tinta pode perfurar um traje espacial ou destruir um componente eletrônico sensível.

NINGUÉM NO COMANDO LÁ EM CIMA

O Tratado do Espaço Sideral das Nações Unidas, de 1967, diz que nenhum país pode “ser dono” da Lua ou de qualquer parte dela e que os corpos celestes devem ser usados apenas ​​para fins pacíficos. Mas não menciona empresas e indivíduos, nem impõe regras sobre como os recursos espaciais podem ou não ser usados.

O Acordo Lunar, de 1979, estabeleceu que a Lua e seus recursos naturais são patrimônio da humanidade. No entanto, Estados Unidos, Rússia e China nunca o assinaram, e, em 2016, o Congresso norte-americano criou uma lei que liberou a criação de uma indústria espacial comercial no país com poucas restrições.

Crédito: Walpapic

Devido à falta de regulamentação, o lixo espacial se torna um exemplo de “tragédia dos bens comuns”, na qual muitos têm acesso a recursos compartilhados, podendo esgotá-los ou inutilizá-los, já que ninguém pode impedir o outro de explorá-los excessivamente.

Cientistas argumentam que, para evitar isso, o ambiente espacial orbital deve ser visto como um bem comum digno de proteção pelas Nações Unidas. A menos que a ONU intervenha, é provável que os interesses geopolíticos e comerciais prevaleçam sobre os esforços de preservação interplanetária.

Com o crescente número de missões espaciais, nós aqui na Terra teremos que considerar o que acontece com os detritos deixados na Lua e na órbita terrestre.

Um novo tratado poderá surgir das iniciativas do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior, que, em maio de 2023, apresentou um documento político destinado a abordar o desenvolvimento sustentável das atividades no espaço.

Embora a ONU tenha autoridade para regulamentar apenas as atividades de seus Estados-membros, ela tem um projeto para ajudá-los na formulação de políticas nacionais que promovam os objetivos do desenvolvimento sustentável.

A NASA criou e assinou os Acordos Artemis, que estabelecem princípios amplos, mas não vinculativos, para a cooperação pacífica no espaço. Apesar de terem sido assinados por 28 países, é importante notar que China, Rússia e empresas privadas não fazem parte desses acordos.

A falta de regulamentação e a atual corrida da exploração espacial significam que o lixo em órbita e na Lua continuará a se acumular, assim como os problemas e perigos associados a ele.

Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Chris Impey é professor de astronomia na Universidade do Arizona. saiba mais