Hack’n’Roll: entrevista com Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio e The Town

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Giovanni Rivetti 9 minutos de leitura

Esta coluna me deu o privilégio de conversar com o inventor do maior festival de rock do mundo e um dos mais consagrados publicitários do Brasil sobre a articulação produtiva entre tecnologia e criatividade. Para além de algumas preciosas passagens e aprendizados, que divido em trechos abaixo, saio da conversa com Roberto Medina encantado e preocupado.

Encantado por conhecer melhor um fazedor inquieto, obcecado pela importância da paixão como elemento estratégico, consciente dos riscos e desejoso do desconforto que a inovação traz. E, acima de tudo, lúcido sobre a oportunidade mandatória de usar tecnologia para materializar sua visão de tocar o ser humano cada vez mais profundamente.

Escutar Roberto Medina foi como ouvir uma espécie de “AC/DC for business” no volume 10.

 Preocupado ao perceber o gap gritante entre os princípios e a prática deste visionário e os do mundo empresarial clássico. As convenções corporativas tradicionais parecem apontar em uma direção oposta aos ensinamentos e comprovações que apurei.

“Ousadia, coragem, emoção e risco” são ingredientes chave de todas as boas histórias que ouvi de Roberto. E, por mais workshops de inovação e hackatons que tenha vivido nas empresas para as quais trabalhei, sinto que os negócios e as pessoas destas corporações ganhariam muito se a cultura vigente fosse mais “roqueira”.

Festival The_Town 2023 (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Escutar Roberto Medina foi como ouvir uma espécie de “AC/DC for business” no volume 10.

Roberto é uma mistura de hacker e roqueiro. De empresário com Professor Pardal (aquele da Disney). Questionador nato, engenhoso e arrojado, me contagiou com seu inconformismo criativo toda vez que repetia: “e por que não?!” – sua claquete favorita ao compartilhar incontáveis causos de inovação.

Vale dizer que raramente conheci alguém que tivesse citado com maior deferência os erros e tombos que tomou ao longo da jornada. Não apenas sobre o quanto aprendeu com eles, mas como usou os “nãos” que a vida trouxe para persistir em sua determinada busca.

Vejo que nunca tivemos tanta tecnologia disponível, mas ainda não a estamos usando no seu potencial máximo.

“Fazer diferente dá mais trabalho, amigo... Inovar é um caminho duro e muitas vezes solitário. Mas a recompensa é proporcional.”

Desde que nos falamos, já escutei a gravação do papo algumas vezes. Na academia, no Uber, passeando com o cachorro. Mesmo quando ela não estava tocando em meu fone de ouvido, segui com trechos daquele barulho bom na cabeça: “temos que empurrar a porta, romper a mesmice” ...” unir os mundos físico e virtual” ... “é tempo de olhar para dentro e saber usar a tecnologia em benefício da genialidade humana…”

Festival The_Town 2023 (Crédito: Divulgação)

Às vésperas de comemorar 40 anos do RockinRio, tendo recém-lançado uma nova marca e plataforma de negócios tão bem-sucedida como o The Town, Roberto segue cheio de planos, projetos e muitos “por que não?”.

 Acompanhe alguns deles aqui comigo. Espero que te inspirem a hackear processos limitantes e a querer sacudir, com muito mais ousadia, as estruturas convencionais que nos cercam.

Lets Hack'n’Roll, baby!!!

Como você vê a integração entre criatividade e o uso de tecnologia?

Há 15 anos inventei o projeto de uma cidade do rock permanente. Para não ter que montar e desmontar o festival. Para superar o fato de não ter – como não tem até hoje – condição de mercado que sustente uma operação permanente deste porte.

Tinha tudo. Era uma cidade completa, de verdade! Fui a Los Angeles, contratei um super talento para me ajudar no projeto, fizemos inúmeros estudos e não chegamos... Aquela ideia, naquele formato, naquele tempo, não parou de pé. Minha conclusão: não havia tecnologia para aquilo funcionar.

No entanto, o problema e a ideia continuam vivos. Estou projetando o Rock in Rio daqui há 20 anos. Como será essa nova cidade do futuro? Permanente, baseada em projeções holográficas, experiências híbridas e no desenvolvimento de um complexo imobiliário que se alimente do nosso enredo e ativos criativos.

Como essa junção vai gerar valor para todos os agentes envolvidos? Como vamos estender a magia que hoje entregamos em poucos dias para o ano todo? É impensável resolver essas e outras questões sem considerar tecnologia no processo criativo e na visão de negócios.

Inovar é um caminho duro e muitas vezes solitário. Mas a recompensa é proporcional.

Hoje nós estamos com a tecnologia extremamente avançada e você não tem uma discussão estruturada, na perspectiva criativa, sobre como é que ela compõe e habilita a equação de valor.

Acho que falta essa discussão ser mais integrada entre a tecnologia, agência e o marketing do cliente. Juntando essas peças com o objetivo de encontrar o valor que aquilo representa.

Vejo que nunca tivemos tanta tecnologia disponível, mas ainda não a estamos usando no seu potencial máximo. Estamos longe do potencial que ela tem e do valor que ela pode criar.

Por que não estamos fazendo essa ponte?

Porque estamos amarrados no processo. Muitas vezes, em uma dinâmica criativa, a bola começa a ser jogada (pela agência ou pelo próprio cliente) de modo acadêmico, em sequência linear. Tem que misturar mais. Sentar para ter ideia junto, desde o começo. Trazer olhares diferentes que somam. E empurrar a porta.

A vida toda me cerquei de grandes talentos técnicos complementares: arquitetos, cenógrafos, iluminadores, engenheiros de som. Foi assim em 1985, quando iluminei a plateia pela primeira vez no mundo em um festival. Está sendo assim agora que estou pensando em fazer o som ser surround.

