Seja qual for a sentença, o processo movido contra o Google é só o começo

Esta ação antitruste é o início de uma prestação de contas muito mais ampla, não apenas para o Google, mas para todas as gigantes da tecnologia

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Issie Lapowsky 5 minutos de leitura

Nos argumentos iniciais do tão aguardado julgamento, um advogado do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ, na sigla em inglês) acusou o Google de usar acordos com a Apple para tornar seu mecanismo de busca a opção padrão em dispositivos da marca, excluindo assim possíveis concorrentes e violando as leis antitruste. Em resposta, a empresa alega que conquistou essa posição privilegiada devido à qualidade de seus produtos.

Essas declarações conflitantes são o primeiro vislumbre de como o processo contra a gigante das buscas se desenrolará ao longo das próximas 10 semanas.

As ações judiciais simultâneas envolvendo o Google significam que, independentemente do desfecho do julgamento atual, a empresa está longe de estar livre de preocupações.

À primeira vista, o caso tem como objetivo determinar se o Google prejudicou ilegalmente a concorrência por meio de seus contratos com fabricantes de celulares. No entanto, como o primeiro grande julgamento antitruste da era da internet, ele sinaliza o início de uma prestação de contas muito mais ampla, não apenas para o Google, mas para todas as gigantes da tecnologia.

Esse escrutínio intenso é parte de uma longa tradição no setor. Empresas de telefonia já passaram por isso no passado, com um processo movido pelo DoJ que resultou na divisão do monopólio da AT&T em várias empresas regionais.

Empresas de computadores, como a IBM, também enfrentaram longas batalhas judiciais contra o Departamento de Justiça. E, nos primórdios da internet, a Microsoft foi acusada de excluir navegadores concorrentes ao incluir seu próprio produto, o Internet Explorer, em seu sistema operacional.

Esses processos tiveram desfechos diferentes: a AT&T perdeu; o caso da IBM acabou sendo abandonado; e, após inicialmente perder na justiça, a saga da Microsoft terminou com um acordo. Mas todos tiveram impactos duradouros sobre as empresas e as indústrias em torno delas. É provável que o processo antitruste contra o Google siga o mesmo caminho.

COMPETÊNCIA OU MONOPÓLIO?

O que está em questão neste caso é como o Google conquistou seu domínio em um mercado específico: o de buscas. A empresa alega que se tornou líder por oferecer produtos superiores. Como evidência, seus advogados destacaram o fato de que os usuários do Windows continuam escolhendo o Google para realizar buscas, mesmo que o Bing seja o mecanismo padrão da Microsoft.

“Os consumidores usam o Google no Windows porque ele os ajuda a encontrar o que estão procurando”, disse John Schmidtlein, do escritório Williams & Connolly, que representa o Google. “As ações movidas pelo autor ignoram essas verdades incontestáveis.” Schmidtlein também criticou o DoJ por retratar a Microsoft, concorrente mais próxima no mercado de buscas, como uma “suposta vítima”.

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Por outro lado, o Departamento de Justiça argumenta que o Google comprou sua posição de busca padrão, gastando seus “lucros de monopólio” para garantir tratamento preferencial por parte de fabricantes de dispositivos e navegadores, da mesma forma que a Microsoft supostamente forçou as pessoas a usarem o Internet Explorer.

O DoJ enfatizou que a empresa gastou bilhões de dólares para assegurar esses contratos e que, quando a Mozilla alterou o mecanismo de busca padrão no Firefox, o Google perdeu significativa participação no mercado em buscas.

A empresa alega que conquistou essa posição privilegiada devido à qualidade de seus produtos.

Embora seja o foco deste processo, este não é o único mercado que o Google domina, nem o único que interessa ao Departamento de Justiça proteger. No início deste ano, o DoJ anunciou outra ação contra a empresa, concentrando-se na publicidade digital.

O Departamento alega que o Google eliminou a concorrência por meio de aquisições e forçou editores e anunciantes a usarem seus produtos. Em outro processo, a empresa foi acusada de monopolizar a distribuição de aplicativos no Google Play. Este caso está marcado para ir a julgamento em novembro.

EFEITOS FUTUROS

As ações judiciais simultâneas envolvendo o Google significam que, independentemente do desfecho do julgamento atual, a empresa está longe de estar livre de preocupações. O mesmo vale para outras gigantes da tecnologia que recentemente chamaram a atenção dos reguladores antitruste.

A Comissão Federal de Comércio dos EUA aguarda uma audiência com a Meta, acusada de sufocar a concorrência por meio das aquisições do Instagram e do WhatsApp. A Comissão também estaria planejando mover um processo contra as supostas práticas anticompetitivas da Amazon ainda este mês.

Todas essas ações buscam se afastar da abordagem tradicional do antitruste, conhecida como “escola de Chicago”, que se concentra há décadas em casos em que o monopólio eleva os preços para os consumidores.

A ação antitruste contra a Microsoft na década de 1990 teria sido o que abriu caminho para o Google se destacar no mercado de buscas.

A nova geração de aplicadores da lei antitruste no governo argumenta que as empresas ainda podem representar uma ameaça à concorrência, mesmo quando mantêm seus produtos com preços baixos, ou até gratuitos, como é o caso de muitas das gigantes da tecnologia de hoje.

O julgamento do Google será um teste importante para verificar se os tribunais compartilham dessa visão. No entanto, mesmo que a empresa saia vitoriosa no final, a simples existência desses processos provavelmente terá um impacto na própria organização, no preço das ações e na disposição de assumir riscos nos próximos anos.

Muitos acreditam que a ação antitruste contra a Microsoft na década de 1990 tenha sido o que abriu caminho para o Google se destacar no mercado de buscas desde o início.

Se a história servir como exemplo, este momento poderá complicar os esforços da empresa de fazer parte de outra transformação tecnológica – o surgimento da inteligência artificial – e fazê-la enfrentar uma série de players novatos bem financiados e sem restrições, que estarão ansiosos para tomar o seu lugar.


SOBRE A AUTORA

Issie Lapowsky é jornalista especializada em tecnologia e política. saiba mais