Como a Polaroid vai conseguir sobreviver à inteligência artificial?
A marca de câmeras instantâneas tem um plano: celebrar as imperfeições
Na conturbada história da Polaroid, houve dois momentos de sorte. Primeiro, quando um grupo de entusiastas ressuscitou a empresa após sua falência em 2001. Segundo, quando o movimento de "detox digital" deu início a um renascimento analógico. Em ambos os casos, a marca soube aproveitar as oportunidades, transformando o golpe de sorte em genialidade.
Vamos supor, por um momento, que vivêssemos em uma distopia com dois cenários possíveis. Um: nos rendemos à inteligência artificial, banindo tudo o que é analógico. Dois: nos rendemos ao analógico, rejeitamos a IA e retornamos a um mundo no qual o progresso é considerado um pecado.
A verdade é que já estamos caminhando para uma espécie de distopia. Mas o que quero dizer é que, assim como as câmeras digitais na virada do século, a inteligência artificial poderia ter significado o fim da Polaroid.
As câmeras poderiam estar esquecidas, acumulando poeira, enquanto os jovens criam novos mundos no Midjourney. Mas, em vez disso, o mercado global de câmeras instantâneas deverá atingir US$ 1,6 bilhão até 2029. Como isso é possível?
Tudo começa com uma compreensão fundamental: a Polaroid não é uma alternativa à câmera de 35 mm ou mesmo ao smartphone. Ela se soma a eles. Como Nicolas Kettelhake, CMO da empresa, disse recentemente: “não somos um produto ‘ou’, somos um produto ‘e’”.
Kettelhake ingressou na empresa há um pouco mais de um ano, ou seja, no início da febre da IA. Nos anos anteriores, a estratégia de marketing posicionava a Polaroid como uma marca para criativos. A câmera era vista como uma ferramenta de autoexpressão e criatividade.
Desde sua chegada, Kettelhake tem trabalhado para reposicioná-la como a câmera preferida daqueles que desejam tirar fotos marcantes. A ideia é que os clientes escolham comprá-la porque entendem o valor das fotos instantâneas. Seu diferencial é a autenticidade: a vida não é perfeita, assim como uma foto Polaroid.
É claro que convém à empresa apresentar esse argumento. Como qualquer um que já tenha usado uma Polaroid na vida sabe, os resultados podem ser inconsistentes e imprevisíveis.
Só que, em vez de ignorar essa realidade, ela transformou essa falha em uma característica única. Ou melhor, em uma filosofia. “Trata-se de comunicar que acreditamos que a perfeição vem da imperfeição”, explica Kettelhake. “O fato de você ter em mãos algo que não pode ser retocado é positivo.”
Em junho, a empresa contratou 15 fotógrafos para criar imagens que celebrassem imperfeições e capturassem a realidade da vida como parte de uma campanha de marketing intitulada “Capture Real Life” (Capture a Vida Real).
Um deles registrou uma mulher grávida com a legenda “a vida real é sobre ter que esperar”. Outro fotografou uma paisagem urbana excessivamente saturada com a legenda “a vida real é uma cor que não se pode controlar”.
Em agosto, para coincidir com o lançamento de sua câmera mais avançada e cara até o momento, a Polaroid lançou a campanha “The Imperfectionists” (Os Imperfeccionistas). Foram escolhidos três fotógrafos que celebram a aleatoriedade em seus trabalhos.
Um desses profissionais, Coco Capitán, tirou fotos de um veleiro, incluindo uma corda emaranhada, e escreveu: “não estou interessada na perfeição. Caos. Espontaneidade. Aleatoriedade. É aí que mora a realidade.”
Com toda essa conversa sobre imperfeição, você pode estar se perguntando a quem a Polaroid realmente está tentando convencer.
O CEO, Oskar Smolokowski, disse que, quando assumiu a empresa, em 2017, presumiu que as pessoas que mais se entusiasmariam com a Polaroid seriam aquelas que tiveram uma quando eram mais jovens – “e elas odiavam”, admitiu, rindo. Não entendiam o propósito de uma câmera instantânea, considerando a precisão de um iPhone.
Por outro lado, para as gerações mais jovens que cresceram com a fotografia digital, a Polaroid se revelou uma exceção à norma – uma oportunidade de interagir com algo real em um mundo no qual estamos perdendo cada vez mais o contato com a realidade. “Você tem certeza de que não foi adulterada, de que foi criada por um humano”, afirma Smolokowski.
Até agora, o público do produto era formado principalmente por jovens entre 20 e 30 anos – o que não é surpreendente, por se tratar de uma geração imediatista. Foto instantânea, gratificação instantânea.
Mas a Polaroid também está tentando atrair a geração Z e qualquer pessoa que compartilhe a mentalidade da marca. “Seríamos loucos se não nos comunicássemos com o público mais jovem. Temos que começar a introduzi-los a essa ideia”, diz Kettelhake.
Considerando o preço de um Polaroid (o modelo I-2 custa US$ 599), pode levar algum tempo para que este público troque suas câmeras mais baratas por uma bem mais cara. Mas, se a empresa colocar em prática o que prega, não se importará em aguardar um pouco. Afinal, “a vida real é sobre ter que esperar”.