Festival Rock in Rio 2022 (Crédito: Divulgação)

Por que o som do festival não é surround? Então, agora estou, com um engenheiro de som, estudando o negócio de colocar o som que envolva realmente as pessoas. Não é uma questão de dinheiro, é uma questão de mexer, repensar. Por que não?

Acho que a junção do mundo físico com a tecnologia gera esse conjunto novo, de uma experiência que é única e transformadora naquele momento.

Essa atitude de não se conformar e empurrar a porta está faltando. Vejo muitos jovens procurando a zona de conforto. Eles deveriam estar fazendo a revolução.

Temos que olhar essas formas todas com humildade, mas com vontade de transformar, de causar impacto. Tanto a tecnologia quanto a criatividade, como ferramentas de um mesmo objetivo, que é gerar riqueza para todos os envolvidos.

Como é promover essa articulação?

É extremamente mais sofrido, mas é vital! Porque, se deixar para o tal do sistema, os procedimentos padrão fazem as coisas funcionarem sempre do mesmo jeito. Se você não dá o tranco na sua gestão, faz a mesma coisa sempre.

Show do grupo Queen no primeiro Rock in Rio, em 1985 (Crédito: Divulgação)

Como sou oldf ashion, eu deveria ser um cara que acha que a tecnologia não é aliada. Mas sou totalmente aberto e curioso em descobrir o benefício humano que ela traz. Que bom que temos inteligência artificial. Como esse treco vai ajudar na nossa operação? Que ótima a realidade aumentada. Como isso melhora a experiência do fã?

Há uma certa barreira entre os mundos. E é muito mais confortável para o criativo tradicional pensar isoladamente. Mas é contra intuitivo. Porque, repare bem, a rede social é a mesma coisa que existia na cidade do interior.

Era aquele grupo de vizinhos que distribuía o papelzinho, evoluiu para o sujeito com o megafone falando na praça da cidade que fulano vai encontrar com sicrano e hoje expandiu para bilhão. É a mesma coisa, o mesmo sistema, só que para bilhão.

Acho que compreender com humildade e profundidade o ser humano é o passo crítico para ficar aberto e provocar a discussão de valor que a tecnologia pode trazer.

Quais riscos você enxerga nessa integração?

Claro que o futuro é arriscado. Por exemplo, se eu fizer só uma maquete real ou apenas uma maquete virtual, é claro que é mais seguro. Mas, na verdade, o resultado positivo é a mistura das duas coisas.

Correr mais riscos criativos é necessário. Quando você me mostra as experiências que fez no The Town, com a realidade aumentada no aplicativo do fã, é algo incrível. E agora só nós temos.

Uma coisa não substitui a outra. A luz não substitui a cenografia. A tecnologia não substitui a emoção. O virtual não substitui o real. Elas têm que se somar!

Festival The Town 2023 (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Um dos primeiros anúncios que fiz na minha vida foi com o Paulo Autran, que já era um grande ator de teatro e televisão. Na campanha, ele contracenava com um computador gigante, aqueles mainframes de antigamente, e dizia: “ave, computador, poderosa ferramenta em mãos humanas.” Ou seja, bem-vindo o computador no momento em que aquilo estava chegando no mundo.

A discussão não é se a inteligência artificial vai nos substituir. Ela é uma ferramenta fantástica para se usar. A IA não desvaloriza o ser humano, ao contrário. Ela pode te dar uma escada para você ser mais brilhante ainda. Temos que dar as boas-vindas, compreender a utilidade e aprender a usar.

O ser humano tem uma chispa [faísca] divina. Não é possível a gente imaginar, com tudo o que o homem já fez, com o que já descobriu, que a gente acaba aí. A gente não acaba aí, somos esse negócio que se chama de intuição.

E dá mais resultado “empurrar a porta” e hackear o sistema?

A FGV acabou de contabilizar o impacto econômico do The Town, que realizamos em São Paulo, em R$1,9 bilhão. Por mais relevante que seja esse fato, precisamos estar atentos a essa pressão de precificação das coisas, tomando o devido cuidado para ela não tirar o brilho humano das iniciativas.

Eu pergunto: como é que se precifica o sonho? Não precifica. Apesar de fenomenal, o resultado do The Town é muito maior do que esses quase R$ 2 bilhões.

Show da banda Foo Fighters no The Town 2023 (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Criamos uma marca nova. Construímos uma plataforma para milhares de empresas gerarem valor e milhões de pessoas viverem momentos mágicos. E o significado disso é bem mais amplo do que o valor econômico e o lucro.

Pensando nisso, para a grande comemoração dos 40 anos do Rock in Rio, estou fazendo um musical novo, seguindo um pouco essa linha. Porque, no ano passado, comecei a pensar sobre legado. Eu falei, pô, fiz isso tudo como? Eu tinha talento para isso?

Tenho certeza que não. Era um cara obcecado pelas paixões que aconteceram na minha vida. Eu corria atrás, não desistia, mas não era uma questão de talento, era uma questão de determinação.

Quero passar isso no musical. Quero passar que vale a pena sonhar, acreditar e seguir com determinação. Parece ter um perfil de profissional que não está querendo arranhar, e a vida arranha, amigo. Como arranha. Criança cai, vai brincar. Se não brincar, não cai, não vive, não é mesmo? Acho que sair da zona de conforto e perseguir nossos sonhos com absoluta determinação é o que devemos fazer. É o que eu tento fazer esses anos todos.


SOBRE O AUTOR

Giovanni Rivetti é sócio e CEO da Context Creative Tech, braço de tecnologia criativa do Grupo Dreamers. O executivo permaneceu por qu... saiba mais